“Nunca me senti tão bem na minha própria pele”, afirma Simone Spoladore


Aos 40 anos, atriz mora em Londres com o namorado, o escritor suíço Vanni Bianconi, e vive uma boa fase pessoal e profissional, mas confessa que não é fácil acompanhar o Brasil de longe em tempos de pandemia. “É, de fato, muito preocupante. Imaginar a família, os amigos e o povo brasileiro passando por tudo isso dilacera o coração”, afirma

*Por Simone Gondim

Em mais de duas décadas de carreira, Simone Spoladore aprendeu a não ter medo. Com a autoconfiança que a maturidade e alguns anos de análise trouxeram, ela decidiu fazer de Londres sua casa e voltar ao Brasil sempre que recebe um convite para trabalhar. Foi na capital inglesa, aliás, que a atriz encontrou o amor: há dois anos, mora com o namorado, o escritor suíço Vanni Bianconi, no bairro de Shoreditch. “Em nenhum momento planejei morar em outro país, simplesmente aconteceu. Na realidade, penso que moro nos dois países ao mesmo tempo. Algo como ter duas vidas”, afirma. “Nunca me senti tão bem na minha própria pele”, acrescenta.

Depois de viver a tímida Clotilde no remake de “Éramos seis”, novela que marcou sua volta à TV Globo após 13 anos, Simone estará no cinema. O longa-metragem “Aos pedaços”, de Ruy Guerra, é uma das atrações do Festival de Gramado, que vai de 18 a 26 de setembro. Por conta da pandemia causada pelo novo coronavírus, o evento acontecerá de maneira inédita – em vez de presencial, será um híbrido entre televisão e internet, com transmissão pelo Canal Brasil. “É triste não poder ir para Gramado, mostrar o filme e encontrar as pessoas. Por outro lado, é bom que um filme como o do Ruy possa ser visto na TV”, observa a atriz.

“Em nenhum momento planejei morar em outro país, simplesmente aconteceu”, diz Simone Spoladore (Foto: Moa)

Na trama, Simone é Ana, uma mulher sensível que não sabe que o marido, Eurico, interpretado por Emílio de Melo, é bígamo, mas intui que ele lhe esconde algo. “Para mim, a Ana é um personagem abstrato, não conseguiria descrevê-la psicologicamente. Não sei nem se ela realmente existe ou é uma criação da mente de Eurico. Se ela existir, tem a capacidade de viver no mundo das imagens, como Eurico. Se não existir, é apenas um conjunto de imagens da mente dele”, explica. “Acho que eu, como ela, tenho a capacidade de habitar dentro da minha mente e de me deixar levar pela mente dos outros”, define.

Trabalhar com Ruy Guerra foi uma experiência incrível. “Cada momento no set de filmagem era uma busca por algo desconhecido. Um dia, ele disse que queria me deixar muito desconfortável em cena. Eu tinha um ponto para começar a cena e um ponto para terminar. Entre esses limites, eu podia inventar o que quisesse com meu corpo, minha emoção e minha voz. Então, ali, naquele sofá, eu me entreguei para um mergulho num mar cheio de tubarões”, recorda.

“Estou amando conversar comigo mesma”, garante Simone (Foto: Moa)

Ainda no cinema, Simone dá vida a Lóri em “O livro dos prazeres”, inspirado na obra de Clarice Lispector, “Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres”. Ao conhecer Ulisses (Javier Drolas), a personagem passa por uma transformação profunda. “A Lóri empreende uma viagem dentro de si mesma para aprender a vivenciar a própria dor e então descobrir o prazer. Só perdendo o medo do próprio silêncio e da solidão ela vai poder se encontrar consigo mesma e, verdadeiramente, amar outra pessoa. Interpretar a Lóri foi como uma conversa comigo mesma”, diz a atriz.

Aos 40 anos, Simone admite seguir os passos de Lóri. “Estou amando conversar comigo mesma e acho que estou no caminho da Lóri. Em algumas coisas, antecipei a Lóri em mim. Em outras, ainda estou em busca da Lóri aqui dentro”, revela.

De uns tempos para cá, Simone também se dedica a explorar o universo por trás das câmeras. Há cerca de cinco anos, ela passou uma temporada em Cuba, tendo aulas de roteiro com Francisco Lopez Sacha, professor da prestigiada escola de San Antonio de Los Baños. “Fiquei hospedada na casa dele, que batia no meu quarto com a xícara de café na mão. A gente estudava a manhã inteira e via filmes à noite”, lembra.

Simone Spoladore viveu a recatada Clotilde, em “Éramos seis” (Foto: Anderson Borde/ AGNews)

A atriz vem escrevendo roteiros de curta-metragem. Em 2016, filmou “Chá da Alice”, adaptação surrealista da obra de Lewis Carroll que trata de questões femininas. “Ainda não consegui finalizar o filme. Falta o som e a correção de cor. O curta é a cena do chá da Alice, somente essa cena. E eu diria que é sobre um feminino que precisa despertar de um sono profundo”, descreve.

O isolamento social imposto pela Covid-19 atrapalhou o lado autoral de Simone. “Exatamente um dia antes, filmamos a primeira diária do meu segundo curta-metragem, chamado “Laura e os cães”. O trabalho teve que ser interrompido. Decidimos que, quando voltarmos a filmar, vamos finalizar este e filmar mais um. Acho que essa projeção foi uma maneira de evitarmos a frustração”, pondera.

Por falar em coronavírus, a atriz confessa que não é fácil acompanhar o Brasil de longe em tempos de pandemia. “É, de fato, muito preocupante. Imaginar a família, os amigos e o povo brasileiro passando por tudo isso dilacera o coração”, lamenta. Em relação à quarentena, ela procurou levar da melhor forma possível, na companhia de Vanni e da enteada, Loren. “Nosso tempo em casa foi muito bom, estudamos juntos a história do mundo. Saímos, às vezes, para caminhar nos parques e nos arredores. Escrevi e fiquei bastante tempo em silêncio. Tento não ficar projetando o futuro, já que tudo está tão incerto”, conta.