*Por Brunna Condini
No ar em “Amor sem Igual”, da Record, Juliana Lohmann ainda pode acompanhar seu trabalho como a garota de programa Cindy, apesar da pandemia do Coronavírus. “As gravações pararam dia 17 de março, mas estaremos no ar até o dia 20 e esperamos retornar o quanto antes”, torce a atriz. Juliana e o marido, o fotógrafo e diretor Felipe Araújo Lima, estão há 23 dias em casa, fazendo o recomendado isolamento social e a atriz comenta sobre os sentimentos e reflexões que afloraram no período.
“A gente vive em uma sociedade que não nos deixa tempo para absolutamente nada. Muitas vezes temos a sensação de que vivemos uma “subvida” da vida. Gostaríamos de fazer aulas, ler livros, ver filmes, ter momentos com a família, dar mais atenção aos filhos, encabeçar um projeto pessoal, enfim, coisas que sempre deixamos para depois, para um dia, quem sabe… O sono nunca está em dia, trabalhamos para pagar contas e, constantemente, a produtividade nos é cobrada. E, então, quando há um espaço de tempo, um momento de hiato no sistema, quando finalmente podemos olhar para dentro de nós e refletir, logo surgem promoções de cursos online sobre diversos assuntos, uma agenda extensa de lives de pessoas e marcas, vários aplicativos de aulas, promoções nas compras online, investimentos de empresas em engajamento nas redes sociais. Nós estamos reclusos e a sensação de termos que continuar sendo produtivos não cessa. Isso gera muita ansiedade’, observa.
“Acredito que continuar no mesmo ritmo de antes não traz transformação. Parar agora se faz necessário. Não só por uma questão profunda de reflexão, como, principalmente, por uma questão de saúde. E essa pausa deve ser um direito de todos aqueles que não estão em serviços essenciais. É dever do Estado garantir, não só a subsistência, como também a vida dos que mais precisam. Além do desafio de estar confinada, algo perturbador é saber das tantas pessoas que estão em situações ainda mais precárias e vulneráveis do que antes da pandemia”, pontua.
Aos 30 anos, Juliana se tornou uma mulher potente e que se posiciona diante dos temas que a afetam na sociedade. Ela fala com liberdade e sem tabus sobre qualquer assunto, inclusive sobre as questões que envolvem a personagem que interpreta na Record. A Cindy é uma prostituta, e você sempre salienta a importância de não julgá-la por suas escolhas, já que o corpo e a vida lhe pertencem. Mas como encara essa realidade de tanta vulnerabilidade? “A prostituição é uma profissão bastante complexa, por vários motivos. São muitas as razões que podem levar uma mulher a se prostituir, pois elas não partem do mesmo ponto. Elas se diferenciam pela classe social, cor, gênero. Há algumas que tiveram o privilégio da escolha, outras não. Com certeza algumas estão em situação de mais vulnerabilidade do que outras, mas todas vivenciam na pele a opressão dessa sociedade falocêntrica criada por homens brancos. As escolhas da mulher acerca da sua própria vida, sem dúvida devem ser respeitadas, sejam quais forem, e livres de qualquer preconceito ou julgamento. É preciso que recebam proteção sem exploração. Algumas feministas defendem o fim da prostituição, pois afirmam que qualquer programa é um estupro pago. Sem dúvida esse assunto requer muita delicadeza, não só no momento de discuti-lo como também no momento de representá-lo. Como atriz, tenho consciência de que é de fato uma situação de vulnerabilidade e que não é fácil. Uma das coisas mais difíceis para mim foi ter que me colocar nesse lugar de objetificação da mulher”, aponta.
E Juliana ainda destaca que o cenário da pandemia pode aumentar essa vulnerabilidade: “Por isso a discussão acerca desse tema e da regularização da profissão é muito importante. As mulheres precisam estar protegidas em qualquer ocasião. Elas, como qualquer outro trabalhador autônomo, precisam receber auxílios básicos do sistema público. Tem muitas profissionais do sexo que se prostituem para comer o pão do dia seguinte, o que dificulta ainda mais o quadro”.
Apesar dos dias tensos e incertos, por conta das consequências do avanço da Covid-19, e de todo estresse que este cenário pode causar, a atriz acredita na importância de valorizar o que inspira esperança. “Tem o trabalho dos profissionais da saúde, que dedicam sua vida à cura, que estão na linha de frente do combate ao vírus. Isso me emociona muito. O Coronavírus nos avisa o que jamais poderíamos ter esquecido: somos todos iguais, independente de classe social, cor, gênero, nacionalidade. Percebemos o quanto o sistema que estamos inseridos é opressor, é perverso, é cruel com as vidas humanas e com a natureza. Tenho esperanças de que quando tudo isso passar, estejamos transformados, mais conscientes, em direção a uma relação mais saudável com os outros e com o planeta”.
