*Por Simone Gondim
Em tempos de coronavírus, isolamento social e trabalhos adiados ou cancelados, é um luxo ter a chance de levar adiante algum projeto da área cultural. Nesse contexto, o carioca Bernardo Barreto – nenhum parentesco com a família famosa ligada ao cinema – reconhece seu privilégio por não precisar interromper a pós-produção do longa “Ballad of a hustler”, no qual assina o roteiro e interpreta o protagonista. “Não dá para falar de sorte no meio de uma pandemia, mas dentro desse caos, eu já estava em finalização. Nessa etapa, os profissionais conseguem trabalhar das suas casas, em esquema remoto”, conta. “Está atrapalhando, claro, mas se a gente estivesse filmando ou em pré-filmagem seria muito pior. Só que não tem jeito, o mundo parou. A única forma que a gente conhece até hoje de combater esse vírus é parando”, acrescenta.
Até se estabelecer no litoral de São Paulo, Bernardo foi pulando de quarentena em quarentena. Depois de duas semanas isolado em Nova York, onde mora, ele decidiu pegar um avião para a capital paulista, a fim de ficar um pouco mais perto da família. “Aluguei um apartamento no litoral, porque não aguentava mais concreto”, confessa. “Não estou muito inspirado, sinto falta de liberdade. Talvez tenha que absorver tudo isso para ver o que sai. O coronavírus mostrou que não somos donos de nossos próximos passos, por mais que tenhamos programado”, diz o ator, produtor e cineasta.
Embora não considere “Ballad of a hustler” uma obra autobiográfica, Bernardo ressalta que põe um pouco de si mesmo em tudo que escreve. “Na trama, as relações com a vida real estão tão camufladas que eu acho que ninguém nota”, imagina. Foram quatro anos até a história sair do papel – o longa, todo falado em inglês, é filmado nos Estados Unidos e tem participação especial de Andréa Beltrão. A trama é centrada em Jonathan, um filho de mãe solteira que deixa a prisão e está em busca de uma segunda chance. “Pude me aprofundar muito nesse processo. Continua sendo um drama de paternidade, mas tem muita coisa que mostra como o país trata os imigrantes e como essas pessoas vão sobrevivendo”, explica.
Quem assina a direção do longa-metragem é o premiado Heitor Dhalia, conhecido por filmes como “Nina”, “O cheiro do ralo” e o hollywoodiano “Gone”, além da série “Arcanjo renegado”. Bernardo, que também é um dos produtores de “Ballad of a hustler”, se diverte ao lembrar como Dhalia entrou no projeto. “Quando o roteiro se transformou em um filme sobre imigração, começou a fazer sentido que fosse um diretor nascido fora dos Estados Unidos. Mas eu estava procurando dentro dos Estados Unidos, só que não me identificava com nenhum. Vim ao Rio renovar meu visto de trabalho e encontrei com uma amiga, falei que estava atrás de um diretor e ela citou o nome do Heitor Dhalia”, lembra. “Sentamos para tomar um café, ele me disse que iria ler o roteiro, mas não poderia pegar o trabalho naquele momento, porque estava envolvido com as filmagens de ‘Arcanjo renegado’. Dias depois, ele me liga e diz: quando é que a gente filma? Foi maravilhoso, espero que façamos outros projetos juntos”, completa.
Além de finalizar “Ballad of a hustler”, Bernardo, que deu vida ao Lucas de “Meus dias de rock”, trabalha em um novo roteiro, “Free spirit”, cuja história mostra como a não aceitação de ideias diferentes pode destruir. Ele revela que, pela primeira vez na vida, tem sentido dificuldade para escrever. Seria efeito do clima da pandemia? Talvez. “Fico meio sem energia porque não sei para onde mexer. E acho que está todo mundo um pouco assim”, afirma.
Entre produzir, escrever e atuar, o carioca não tem dúvida sobre o que mais gosta. “Desde os 19 anos eu sabia. Era muito louco, porque neguei muito a carreira de ator. Achava que não era uma profissão e tinha vergonha, mas era a única coisa que me interessava. Escrevo, dirijo e produzo, mas me sinto vivo quando sou ator. É o único lugar em que me sinto eu”, garante. “Fazia marketing na Faculdade da Cidade, passava na porta da Casa de Cultura Laura Alvim e sentia uma atração física, mesmo. Não sabia por quê. Entrei no curso de teatro morrendo de vergonha, era muito tímido, e em seis meses já tinha um planejamento de vida, algo que era inédito para mim: vou fazer faculdade de teatro, me formar e ir para Nova York estudar no curso X”, recorda.
Aos 40 anos, Bernardo assume que gosta da maturidade, mas não de ficar mais velho. “Ninguém acha legal envelhecer. Você começa a pensar que o tempo vai encurtando, as possibilidades vão diminuindo. Mas sua bagagem vem junto. Estou gostando dos 40, mas queria ter 40 com 30. Sou muito jovem no meu jeito de ser”, argumenta. Outra característica da personalidade do ator é a sinceridade. “Sempre fui de falar o que eu sentia. Teve um período em que parei com isso, porque foi muita porrada por ser assim. Agora, vejo que deveria ter continuado agindo do meu jeito, as porradas viriam de qualquer maneira”, reconhece. “A gente não pode ter medo de ser como é, de falar as coisas. Hoje, as pessoas têm muito medo de errar. Não vejo grandes questões em errar. Até na coisa da política. Claro que insistir no erro é uma loucura. Ninguém nasce sabendo. Sou uma metamorfose ambulante”, conclui.
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