Num ano de eleição, Caio Blat estreia como diretor em filme que debate e critica a polarização política no país


“O Debate”, marca estreia de Caio Blat como diretor cinematográfico. Em meio a um cenário fortemente polarizado, longa traz os desafios de um casal de jornalistas que precisa preparar-se para um debate do segundo turno de uma eleição. Caio diz que a grande missãoé fazer com que o espectador comece o filme “torcendo pelo casal e termine torcendo pelo país”. Paralelamente à estreia do projeto cinematográfico, o ator está presente em “Mar do Sertão”, novela das 18h da Globo e reestreando, no Globoplay a primeira novela que protagonizou na TV dos Marinho

*Por Vítor Antunes

No dia 25 de agosto estreia o filme “O debate”. Produzido, gravado e editado em tempo recorde – estima-se que tenha começado suas gravações em junho -, o longa aborda a vida de dois jornalistas, Paula e Marcos, vividos, respectivamente, por Débora Bloch e Paulo Betti. Ele, o editor chefe de um jornal. Ela, âncora. Ambos têm visões de mundo diferentes e caberá a eles a realização dos debates do segundo turno das eleições de 2022 – Sim, do ano corrente. O filme, escrito por Guel Arraes e Jorge Furtado devassa a vida íntima do casal, discutindo a vida conjugal de ambos, que têm visões políticas distintas, e se propõe, também, a ser profundamente factual, trazendo à cena a polarização existente no Brasil de Lula (PT) e Bolsonaro (PR), discutindo a  radicalização até as últimas consequências que ganhou a cena política brasileira. Em paralelo, Blat vive um especial momento na carreira. Na mesma semana em que o longa vai aos cinemas, o ator estreia “Mar do Sertão”, na Globo, e revê seu primeiro papel protagônico na teledramaturgia, como o anjo Rafael, em “Um Anjo Caiu do Céu”.

Paulo Betti, Debora Bloch e Caio Blat. As estrelas de “O debate” (Foto: Ricardo Brajterman)

“O DEBATE”: ALTA VOLTAGEM DE POLÍTICA EM PAÍS DIVIDIDO ASSIM COMO CASAL

O filme não se dispõe ser ficcional, muito pelo contrário. Caio Blat, argumenta que o filme no qual marca a sua estreia como diretor nasce da necessidade de retratar a contemporaneidade de um Brasil profundamente dividido politicamente e ainda vivendo os reflexos de um quase apocalipse pós-pandêmico. Para tanto, os autores – Guel Arraes e Jorge Furtado – ajustavam o roteiro de acordo com os acontecimentos do noticiário e Blat fez questão que a locação do filme acontecesse na redação de uma TV real, com toda a movimentação pertinente ao espaço verdadeiro. Ele diz: “Achei que seria um desafio delicioso, um exercício de direção viver uma experiência meio jornalística de ver as coisas que estavam acontecendo. Propus ao máximo que o filme fosse rodado numa redação de jornal verdadeira. Havia uma TV que transmitia sua programação enquanto estávamos lá gravando com câmera na mão. É um desafio”, destaca.

Além disto, embora haja uma forte coloratura política na obra, Caio não esquece que os protagonistas são um casal, que assim como a política brasileira, já respirou tempos de maiores afetos: “O filme tenta trazer algo que tenha a ver com o casal, contar a história de cada um. Fui criando dentro do diálogo, as memórias, flashbacks, imagens [lúdicas] dos dois, como a do gatinho que eles adotaram, a árvore que eles plantaram, a camisa que o Marcos (Paulo Betti) ganhou de presente da Paula (Debora Bloch)”.

A gente vai tendo lapsos sobre a história do casal, começamos a torcer e quando a gente vê está torcendo pelo país – Caio Blat

Perguntamos ao ator o que o motivou a, efetivamente, migar para trás das câmeras, nesta função relativamente nova. Antes do longa, ele já havia dirigido alguns clipes musicais assim como um especial da Globo – “Amor e Sorte” junto à sua esposa, a atriz Luísa Arraes. Disse-nos ele que já estava “doido para dirigir. Havia feito um especial na Globo e quando veio esse convite eu fiquei excitadíssimo. Trata-se de um desafio, um filme de urgência diante do tema, e de guerrilha, diante do baixo orçamento e do prazo super apertado”. E ele prossegue, apresentando que o filme só “existe por que Jorge [Furtado] e eu estávamos em casa impedidos de fazer teatro e cinema e com os estúdios fechados, ao passo em que estávamos acompanhando o trabalho dos jornalistas, profissionais dos quais dependíamos para saber o que estava acontecendo no que dizia respeito à pandemia, algo que deveria ser uma obrigação do Governo, que, por sua vez, entrou num estado negacionista, calamitoso, perigosíssimo, negando a ciência e a realidade”.

