“O excluído não está excluído do viver!”, diz Gilberto Gil em live que inaugurou o revolucionário TV Portal Favela


Artistas, lideranças populares, jornalistas e comunicadores de favelas cariocas como Rocinha, Vidigal, Jacarezinho, Maré, Chapéu Mangueira, da Babilônia, entre muitas outras, se unem em projeto visionário que irá produzir e veicular a vida cultural, religiosa e política das comunidades carentes em primeira pessoa no programa “Favela É” do portal Favelas

*Por Malu Porto

Imbuído de fortes depoimentos e referências a líderes como Nelson Mandela, Martin Luther King Jr., Obama e Malcolm X, o programa “Favela É”, apresentado por Nika Andrade e Soca Fagundes, que foi ao ar ontem (13), via streaming no Youtube, contou com a presença de Gilberto Gil e ganhou ares de momento histórico: a inauguração da TV Portal Favela, o primeiro canal da plataforma online, que reúne blogs, rádios e jornais das favelas do Rio de Janeiro, que chega com a missão de romper o silêncio das vozes sufocadas de comunidades marginalizadas e revolucionar o conteúdo da mídia alternativa brasileira ao promover o protagonismo audiovisual das representatividades populares, negras e LGBT.

Um Gil doce e nostálgico relembrou seus tempos de morador do bairro de São Conrado,  Zona Sul do Rio, e da convivência e carinho que mantinha com a comunidade e a vida cultural da Rocinha, destacando a importância, ao lado da luta política, do cultivo de uma poesia cotidiana e de uma dimensão mais transcendental da vida, mesmo frente a toda dor e injustiça do contexto social:

“O excluído não está excluído do viver! É preciso não abandonar a exclusão. O excluído que quer se emancipar, também precisar entender que ele já é, que já existe. Passei a vida construindo, através da música e da poesia, as pontes entre o mundo abstrato e as necessidades da vida. Tudo é um chamamento de atenção ao fato de que nós já somos. E o que já somos é de uma grandeza que já nos pertence”, refletiu, iluminado.  

 

A roda de participantes ainda contou com a presença de Rumba Gabriel, jornalista, teólogo e fundador do Movimento Popular de Favelas, do cientista político e ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, e da advogada e defensora pública, Laura Ferrarez, na reflexão do tema “Arte, Cultura: Segurança da Favela”, que trouxe à tona feridas estruturais do passado e presente histórico brasileiro e a perpetuação do racismo institucional como a origem da invisibilidade do negro na sociedade. 

Elite, igreja e mídia mainstream: Nós não temos a grana, mas temos o talento.

“Sim, nós podemos! Eles acham que a verdade absoluta só eles carregam, porque eles têm o vil metal, eles têm grana. Nós não temos a grana, mas temos o talento, a força. Temos nossos tambores. Mesmo que as igrejas neopentecostais digam que nossa cultura é coisa do diabo. Tudo nosso é forte. Nosso samba que era marginalizado cresceu tanto que eles começaram a levar para eles, tomar de assalto, nos botaram na Sapucaí como marionetes. Nossa capoeira sempre foi forte, pois nós somos de resistência. O canal TV Portal Favela é isso, é o que faltava. Um Portal para mostrar a nossa cara, a nossa face, agora está escancarado”, desabafou, emocionado, Rumba Gabriel, na abertura do programa, ao apontar, o que ele considera ser, os três pilares de origem da opressão das comunidades carentes.

A importância de integrar narrativas

“Eu irei até o fim da minha vida para ajudar a construir uma ponte sobre esse abismo, sobre o silencio cúmplice das instituições para calar os dramas e tragédias que acontecem na favela. Eu quero ser um obreiro, um engenheiro, para que os canais se abram e essa ponte ajude a traduzir e disseminar todas as vozes marginalizadas. Para que o Rio deixe de ser essa cidade cerzida e possamos compartilhar da mesma história”, declarou, incisivo, Luiz Eduardo Soares. 

A cor da pele te esconde, te tira a humanidade.

A advogada Laura Ferrarez defendeu o poder transformador da educação, além de ressaltar que, atualmente, no Brasil, apenas 32% de servidores são negros, e que a chamada meritocracia é mais um fruto da mentalidade do racismo estrutural: “Sou o resultado da história de todos os homens e mulheres que lutaram por direitos de igualdade. E só vamos conseguir atingir essa igualdade quando ocuparmos espaços de poder. O racismo rouba das pessoas o que a gente pode ser. A cor da pele te esconde, te tira a humanidade. Por isso essas lives e espaços de fala são tão importantes, pois assim como somos ensinados a odiar, também podemos ser ensinados a amar”, arremata.