Juliana salienta que a reclusão necessária pode favorecer o surgimento de sentimentos difíceis de lidar, como angústia, depressão e ansiedade, e compartilha atitudes que têm ajudado a superar os dias mais “cinzas”? “Lembro que não preciso ser produtiva o tempo inteiro, me dou o tempo da reflexão, do ócio, da inspiração. É um dia de cada vez. Respeito meu corpo. Caso eu deseje, procuro fazer yoga, meditar, fazer exercícios, suar, ler, estudar, ver filmes, cuidar da casa. Tudo isso me ajuda bastante, sinto que traz a minha presença de volta, traz harmonia e integração com meu corpo. Respirar também tem sido muito importante, respirar profunda e longamente me traz mais calma”.
Descoberta ainda criança, a niteroiense conta que apesar da longa estrada, já considerou desistir da profissão. “Pensei várias vezes. Mas a decisão durou pouco tempo porque, em nenhuma delas, eu decidi de verdade, com o coração. Percebia que o que me chamava era apenas uma nova maneira de me relacionar com a minha profissão. Quando você trabalha na mesma profissão há praticamente 20 anos, ocorrem muitas ressignificações, novas visões”, avalia. “Você muda e a maneira de enxergar as coisas muda também. Tenho o hábito de sempre checar comigo se estou bem, se estou feliz, se é mesmo este o caminho que quero seguir. Sinto que isso me ajuda a continuar a caminhada de maneira verdadeira com o meu propósito”, analisa.
E faz questão de destacar o papel, cada vez mais necessário, da arte no mundo: “O artista é, antes de mais nada, alguém que questiona o mundo em que vive. É alguém que, através das percepções e dos sentidos, encontra instrumentos sutis, seja no próprio corpo ou em outros materiais, para fazer remexer as certezas já instauradas dentro de uma sociedade. É alguém que através dos afetos encontra vias de expressão para que olhemos sob novos pontos de vista a nossa própria cultura e moral. Alguém que busca na própria subjetividade um encontro com a subjetividade daquele que o percebe sem deixar de considerar o externo e os meios de existência humana. Alguém que, através do acontecimento, trava um encontro com aquele que vê sua arte, para que juntos provoquem novos olhares, novas expansões de ideias, novas percepções de si e do mundo”.
Com essa pandemia, profissões que estavam pouco valorizadas como as ligadas à ciência, à arte, sem falar nos profissionais de saúde, estão em evidência e tendo um papel fundamental. Na sua opinião, isso pode ser um sinal de mudança no modo de viver? “Esses ataques diretos fazem parte de uma estratégia de doutrinação baseada em intolerância, que não pode conviver com as diferenças e se sente ameaçada por um ambiente plural que necessariamente questionaria raízes autoritárias. A narrativa que se constrói é a única passível de aceitação. É preciso atacar o outro para tirar de evidência o absoluto vazio que resta e que não consegue se sustentar diante de qualquer debate ou confronto honesto. A chegada do coronavírus nos traz esse confronto. Entre a vida e a morte não há como negar a ciência. A pandemia nos faz ficar face a face com as fragilidades sociais. Ela expõe a sociedade estruturalmente racista, classista e sexista a que estamos submetidos, onde quem tem menos dinheiro tem menos acesso à vida. Vivemos em um sistema que não nos dá o tempo da reflexão, o tempo do ócio, da criação, do pensamento. Vivemos na sociedade do cansaço, como defende Byung-Chul Han, em que tempo é dinheiro. Um sistema que se relaciona de forma predatória com os animas e com a natureza, que é sua própria fonte de riqueza”, reflete a atriz.
“Espero sinceramente que a pandemia nos sirva para uma transformação profunda. E que a partir daqui nós caminhemos para uma sociedade mais justa, mais igualitária, em que tempo não é dinheiro; tempo é vida, tempo é nutrição, é criação, é observação, e que todos, sem exceção, tenham o direito de tê-lo. Uma sociedade em que o Estado investe em saúde, em cultura, em ciência, em educação, em pensamento crítico, e que dê à população o que é dela por direito”, conclui Juliana.
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