“O Doador de Memórias” (The Giver, de Philip Noyce, Weisntein Company e Walden Media, 2014), que estreia hoje nos cinemas, faz parte daquela vertente de filmes futuristas cabeça que dominou a ficção científica no cinema durante os anos 1960/1970, antes do advento do blockbuster e de George Lucas e sua saga “Star Wars” transformarem o gênero em sinônimo de aventura espacial passada em galáxias distantes. O roteiro, adaptado do best seller homônimo da norte-americana Lois Lowry, lida com mais um daqueles argumentos sobre sociedades utópicas em que o homem, em prol de certa qualidade de vida, abdica de seu verdadeiro “eu” a fim de consertar as impurezas do mundo real. Tudo naquele viés que se tornou chavão a partir de “Admirável Mundo Novo”, o clássico do britânico Aldous Huxley que se tornou símbolo do pensamento de que não se deve mexer com os desígnios da mãe-natureza, nem com o verdadeiro espírito humano, ainda que por um suposto bem maior, sob o risco de se cair no vazio de uma civilização concebida em proveta, sem que haja o frescor do imprevisível.
Brenton Thwaites (“Malévola”, “A Lagoa Azul: o despertar”) é Jonas, o adolescente que, aos 16 anos, é encarregado de ser o novo Receptor de Memórias, nome dado àquele nesta sociedade que fica responsável por guardar a história da civilização e seu passado, inclusive aquelas imperfeições que foram aparente extirpadas, como a guerra, fome, inveja e até mesmo a paixão. Naturalmente, se tornar uma espécie de biblioteca viva é tarefa para os fortes, sobretudo aqueles que tiverem fígado suficiente para segurar a catarse na hora de descobrir que o homem pode ser tão execrável quanto um prato de dobradinha com jiló guardado na geladeira de um dia para outro.
E, claro, no meio desse processo, e repleto de sentimentos dos quais nem ele nem quase ninguém há muito não sabiam que existiam – graças a doses diárias de inibidores de emoção aliadas a um severo condicionamento de superego -, ele vai descobrir o amor, força-motriz que move o mundo e que, ao ser suprimida, funciona como válvula de escape para os eventuais questionamentos sobre a validade de se modelar a humanidade sob quilos de maquiagem artificial e nenhum livre-arbítrio. Sim, o filme é moralista, digno até de estimular o pensamento, mas nada de novo no front.
Se na obra-prima de Huxley os seres humanos divididos em castas tomavam Soma – um comprimido que regulava as funções cerebrais domesticando emoções e se aproximando de toda a sorte de drogas e psicotrópicos usados à exaustão hoje em dia para evitar males como síndrome do pânico e ansiedade -, nas comunidades de “O Doador de Memórias” existe uma injeção diária que, administrada no café da manhã, torna todos tão gentis quanto um operador de telemarketing ou uma recepcionista do Werner Coiffeur. Educados, eficientes, mas programados a dar com o pau, sem nenhum fiapo de sentimento genuíno capaz de imprimir mojo à vida.
Nem é preciso dizer que, em uma sociedade de boutique, mas apática, onde não existe, arte, autoexpressão, moda e nenhuma espécie de tempero que amplifique a vida ao patamar do espetacular, a nova condição do protagonista mais sua recusa em oferecer o pulso para tomar a tal picadazinha mágica no desjejum irão capacitá-lo ao posto de revolucionário. Tudo óbvio, a não ser beleza incomum do ator principal e o fato de dois pesos-pesados da cinematografia hollywoodiana darem expediente no longa: os embates entre Jeff Bridges e Meryl Streep por si só já valem a ida ao cinema, mesmo que o que se veja na tela seja mais do mesmo. Completam o elenco, Alexander Skarsgard, Katie Holmes e até Taylor Swift em uma ponta.
Trailer Oficial (Divulgação)
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