“O Caetano me apareceu como um farol”, afirma Orlando Morais sobre parceria com cantor no filme “Orlamundo”


Eleito como o Melhor Documentário em festival de Los Angeles, “Orlamundo” ainda traz parceria com a Velha Guarda da Portela e com Antônia Morais

47º Festival de Cinema de Gramado – Orlando Morais, Antônia Morais – Foto: Cleiton Thiele / Agência Pressphoto

*Com Thaissa Barzellai

A quinta noite de Festival de Cinema de Gramado foi uma grande viagem pela música, pela dança e, principalmente, pelas questões humanas. Com a presença na Serra Gaúcha do músico Orlando Morais e Antônia Morais, o documentário “Orlamundo” teve sua primeira exibição nacional no Palácio dos Festivais antes de seguir por outros festivais, como o de Miami. A noite ainda contou com a presença potente da equipe de “Pacarrete“, que foi ovacionada após fim de sessão do filme. Vem conferir tudo o que rolou!

Ásia. Europa. América do Sul. África. Esses foram alguns dos continentes carimbados no passaporte do músico Orlando Morais durante toda a sua vivência como artista, o que possibilitou um encontro cultural tão gigante que só caberia contá-lo em um único lugar: na tela do cinema. Foi com essa premissa de celebrar com o mundo a riqueza e o respeito pelas diferentes histórias, artistas e reflexões pessoais que surgiu a ideia de produzir o documentário “Orlamundo”, exibido ontem em uma sessão hours-concours no Palácio dos Festivais. Eleita Melhor Documentário no Los Angeles Independent Film Festival, a obra foi se desenvolvendo ao longo das próprias gravações e, no fim, se transformou em algo muito mais além do que um diário de bordo do artista. “Eu nem sabia se eu ia falar algo da minha vida, se a gente só ia cantar, tudo foi acontecendo durante o processo. Foi surpreendente, porque eu tinha medo de que acabasse sendo um filme pretensioso quando eu só queria que ele fosse que nem água e rolasse naturalmente, achando o lugar no mundo. Conseguimos”, comemora Orlando.

Com direção de Alexandre Bouchet, a obra mergulha fundo nas belezas dos Lençóis Maranhenses, cenário escolhido para registrar toda essa trajetória. “Eu fiquei impressionado com aquele lugar de tão lindo que é”, diz. A escolha da locação, assim como quase todo o processo do filme, veio de forma muito natural para o cantor, quase como água. Dono de pousadas pelo Nordeste e Norte do país, Orlando divide o seu amor por música com as belezas do Brasil, que o surpreendem a cada nova descoberta. “Eu sou aventureiro, sou quase um Dom Pedro II. Eu comecei a investir toda a minha carreira na Europa, estou há 12 anos lá, mas é pelo Brasil que eu tenho essa loucura”, conta. A fim de trabalhar com um conceito simples, muito parecido com a estrutura dos shows de nome homônimo que inspiraram o filme, “Orlamundo” conseguiu a façanha de unir artistas de todos os cantos do mundo nesse lugar que, de tão encantador, acabou se tornando uma das principais marcas do filme entre as cenas nas quais os convidados cantam em sua própria língua, em sua própria roupa, sem nenhuma produção.

É nessa convivência harmoniosa e simples que o espectador é envolvido pelo repertório que traz não só nomes importantes da música internacional, como o chinês Guo Gan, como também grandes artistas que fizeram história no Brasil, como a Velha Guarda da Portela, escola de coração, e o mestre Caetano Veloso. Como um jovem de Goiânia, terra do sertanejo, Orlando achou logo uma forma de expandir os horizontes e acabou encontrando na voz do intérprete de “Sozinho” e “Tieta” o escape que precisava. “O Caetano me apareceu como um farol, sabe? Eu me senti pescado por aquele anzol. Logo em seguida, quando eu fui para o Rio, ele musicou uma canção minha. Existe muita contemplação e admiração, por ele ser tão talentoso e um homem tão simples. Era importantíssimo estar no filme”, explica.

