“O abuso ainda é a realidade de muitas mulheres. Precisamos do feminismo para empoderá-las”, diz Day Mesquita


A protagonista de “Amor Sem Igual”, na Record, que está com as gravações suspensas por conta da pandemia do novo coronavírus, fala a respeito do período, e também sobre abuso sexual, assunto que ganhou destaque na trama, e tem feito a atriz receber depoimentos de várias mulheres através da internet. “O machismo é a origem do mal que tem essa violência como consequência e está enraizado na sociedade. A mulher é dona de si, do seu corpo e da sua vontade. Ou ela quer ou não quer, isso deve ser respeitado. As informações precisam ser cada vez mais disseminadas. As mulheres devem poder identificar de cara as relações abusivas, e precisam de amparo para sair delas. O abuso acontece inclusive com mulheres casadas. Talvez elas me procurem para falar, porque a novela as ajudou a denunciar. Se sentem acolhidas. Já eu, tento indicar caminhos, apoio”, pontua a atriz

*Por Brunna Condini

Em isolamento social, desde que as gravações de “Amor Sem Igual”, da Record, foram interrompidas há três meses, Day Mesquita, que vive a prostituta Poderosa no folhetim, acha fundamental que cada vez mais, se traga para a roda de discussão, um dos temas em destaque na trama: o abuso sexual. “Venho recebendo desde o início deste trabalho, muitas mensagens de meninas e mulheres que sofreram abuso. Acho que elas se identificam, se sentem seguras para falar, porque isso aconteceu na ficção com a minha personagem e com a Maria Antônia, vivida pela Michelle Batista”, aponta Day. “Na história, a Poderosa e a Maria Antônia têm rivalidades por conta do Miguel (Rafael Sardão). Mas, a partir do momento que elas compartilharam entre si o que passaram, por uma questão se sororidade, solidariedade, irmandade feminina mesmo, elas se apoiam. Nós, mulheres, crescemos e nos fortalecemos quando nos apoiamos e temos feito isso cada vez mais”

Ela conta que na preparação, gravando um clipe para a novela, conversou com algumas garotas de programa, e que o tema “abuso” era o mais presente. “Foi unânime: todas abusadas quando crianças. É uma realidade que muitas mulheres no país ainda passam. Acho que temos que falar cada vez mais sobre isso. Não tenho embasamento profissional para orientar essas mulheres que dividem sua experiência comigo, mas procuro direcioná-las para órgãos que dão esse atendimento. Têm lugares para denunciar e procurar por suporte é fundamental para que tenham esse alicerce para se fortalecerem”.

“Nós, mulheres, crescemos e nos fortalecemos quando nos apoiamos e temos feito isso cada vez mais” (Foto: Adri Lima)

Segundo dados recentes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desde que a quarentena começou, as denúncias de violência doméstica cresceram 50% no estado. A tensão do isolamento, o excesso de convivência e o fato da mulher estar distante de parentes e amigos, contribui para a piora do quadro. “Muitas mulheres têm medo, dificuldade de denunciar o que passam, mesmo hoje, com o acesso maior a algum tipo de apoio”, analisa a atriz. “Mas é importante que elas saibam que têm lugares seguros para isso. O número 180 recebe ligações de denúncias de violência contra a mulher. E têm empresas se engajando também. O Magazine Luiza, por exemplo, criou aquele dispositivo no aplicativo deles, que incentiva a denúncia dos casos de abuso, tanto pelas mulheres, quanto por terceiros. Tem também as meninas do coletivo Tamos Juntas, que prestam assistência jurídica gratuita, apoio psicológico. Isso é de grande ajuda. É incrível, mas a proporção que isso acontece ainda é muito grande, precisamos mesmo é transformar a raiz de tudo”.

“O machismo é a origem do mal que tem essa violência como consequência, e está enraizado na sociedade” (Foto: Adri Lima)

Para a paranaense de Telêmaco Borba, a “raiz” deste mal é o machismo. “Ele é a origem do mal que tem essa violência como consequência e está enraizado na sociedade. O feminismo ajuda a mulher a perceber que está sendo abusada. Precisamos do exercício do feminismo para empoderar as mulheres. O feminismo é a luta por igualdade, respeito. A mulher é dona de si, do seu corpo e da sua vontade. Ou ela quer ou não quer, isso deve ser respeitado”, salienta. “As informações precisam ser cada vez mais disseminadas. As mulheres devem poder identificar de cara as relações abusivas, e precisam de amparo para sair delas. O abuso acontece inclusive com mulheres casadas. A mulher tem que fazer o que quiser, o corpo é nosso. Nunca passei por abuso, mas talvez as mulheres me procurem para falar porque a novela, através do discurso, as ajudou a denunciar, se sentem acolhidas. Já eu, tento indicar caminhos, apoio. A mulher não tem que agradar ninguém, a não ser a si mesma. Não precisa aceitar a violência”.

