*por Vítor Antunes
Na última semana, a Globo lançou o Viva Fast – canal misto de streaming e TV aberta – em duas versões: uma dedicada às novelas dos anos 1970, o Viva FAST 70, e outra às novelas dos anos 1980, o Viva FAST 80. Ainda neste ano, o conglomerado de mídia lançará um canal Fast voltado ao público infanto-juvenil – onde exibirá o D.P.A. (Detetives do Prédio Azul) e um no qual será transmitida a soap-opera Malhação. Cogita-se que esta última seja transmitida em suas várias temporadas. A Globo tem investido nos canais Fast – abreviação de Free Ad-Supported Streaming Television, ou “televisão gratuita suportada por anúncios”. Em 2022, ela já havia lançado o Receitas Fast e o GE Fast, no Globoplay, e como TV aberta nos televisores da marca Samsung através da Samsung TV Plus. Agora volta seu olhar para o público nichado, dos noveleiros.
Para o telespectador, trata-se de algo interessante já que os canais Fast são gratuitos – transmitidos através do Globoplay e via internet em televisores conectados à rede. Nos Fast, os capítulos de cada novela são exibidos diariamente e reprisados de três em três horas nesses canais durante todo o dia. Porém, para os artistas, a novidade tem causado algum ruído. Atores que figuram nestas obras não apenas dizem não estar sendo pagos por elas como desconhecem a existência desses canais. Somados, os Fast transmitem sete novelas: O setentista leva ao ar “A Sucessora“, “Locomotivas” e “Dancin’Days“; O dos anos 1980, “Amor com Amor Se Paga“, “Baila Comigo“, “Sassaricando” e “Fera Radical“. O Site Heloisa Tolipan conversou com três atores que estão nestas novelas que são exibidas nos Canais Viva Fast. Todos os três fizeram “Malhação”, e por consquência também serão impactados por sua futura disponibilização na plataforma. São eles Kadu Moliterno (“A Sucessora“), Maitê Proença (“Sassaricando“) e Lucélia Santos (“Locomotivas“). Kadu esteve na temporada de 2003 de “Malhação“, Maitê, na de 2004 e Lucélia na de 2001.
Perguntamos aos atores se era do conhecimento deles não apenas este(s) canal(is) mas se a casa lhes havia procurado para tratar sobre questões relacionadas a direitos conexos e de imagem. Nenhum deles sequer sabia desta nova plataforma. Maitê Proença soube através desta reportagem. “Estou sabendo [desse canal] através de vocês. Nao soube de nada. Ninguem me procurou por enquanto”, disse-nos. Já Moliterno disse que “A Globo não falou nada e acho que nem vai falar. Desconheço totalmente [os canais Fast] e achei que “A Sucessora” estava no Globoplay além da exibição do Viva”. Maitê Proença destaca que não é apenas o Viva Fast que não faz pagamentos. “Nada recebo por todas as reprises do Canal Viva. É de praxe…”, lamenta ela.
Para Lucélia Santos, esse assunto, dos direitos de imagem e conexos parece um “assunto proibido no Brasil. Aqui a democracia ainda não chegou. Óbvio que não entraram em contato comigo, bem como em todas as outras exibidoras por todas as formas em todos os tempos”. E ela destaca uma relação contratual nova que sinaliza que os atores cedem seu trabalho “por tudo que vier a ser descoberto no futuro, no Planeta Terra ou na estratosfera – nos contratos há algo semelhante a isso”.
É urgente discutir isso no Congresso Nacional e regulamentar imediatamente o streaming. Precisamos de leis de Direito Autoral urgentes para atores, atrizes, jornalistas, autores, e roteiristas. Hoje não há nada e o que há atende apenas aos músicos – Lucélia Santos, atriz
Entramos em contato com Victor Drummond, que é professor e advogado, além de presidente da Interartis Brasil, associação de gestão coletiva de atores e atrizes, e ele pontuou que “cada nova modalidade de uso, sobretudo com novos usos vinculados à evolução tecnológica, gera direitos que devem ser pagos aos artistas. Não faz sentido que o benefício econômico da evolução tecnológica somente se atribua às empresas e não aos criadores das obras. Não reconhecer os direitos dos artistas pelo uso de novas tecnologias é colocá-los numa posição diferente das empresas, ou seja, enquanto elas são legitimadas a auferir lucros infindáveis, os artistas se submetem a ceder todos os seus direitos. Isso é profundamente injusto. E não se pode esquecer que as cláusulas de direitos dos contratos não são negociadas”.
Desta forma, Drummond dialoga com a fala que Lucélia Santos se refere, quando os direitos de imagem dos atores podem ser negociados “para a estratosfera”. Segundo Victor, “quem assinaria, se tivesse condições de negociar, a cessão dos direitos sobre a sua criação ou interpretação para toda e qualquer forma de utilização futura que viesse a ser inventada? Ninguém, obviamente. Portanto, qualquer justificativa nesse sentido é inválida”. E ele prossegue: “Há uma lógica nos direitos autorais que consiste na remuneração decorrente do uso do objeto da criação: quando alguém cria, além de modificar o mundo, também precisa ser reconhecido e ser remunerado. Essa lógica é compreendida facilmente. Novos usos de obras também contemplam essa lógica”.
O acesso do público às obras de audiovisual, além de gerar benefícios às empresas, deveria gerar benefícios econômicos também aos artistas e aos demais criadores do setor, que obviamente são o seu motor criativo. Não remunerar os criadores é profundamente injusto e desequilibrado – Victor Drummond, advogado
Procurada, a Globo negou que tenha deixado de fazer os pagamentos relativos a direitos conexos e de imagem tanto através da própria emissora como de seus produtos exclusivos, como o Canal Viva e os Viva Fast: “A Globo efetua todos os pagamentos referentes aos direitos autorais e conexos quando devidos a autores, diretores e atores, em obras reexibidas na TV Globo ou nos canais pagos bem como nos conteúdos exclusivos para assinantes do Globoplay de acordo com os contratos celebrados com cada um, reconhecendo a importância da preservação dos direitos de propriedade intelectual, dos quais é uma grande defensora”.
Artigos relacionados