*Com João Ker
Integrante da mais fina flor de comediantes que surgiram na televisão nos anos setenta e estouraram no cinema na década seguinte, Robin Williams foi encontrado morto em sua casa, em Tiburon, na Califórnia, aos 63 anos, por causa ainda não revelada. Sua agente Mara Buxbaum declarou nesta segunda-feira (11/8) que o ator estava “lutando contra uma depressão severa”, embora a causa mais provável, suicídio, ainda não tenha sido confirmada e sua dependência química por álcool e cocaína fosse conhecida dos tabloides.
Entre todos os expoentes de sua geração, foi o que foi mais longe na telona, mesmo se mantendo principalmente na comédia, um gênero que amealha milhões, mas que muitas vezes é desprezado pela crítica. Williams, entretanto, foi vitorioso na bilheteria, amado pelos fãs e escolha certeira dos estúdios, mesmo mantendo-se preferencialmente fiel ao gênero que o consagrou. E olha que, entre seus pares, esbanja-se talento. Essa nova fornada substituiria nas marquises das salas de exibição gente graúda do time anterior (da virada dos 1960/1970), tipo Gene Wilder, Liza Minelli, Richard Pryor e a turma de Mel Brooks, e é formada por atores do calibre de Steve Martin, Billy Cristal, Chevy Chase, Whoopi Goldberg, Dan Aykroyd, Danny DeVito, John Belushi, Eddie Murphy e até um Tom Hanks novinho e franzino, antes dos filmes sérios. Quase todos egressos da tevê, onde se consagrariam primeiro em programas de comédia como “Saturday Night Live”. No caso de Williams, o passaporte para o estrelato absoluto veio com a série “Happy Days”, onde costumava improvisar no papel do abilolado Mork, o que lhe rendeu um spin off, “Mork and Mindy” (1978-1982). À exceção de Hanks, que reinventou sua persona e partiu para a atuação em dramas, Williams foi o único que se manteve no topo mesmo insistindo em fazer graça, enquanto seus colegas viram suas carreiras minguarem ao longo dos anos 1990 e 2000. Mas, como a fila anda, nestes últimos anos até suas aparições no cinema foram ficando mais bissextas, com então novatos como Will Farrell, Jack Black e Ben Stiller ocupando seu espaço, enquanto o antigo astro focava mais nas participações especiais e dublagens.
Em 1980, Williams interpretaria seu primeiro protagonista na tela grande, o papel-título de “Popeye” (idem, de Robert Altman, Paramount Pictures e Walt Disney Pictures), um longa subestimado pela crítica, mas extremamente fiel ao desenho animado original, onde pode usar todo o seu repertório de caretas para se firmar em Hollywood. Já em seu filme seguinte, “O Mundo Segundo Garp” (The World Acoording To Garp, de George Roy Hill, Warner Bros, 1982), ele protagoniza ao lado de Glenn Close uma comédia romântica na qual interpreta um escritor em uma história difícil, que aborda temas polêmicos para a época, como homossexualismo, transexualidade e gravidez fora do casamento. A partir daí, o ator não para mais e faz um filme após outro, já sendo indicado em 1984 para seu primeiro Globo de Ouro por um papel no cinema, por “Moscou em Nova York” (“Moscow on the Hudson, de Paul Mazursky, Columbia Pictures). No total, ele arrematou cinco Globos, um por “Mork e Mindy” em 1978 como ator em série de comédia, outros três por atuações no cinema e um especial.
Ao longo da carreira, se notabilizou pelos tipos, muitas vezes auxiliado por recursos de caracterização. Papeis como o Peter Pan adulto em “Hook” (idem, de Steven Spielberg, Amblin Entertainment, 1991) e filmes como “Uma Babá Quase Perfeita” (Mrs.Doubtfire, de Chris Columbus, Twentieth Century Fox, 1993) e “O Homem Bicentenário” (Bicentennial Man, de Chris Columbus, Columbia Pictures e outros, 1999) se encarregaram de criar a mística em torno do seu trabalho. E, sem medo, muitas vezes o astro optou por roteiros fantasiosos, mas que são veículos ideais para exercitar seu histrionismo cênico.
Mesmo marcado pela comédia, Robin Williams também se saiu bem em filmes sérios, em longas como “Sociedade dos Poetas Mortos” (Dead Poets Society, de Peter Weir, Touchstone Pictures, 1989, pelo qual foi indicado ao Oscar), “O Pescador de Ilusões” (The Fisher King, de Terry Gilliam, Columbia Pictures, 1991) e “Hamlet” (idem, de Kenneth Branagh, Castle Rock Entertainment e outros, 1996), que revelam sua versatilidade. E, curiosamente, seu único Oscar (como coadjuvante) lhe foi conferido pelo papel do psiquiatra de “Gênio Indomável” (Good Will Hunting, de Gus Van Saint, Miramax e outros, 1997), outro drama. Por isso mesmo, volta e meia era convocado para fazer alguma participação especial a fim de abrilhantar uma ou outra produção.
Mas, entre todos os seus méritos, um deles se destaca. Por ter sido a voz do Gênio da lâmpada em “Alladin” (idem, de Ron Clements e John Musker, Walt Disney Pictures, 1992), o ator deu o pontapé no milionário costume de escalar estrelas de primeira grandeza para dublar personagens de desenhos. Na época uma inovação, pois até os traços e expressões faciais de Williams inspiraram os animadores frame to frame e acabou virando regra em Hollywood, desde então, os estúdios escalarem um casting de celebridades sem fim para suas realizações nesse campo. O sucesso foi tanto que a Disney acabou desrespeitando o acordo firmado com o ator de que seu nome e imagem não seriam usados na promoção do longa-metragem, o que causou um rompimento entre ambos.
O falecimento de Williams é o segundo baque sofrido pelo cinema americano este ano, possivelmente pelo mesmo motivo. Em fevereiro deste ano, o igualmente talentoso Philip Seymour Hoffman foi encontrado morto por overdose no banheiro de seu apartamento em Manhattan. Afinal, não é de hoje que as engrenagens da indústria cinematográfica engolem seus principais componentes, muitas vezes levados a parafuso. O caso de Judy Garland é notório e sabe lá à base de quantos remédios Liz Taylor conseguiu sobreviver por tanto tempo. Agora, Hollywood amanhece um pouco mais triste, sem a alegria espontânea do ator. E, em uma época em que comédias medíocres como “Todo Mundo em Pânico” insistem em fazer sucesso, a era dos filmes estrelados por grandes comediantes talvez esteja chegando ao fim. Cabe a Jim Carrey, legítimo sucessor desse legado e tão careteiro quanto o recém-falecido astro, a responsabilidade de jogar a bola adiante.
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