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Além de Caetano Veloso, Orlando também divide cena com a filha Antônia Morais, que, desde pequena, já entendia a mágica que acontecia em um estúdio de gravação. “A Antônia é um presente de Deus para mim. Eu sempre a convidei para cantar comigo. Eu adoro a maneira que ela canta e pensa na música”, diz Orlando repleto de orgulho. No documentário, Antônia solta a voz na canção “Sertão”. Para ela, a experiência de poder participar tão a fundo desse projeto foi muito além de apenas dividir cena com o pai. Foi poder contar para o mundo essa história de convivência e entendimento do outro. “Eu achei bem significativo a gente estar junto em um projeto que tem uma mensagem muito linda, que fala do respeito, das diferenças. É uma mensagem pertinente para o mundo inteiro. Acabei entrando nesse projeto e foi um grande presente. Eu sou realmente uma extensão dele”, afirma Antônia.

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Devido aos imprevistos, como Orlando ficar doente com pneumonia, e o falecimento de um grande amigo do cantor, a jovem, apaixonada pelo projeto, não viu outro jeito a não ser apoiar o pai em todos os sentidos, de modo que, como assistente de direção e produção ao lado do namorado e ator Wagner Santisteban foi uma das responsáveis pela conclusão do filme. “Eu perdi alguns fios de cabelo, muitas horas de sono. Eram pessoas com culturas e desejos muito diferentes, então orquestrar tudo aquilo com o nosso cronograma foi um desafio. Eu tinha o Wagner do meu lado que ajudou muito. A experiência foi muito enriquecedora”, relembra a cantora que se prepara para lançar o seu segundo disco autoral intitulado de “LUZIA” e que traz uma outra face mais madura da artista.

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Assim como Antônia Morais e Orlando Morais, a equipe do longa-metragem “Pacarrete” (Alan Deberton) também marcou presença no tapete vermelho para celebrar a trajetória e o encontro de uma artista: a bailarina de nome homônimo que vive no Ceará e precisa lidar com a relação do espectador com o fato de que artistas envelhecem quando decide fazer uma apresentação especial. “Eu estou muito feliz de estar aqui em Gramado mostrando esse filme, principalmente porque eu acho que é um filme que retrata a história de uma pessoa que de fato existiu. Ele é um filme que traz a memória e o afeto do diretor que de fato conheceu a verdadeira Pacarrete”, conta João Miguel, o coadjuvante na trama. O ator ainda completou dizendo durante a passagem no tapete vermelho que esse é um momento de celebrar e contar as histórias não só das artistas mulheres brasileiras como também de figuras comuns.

Ganhadora do Urso de Berlim pelo seu papel em “Hora da Estrela” (Suzana Amaral) no ano de 1985, a atriz Marcélia Cartaxo foi a escolhida para viver essa artista incomum. Como Pacarrete, o público vai poder ver a atriz dar vida não só à excentricidade da personagem como também ao talento de ficar na ponta dos pés. “Ela é uma artista muito excêntrica, muito cheia de energia para poder lutar pela cultura, pelo ideal dela de ser bailarina. Foi muito esforço me preparar para viver ela, mas valeu a pena”, conta a atriz que também se prepara a direção em um projeto de longa-metragem. “Estamos atrás dos editais. Tem que ter as políticas culturais porque a gente movimenta um mercado muito grande no cinema e isso tem que ser reconhecido. É a nossa luta e nossa resistência”, declara.

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A luta pelos direitos culturais não ficou apenas em palavras. Acompanhados de toda a equipe, Marcélia e João Miguel levantaram cartazes com dizeres incômodos ao momento atual do Brasil. “Nós queremos dizer que estamos resistindo, que a cultura vai resistir e que o artista vai ser resistente no seu trabalho e luta diária”, afirma Marcélia. E como resistiram! Após sessão de exibição, a equipe foi ovacionada na escadaria do Palácio não só pela manifestação como também pela beleza de obra exibida na noite de ontem.

Com tantas emoções, a quinta noite também contou com a exibição do longa-metragem infantil “Detetives do Prédio Azul 2” (Vivianne Jundi) e do costa riquense “El despertar de las hormigas” (Antonella Sudasassi). Já os curtas-metragens ficaram por conta do brasileiro “Um tempo só” (Lane Alves) e do “Teoria sobre um planeta estranho” (Marco Antônio). Hoje, nesta quarta-feira, o Palácio dos Festivais já se prepara para receber nomes como Andrea Beltrão e Maurício de Sousa.