Nudez, sexo e cafetinas. Tieta está de volta e Globo precisa lidar com polêmicas da trama exibindo a novela às 17h


Muita coisa mudou de lá para cá, e há muitas situações retratadas na novela que são vistas como problemáticas para a sociedade moderna. A grande dúvida é saber como o público vai lidar com os assuntos espinhosos que a trama traz. Além disso, resta outra questão: ainda que esses temas devam estar nas novelas, e seja importante que estejam, o que fará a Globo para retratar esses assuntos e ajustá-los para que possam ser exibidos tranquilamente às 17h, sem prejuízo da trama?

*por Rodrigo Otávio

A volta da cabrita! No início de dezembro, como forma de celebrar os 60 anos da Globo e na tentativa de manter os índices fenomenais de audiência de Alma Gêmea, Tieta foi escolhida para suceder a índia Serena (Priscila Fantin). Tieta, sem dúvida, será a novela mais antiga a voltar ao Vale a Pena Ver de Novo. A reprise de tramas com mais de 15 anos sempre foi evitada, e uma das que chegou mais perto disso foi Deus nos Acuda, exibida originalmente em 1992 e reprisada em 2005. Até então, considerando as re-reprises, a novela mais antiga a estar no Vale a Pena era Por Amor, cuja reexibição aconteceu quase 21 anos após a exibição original. No caso de Tieta, são 35 anos — e 30 desde a última exibição em TV aberta, em 1994. Muita coisa mudou de lá para cá, e há muitas situações retratadas na novela que são vistas como problemáticas para a sociedade moderna. A grande dúvida é saber como o público vai lidar com os assuntos espinhosos que a trama traz. Além disso, resta outra questão: ainda que esses temas devam estar nas novelas, e seja importante que estejam, o que fará a Globo para retratar esses assuntos e ajustá-los para que possam ser exibidos tranquilamente às 17h, sem prejuízo da trama? Veja alguns exemplos:

  • Como a edição vai lidar com cenas picantes entre as personagens Tieta (Betty Faria) e Ricardo (Cássio Gabus Mendes), que são tia e sobrinho?
  • Como serão tratadas as cenas de Artur da Tapitanga (Ary Fontoura)? O Coronel da Tapitanga mantinha meninas menores de idade, as “rolinhas”. Entre elas, Imaculada (Luciana Braga), que era virgem e não queria se envolver nem perder a virgindade com Artur, diferentemente das outras meninas, que também estavam em situação de vulnerabilidade social e que se submetiam a ele.
  • O público vai acolher o trisal composto por Laura, Silvana e Dário — respectivamente Cláudia Magno (1957-1993), Claudia Alencar e Flávio Galvão?
  • Como será tratada a referência ao “grande talento” de Osnar (José Mayer), que está citado em todo capítulo, e ao pênis do marido de Perpétua (Joana Fomm), supostamente guardado numa caixa?
  • Como será abordada a exploração sexual de mulheres na Casa da Luz Vermelha, liderada por Zuleica Cinderela (Maria Helena Dias [1924-2023])? E a própria Tieta, que seria dona de um prostíbulo em São Paulo, onde tem entre suas meninas Leonora (Lídia Brondi)?
  • A nudez de Isadora Ribeiro na abertura da novela — que já foi centro de uma grande polêmica em 1994, durante a primeira reprise no Vale a Pena Ver de Novo, pode voltar. Na época, a Globo usou os créditos para tentar diminuir a exposição da nudez da então modelo na abertura da trama.
Deformadas, refeitas ou "no jeitinho". Veja 6 Aberturas de novelas precisaram ser ajustadas para reprise (Foto: Reprodução)

A nudez de Isadora Ribeiro precisou ser ajustada para a reprise de 1994 (Foto: Reprodução)

Naturalmente, rever Tieta no Vale a Pena Ver de Novo é uma oportunidade para o telespectador assistir a uma novela bem escrita, sem o compromisso do merchandising social, e que privilegia apenas a trama e a vida dos personagens. Hoje, toda novela parece querer apresentar uma fórmula, e estas nem sempre estão funcionando, já que o desinteresse pelas tramas inéditas cresce, enquanto a audiência para as reprises é escandalosamente alto, como o caso de “Alma Gêmea“. Há 35 anos a TV parecia  muito mais progressista que a atual, tanto que a discussão de hoje é como será reexibido um tema que anteriormente foi levado sem muito alarde ao ar. Fora isso, no já longínquo 1989, Tieta e Ricardo numa cena, debatem sobre homossexualidade e liberdade de gênero de modo que a cena e o tom dela são muito atuais. É esperar para saber como vai ser solucionado esse misteeeeeerio.

O QUE OS ATORES FALAM DE TIETA?

Em entrevista para o Site Heloisa Tolipan, Betty Faria disse que por anos foi cobrada a se manter com a beleza de Tieta, a despeito da passagem do tempo. “Acho que as pessoas querem ver as artistas sempre bonitas, e no meu caso, quando isso ocorreu, acho que queriam ver a Tieta para sempre, a gostosona. Eu não sou mais gostosona, sou uma senhorinha animada”, diverte-se.