Débora Bloch e Paulo Betti em cena em “O Debate”. Primeiro filme de Caio Blat como diretor (Foto: Reprodução/YouTube)

Este filme existe em razão de as pessoas acharem que ele era urgente, necessário. Trata-se de um momento em que nós, artistas, podemos estar participando do debate do país e refletindo sobre o que acontece, e participando desse processo – Caio Blat

Blat continua sua análise dizendo: “Quando começamos a pensar o filme, ele já tinha data de estreia marcada e já sabíamos que seria lançado durante a campanha eleitoral. É um grande privilégio poder usar nossa arte para isso”. Com efeito, o filme será lançado na semana em que é iniciada a propaganda eleitoral na TV e quando os presidenciáveis estarão debatendo, junto com os âncoras do jornal mais visto do Brasil, o Jornal Nacional. Cenário profundamente aquecido na esfera política.

O diretor do longa-metragem ressalta a importância do jornalismo em um momento de grande dissensão narrativa diante dos problemas inerentes da crise do coronavirus: “A análise que o filme faz sobre o jornais passa pela responsabilidade, e também os perigos, do jornalismo. Sabemos todos que o jornalismo incentivou, em muitas vezes, as denúncias de corrupção que talvez tenham fomentado o discurso que a política não tem mais salvação e de que todo mundo é corrupto”.

Embora o longa tenha também uma abordagem crítica ao jornalismo, remetendo ao debate eleitoral de 1989, sabidamente editado, mas não se detém a esta ótica: “Óbvio que o nosso filme lembra a edição do debate presidencial da eleição de 89, mas analisa, também, e em vários momentos, a função da ética jornalística. E o filme acaba por fazer um grande elogio ao jornalismo ético, comprometido com a verdade, com a verificação dos fatos e que ouve todos os lados”, observa. Para além disto, elege o personagem de Paulo Betti como “fundamental, enquanto mediador, pois pensa em todos os espectadores, os assinantes, os aspectos das notícias e no ouvir todos os lados do fato. Em um país de fake news, onde o debate saiu do campo da verdade e da racionalidade e virou um campo de agressões baseadas em fake news, a defesa da verdade e do bom jornalismo é a defesa da democracia”.

Paulo Betti e Débora Bloch vivem um casal de jornalistas em crise conjugal em “O Debate” (Foto: Ricardo Brajterman)

Diante de um longa que se pauta na polarização política, perguntamos a Caio se ele vê algo de positivo nesta segmentação no espectro político no país. Ele nega: “Este contexto tirou a capacidade de diálogo. Nosso filme propõe, além da tomada de algum lado, a a retomada de um diálogo racional, respeitoso e afetuoso. Só o afeto pode permitir a reconquista do diálogo”.

Creio que uma das coisas mais importantes na democracia é a alternância do poder, que pode ser ora mais social, ora mais liberal, com um partido fiscalizando o outro. Quando algo sai do campo democrático não há mais debate e este passa a ser uma utopia – Caio Blat

O realizador acha, sobretudo, que este é um momento oportuno para seu longa, haja vista que outros artistas de sua geração, como Wagner Moura e Lázaro Ramos, também estrearam filme fortemente vinculados à política. Segundo ele, trata-se de uma “resposta à realidade política atual”. Diante da importância do tema, Caio explica a razão de haver escolhido Paulo Betti e Debora Bloch como protagonistas: “Os atores são super engajados, têm maturidade política e entenderam o projeto. Betti queria fazer este papel desde quando o projeto ainda era uma peça teatral. Ambos entenderam a importância e a urgência do tema, já que também são diretores teatrais. Jorge Furtado, Débora Bloch e Guel Arraes haverem confiado num diretor estreante foi um privilegio”, frisa.

“MAR DO SERTÃO” E “UM ANJO CAIU DO CÉU”: VINTE ANOS DEPOIS, UM MUNDO MUITO DIFERENTE  

Dois anos depois de sua última novela, a malfadada “O Sétimo Guardião”, Blat retorna aos folhetins globais no atual cartaz das seis, “Mar do Sertão”, recém estreado. Neste, Caio vive Pajeú, jagunço de Vespertino – personagem de Thardelly Lima – que é um agiota. O personagem de Caio margeia com a vilania, embora seja fortemente ligado à religiosidade em razão de ser devoto de Padre Cícero (1844-1934). Muito diferente daquele seu primeiro personagem na Globo, o anjo Rafael da novela de Antônio Calmon, de 21 anos atrás.