Nada será como antes

Vivendo sua segunda protagonista – a primeira foi a Eliana, em “Vende-se um Véu de Noiva”, remake de Janete Clair, no SBT – Day já esteve na pele de outra personagem que despertou o julgamento social, e um machismo, digamos, histórico, a Maria Madalena da trama bíblica “Jesus” (2019). “Eu admirava a história da Maria Madalena por tudo o que representou, e pude me aprofundar. Ela foi uma força feminina imensa e esteve ao lado do homem que mudou a história da humanidade. Falou de amor, compaixão, respeito, empatia, de não julgar. Tudo que ainda precisamos hoje”, observa a atriz, que ainda não sabe quando voltará a gravar “Amor Sem Igual”. “Estão verificando os protocolos com cuidado, como deve ser. Eu estou vivendo um dia por vez e com saudade dos sets”.

“Não sei quando a novela volta, estão verificando os protocolos com cuidado, como deve ser. Eu estou vivendo um dia por vez e com saudade dos sets” (Foto: Adri Lima)

Namorando o ator e produtor Pedro Says, Day revela que apesar de se conhecerem há muito tempo, estão juntos há oito meses. E agora, de forma intensa, já que estão passando a quarentena debaixo do mesmo teto. Que tal ir de um namoro para a convivência diária? “A gente já ficava muito um na casa do outro. Na semana antes da pausa, decidimos ficar juntos esse tempo. Está sendo bom, acreditamos no respeito ao espaço do outro. Passei um tempo sem me relacionar, uma relação tem que ser construtiva como a que estou tendo”.

Day e Pedro: “Acreditamos no respeito ao espaço do outro. Passei um tempo sem me relacionar, uma relação tem que ser construtiva como a que estou tendo” (Foto: Adri Lima)

Apesar de estar assustada com os desdobramentos da pandemia e aprender a lidar diariamente com a ansiedade do momento, ela reconhece que está buscando aproveitar a pausa. “É um momento terrível, cheio de incertezas em relação ao futuro. Mas como há três anos não parava, estou descobrindo outros caminhos, e sei que isso é um privilégio, por isso, tento fazer o que posso de melhor neste período. Tenho aproveitado para ganhar mais conhecimento, também feito yoga e meditação, tentando algo de positivo no meio de tanta tristeza”,

Day tem se mostrado preocupada em conscientizar seus seguidores nas redes sociais para que cada um faça a sua parte, mesmo que dentro de seu microuniverso, para auxiliar quem está mais vulnerável no cenário atual. “Tenho me envolvido em algumas ações para arrecadar doações, como a do FilmaRio+@342artes, para ajudar pessoas da área. E também, apoio a do Grupo Tapa, que precisa de ajuda para não fechar as portas. Além disso, continuo dando preferência a microempresários, produtores locais, essas pessoas estão sofrendo bem com essa situação. Também me coloquei a disposição para divulgar pequenos negócios através das minhas redes”.

“Quero acreditar que depois disso tudo, virá algo bom. Mas a desigualdade vem se estendendo” (Foto: Adri Lima)

A atriz diz que costuma apostar na esperança quando pensa na atual realidade, embora seja difícil manter essa posição nos dias que passam. “Me sinto cansada, como todos os brasileiros. Estamos lidando com uma coisa, um vírus, que está tirando a vida de muitos, e não vemos segurança em como tudo tem sido conduzido por algumas autoridades. Claro que tem o fator econômico, mas tem o humano, pessoas estão morrendo e as vidas são as coisas mais importantes”, desabafa. “Quero acreditar que depois disso tudo, virá algo bom. Mas a desigualdade vem se estendendo, não sabemos o que vai acontecer pós pandemia. Espero que traga mais empatia e transformações positivas para o nosso país e o mundo”.