Leia aqui a reportagem na íntegra: Betty Faria: “Mulheres da minha geração passaram por situações muito difíceis. O assédio era constante”

Em depoimento exclusivo, Arlete Salles se disse “super feliz, muito contente mesmo com a volta da Tieta, com essa novela sendo reprisada numa TV aberta. Uma novela maravilhosa, que fez muito sucesso, uma novela bonita e eu tenho uma lembrança muito grata, muito querida. Carmosina me permitiu usar o meu sotaque, me trouxe de volta para o meu lugar, para o Nordeste, num personagem bonito. Como todo ser humano, ela também tinha defeitos, por abrir a correspondência das pessoas, o que é crime. Mas, de resto, era uma pessoa bonita, , uma solteirona que lá para as tantas encontrou o amor, através do Gladstone (Paulo José)”.

Paulo Betti, que viveu o Timóteo, também tem grande expectativa. “É uma novela que fez muito sucesso, talvez seja a novela que tenha tido mais público na história. Isso é muito positivo, eu fico muito feliz e estou muito curioso em vê-la no Vale a Pena Ver de Novo. Talvez a novela tenha envelhecido em alguns temas, sim, mas a gente precisa relativizar, colocar na perspectiva da época da novela”.

O incontestável sucesso da novela alçou Luciana Braga ao status de estrela, a ponto de haver sido premiada como Atriz Revelação do ano, por conta de Maria Imaculada, menina pobre e virgem que nega submeter sua pureza ao corruptor de menores Artur da Tapitanga (Ary Fontoura). O escandaloso sucesso, de alguma maneira até mesmo desmedido, chegou à atriz de uma forma um tanto perturbadora:

Naquela época não podia sair na rua era uma coisa meio perturbadora, à medida em que eu não dimensionava  a grandiosidade do sucesso. Cheguei a temer que aquilo fosse limitar a minha relação com o mundo. O sucesso é maravilhoso, mas assoberbante – Luciana Braga

Luciana Braga em “Tieta”, de 1989. Um sucesso como Imaculada (Foto: Reprodução/TV Globo)

Por outro lado, o que era comum às meninas atrizes daquela época, ocorria a hiperssexualização de seus corpos, de modo que manchetes que traduziam a moça como uma “ninfeta” não eram incomuns. A leitura desse termo, um tanto problematizada nos dias contemporâneos, parecia trazer um particular desconforto à atriz “Eu sempre aparentei ter menos idade. Quando fiz a Imaculada eu tinha 26 anos e era vista como uma adolescente de 15 ou 16 por que esta era a idade da personagem. O que me incomodava era o fato de confundirem a personagem comigo, já que eu queria ser vista como uma mulher da minha idade e não como uma menina. Um gap de 10 anos me separava da Imaculada”.

Braga salienta o prazer que foi gravar a novela protagonizada por Betty Faria e dividir a cena com craques. Dentre os quais destaca a generosidade de Ary Fontoura, com quem compartilhava a maior parte das cenas. Ela diz: “Eu estava chegando na teledramaturgia e a gente sabe que há sempre muita competitividade, especialmente naquela época, e ele abria a cena para mim, para que eu pudesse me expressar”. Luciana atribui um aumento do número de seus seguidores à adição de Tieta no Globoplay. A seu ver, a contundência maior de Imaculada é justamente a sua força: “Ela é uma garota muito forte, que sobrevive através da própria força. Embora sonhe com um príncipe encantado, é uma adolescente que consegue se salvar sozinha. Eu deitei e rolei nesta personagem, que é uma das coisas que mais gostei de fazer em televisão”.

Leia aqui a reportagem na íntegra: Vivendo Judy Garland no teatro, Luciana Braga recebe bênção de Liza Minnelli, e na TV estará em “De volta aos 15”

Há alguns meses fizemos uma matéria sobre novelas nas quais os atores tiveram seus nomes creditados errados. uma delas foi Renata Castro Barbosa, que se divertiu em lembrar que na abertura de “Tieta” ela virou… homem! “Tive muitos nomes. E antigamente era dificil mudar o nome na abetura. Além de Renato Castro Barbosa, já fui  Renato – e Renata – Castilho, e por ter nome grande, já editaram sem me consultar, de modo que fui Renata Castro ou Renata Barbosa”.

Leia aqui a reportagem na íntegra: Renata Castro Barbosa sonha fazer vilã, relembra ter sofrido Burnout e ter sido atriz mirim:”Não perdi muita coisa”

Ricardo (Cassio G. Mendes) e Tieta (Betty Faria), na novela que voltará no Vale a Pena Ver de Novo (Foto: Reprodução)

Já Luiza Tomé relembrou a ingênua e sensualíssima Carol. “Carol me mostrou para o Brasil. Através dela o Brasil soube quem era Luiza Tomé. “Tieta” é um sucesso que se eternizou. Tenho muita gratidão a Aguinaldo Silva, um dos autores da trama. Muitos dos maiores personagens que fiz vêm dele”.

O único ator a não ter exatamente boas lembranças de “Tieta” é Bemvindo Siqueira, o Bafo de Bode. No seu canal no YouTube ele relembrou a briga de egos: “Eu estava lá pisando em cobras, escorpiões, serpentes, sem perceber o jogo desesperado de ganância por um lugar ao sol. Todos queriam aproveitar ao máximo a novela, mas eu só queria fazer meu trabalho de ator. No início, Bafo de Bode aparecia para nada, mas transformou-se num sucesso gigantesco, que praticamente tomou a novela”. Ao transformarem Bafo de Bode em um religioso fervoroso, segundo Benvindo, o personagem perdeu o encanto. “Foi a forma que encontraram para acabar com o mito e o ícone que era o Bafo de Bode. Foi a forma de tirar a graça do personagem”.