Caio Blat vive Pajeú em “Mar do Sertão” (Foto: Divulgação TV Globo/João Cotta)

O mundo era outro em 2001, ano em que estreou “Um Anjo Caiu do Céu”. A internet de banda larga ainda engatinhava, a fotografia ainda era revelada em papel, um personagem fingir-se de gay afeminado não era problematizado. Vinte e um anos depois, a novela de Antônio Calmon volta ao ar, no streaming, como parte do projeto de resgate de novelas da plataforma global.

O cerne da trama se pauta na quase morte do fotógrafo João Medeiros, vivido por Tarcísio Meira (1935-2021), que após fotografar por acaso um líder neonazista, é vítima de uma emboscada que quase lhe custa a vida. Medeiros ganha dos céus a chance de ter uma nova vida, ao ser acompanhado de perto por seu anjo da guarda, Rafael (Caio Blat).

Sobre a novela, o intérprete de Rafael diz ter sido “Muito emocionante poder interpretá-lo. Eu adorava o filme ‘Asas do Desejo‘, que fala sobre isso, sobre a divindade e a humanidade; sobre os anjos terem inveja dos humanos, das emoções humanas. Então, sempre foi um tema importantíssimo e fortíssimo, o divino e o mistério. E eu sou uma pessoa muito espiritualizada nesse sentido. Eu acredito muito em anjos. Então, para mim, foi um personagem muito especial”, destaca.

Caio Blat foi o anjo Rafael, de “Um Anjo caiu do Céu” (Foto: Acervo/Globo)

A novela também ousou ao trazer Supla vivendo um personagem como ator e a apresentadora Angélica retornado à atuação. Ambos se encontraram no filme “Uma Escola Atrapalhada”, de 1990, grande sucesso dos cinemas naquele ano. Esta aliás não foi a primeira experiência da esposa de Luciano Huck na teledramaturgia. A loura havia encarnado a fada Bela, entre 1996 e 1998, na novelinha “Caça Talentos“, e também viveu Ceci do clássico “O Guarani”, na Manchete, em 1991.

O núcleo neonazi, embora tratado com sutileza, tinha fundamental importância na história, pois era o motivador da narrativa da trama. Talvez a escolha da abordagem a este tema no horário das 19h gerasse alguma polêmica nos tempos atuais, assim como o fato do personagem vivido por Cássio Gabus Mendes, Paulinho, um estilista frustrado, que para ter reconhecimento de seu trabalho passa a fingir ser Selmo de Windsor, profissional do mesmo ramo. Todavia, Selmo era gay, a contrário de Paulinho, que não apenas é hétero como se apaixona por Virgínia (Deborah Evelyn).

Cassio Gabus Mendes vivia Paulinho, personagem que se passava por gay para ter seu talento reconhecido (Foto: Cristiana Isidoro/Divulgação TV Globo)

Possíveis polêmicas à parte, a novela de Antônio Calmon fez grande sucesso à época de sua exibição. Especialmente por revelar o talento de Caio Blat ao viver o simpático e atrapalhado querubim protetor de João Medeiros. Diante da característica infanto-juvenil da obra, o protagonista acredita que ela possa seduzir novos públicos, dentre os quais, seu filho, Bento:

É um trabalho que foi muito, muito especial na minha vida, e que eu sempre tive saudade de rever e vontade de mostrar para os meus filhos. Meu caçula agora está com 12 anos e vai ser muito especial poder mostrar pra ele”

Caio Blat e Tarcísio Meira: Maturidade e juventude que deram liga em sucesso de 2001 (Foto: Divulgação TV Globo/Cristiana Isidoro)

Para o ator, a mais importante recordação do folhetim foi a viagem que fizera à capital da República Tcheca e o fato de haver dividido quarto com Tarcísio Meira: “Praga, que era uma cidade que eu nunca tinha ouvido falar direito, um dos lugares mais lindos do mundo. Uma mistura da Europa com o Oriente. E o tempo que a gente passou lá, toda a cultura que eu descobri, as cenas que a gente gravou…. Foi tudo incrível. Um dos momentos marcantes dessa novela foram essas viagens e imagens que a gente fez nos primeiros capítulos com o Rafael salvando a vida do personagem do Tarcísio. Ele e eu criamos uma parceira muito especial. A gente encontrou um tom muito divertido de brincadeira. Um estava sempre provocando o outro e a gente acabou formando uma dupla muita improvável, muito engraçada”, relembra.

Circula pela Internet uma frase atribuída a Fernando Sabino (1923-2004) mas que na verdade é de Mário Quintana (1906-1994). Neste pantanoso terreno das verdades relativas divulgadas na rede, a frase – de Quintana – é pontual e singular para definir o mergulho de Caio Blat como diretor cinematográfico: “Democracia? É dar, a todos, o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um”.