Novelas na Pandemia: pontos altos e baixos de um 2020 de reprises na teledramaturgia


Com a suspensão das gravações das tramas inéditas por conta da pandemia da Covid-19, a grade de programação foi invadida por novelas relativamente recentes, e que não vêm fazendo feio no ibope mesmo com temas hoje polêmicos. Para falar sobre o tema e as reprises que ainda vão estrear fechando 2020 convidamos o especialista em teledramaturgia Valmir Moratelli. Em Fina Estampa, por exemplo, o mordomo Crô (Marcelo Serrado) ficou datado demais, com um humor pífio, cheio de clichês que se perderam lá atrás, junto com o antigo Zorra Total. Também já não repercute a vilã-dondoca Teresa Cristina (Christiane Torloni). Aliás, na quarentena quem faz barulho mesmo é outra Teresa Cristina, a cantora, com suas deliciosas lives.

*Por Brunna Condini

O mundo ficou em suspensão com a pandemia do novo coronavírus. Aguardamos os próximos capítulos e esperamos por desfechos melhores. Dentro da programação de TV, com exceção do que já estava gravado antes, a sensação de déjà vu é uma realidade há meses. O espectador tem vivido de tramas passadas. O ineditismo tem vindo através de produções com contribuições dramatúrgicas mais remotas, à disposição no streaming e na TV a cabo, por exemplo, como a série “Diário de um Confinado”, protagonizada por Bruno Mazzeo, criada por ele e a mulher Joana Jabace, que também a dirige, disponível na Globoplay. Tudo produzido de forma mais contida, mas com criatividade ilimitada. Ou como em Que História é Essa, Porchat?, que estreou nova temporada esta semana, testando um novo formato de entrevistas e troca de histórias, recebendo os convidados e a plateia de forma virtual. A atração em tempos de coronavírus coloca Fabio Porchat como um anfitrião ainda mais ativo, desdobrando-se no programa para não deixar a peteca cair no estúdio, de onde comanda a atração literalmente sozinho (ou com equipe técnica essencial ao redor). O primeiro episódio mostrou que pode funcionar.

Na seara das novelas, as que estavam no ar e tiveram as gravações interrompidas, como “Amor de Mãe” e “Salve-se quem Puder”, só voltam ao ar em 2021. A assessoria da Rede Globo informou que a respeito da retomada das gravações, já existem alguns cenários, mas sem datas confirmadas ainda. A orientação da empresa é seguir o desenrolar da pandemia, “com o foco na segurança dos colaboradores, então a prioridade está no ‘como’, gravar e não no ‘quando’”, conforme comunicado ao site.

Regina Casé e Tais Araújo gravando “Amor de Mãe”, nos Estúdios Globo antes da pandemia (Foto: Globo/ Estevam Avellar)

Hoje no ar na grade da emissora temos as novelas “Fina Estampa” no horário das 21h, “Totalmente Demais”, às 19h, e “Novo Mundo” no das 18h; em versões compactas, portanto, sendo substituídas por outras reprises, já que as tramas inéditas estão aguardando um cenário com mais segurança para que as gravações sejam retomadas.

São quase cinco meses de quarentena para muitos espectadores (se observarmos a recomendação de isolamento social da Organização Mundial de Saúde). E os folhetins, que fazem parte da rotina de muitos lares, e há 50 anos vm fazendo uma espécie de crônica da sociedade brasileira, têm surpreendido no quesito audiência, mesmo sendo reprises recentes. Com isso, a emissora já revelou as próximas exibições que devem fechar o ciclo dos horários de novelas neste 2020 inédito – já que a suspensão de produções em andamento por conta de um vírus nunca aconteceu antes – E são elas: “A Força do Querer “, no horário das 21h, com previsão de reestreia entre setembro e outubro; “Haja Coração”, às 19h, com previsão para outubro; e no horário das 18h, “A Flor do Caribe”, prevista para setembro.

O casal “bandido” em “A Força do Querer”, que vai retornar à grade: Juliana Paes e sua Bibi Perigosa, e Emilio Dantas, com seu Rubinho (Foto: Globo/ Mauricio Fidalgo)

 Pensando em fazer um tour pelas obras revisitadas, convidamos Valmir Moratelli, pesquisador de teledramaturgia e autor de “O que as telenovelas exibem enquanto o mundo se transforma” (Ed. Autografia). O especialista comenta as produções que estão no ar, e também as que entrarão.“Por causa da pandemia da Covid-19, as telenovelas inéditas foram interrompidas e, em seus horários tradicionais, foram veiculados folhetins conhecidos do público. Ao que se demonstra, a seleção da TV Globo prioriza tramas, em sua maioria, que tenham conquistado boa audiência e repercussão à época de seus lançamentos. Arriscando-se a fisgar o telespectador pela recente nostalgia de suas novelas, a emissora vê no horizonte a crescente concorrência com o streaming como uma ameaça que não deve ser ignorada. Por isso, mesmo as escolhas de reprise são questões estratégicas que levam em consideração apelo de público, interesse de mercado e possibilidades de repercussão nas redes sociais”.

Com a palavra, Moratelli sobre as que estão no ar atualmente:

Fina Estampa

 A saga da Pereirão (vivida pela grande Lilia Cabral) resgata um Brasil de 2011, com a economia forte, em pleno emprego, cuja expansão do mercado de trabalho permitiu dar voz à luta por mais igualdade de espaço e renda das mulheres. Só por isso a novela já valeria ser revista. É um sopro de nostalgia recente de um país que se esfarelou. “Lugar de mulher é onde ela quiser”, parece nos dizer a trama de Aguinaldo Silva.

Por outro lado, o mordomo Crô (Marcelo Serrado) ficou datado demais, com um humor pífio, cheio de clichês que se perderam lá atrás, junto com o antigo Zorra Total. Também já não repercute a vilã-dondoca Teresa Cristina (Christiane Torloni). Aliás, na quarentena quem faz barulho mesmo é outra Teresa Cristina, a cantora, com suas deliciosas lives.

Fina Estampa: Tereza Cristina ( Christiane Torloni ) e Griselda ( Lilia Cabral) protagonizam os maiores embates da trama (Divulgação/Globo)

Totalmente Demais

 As cenas iniciais gravadas na Austrália mostram a pujança das produções globais antes da crise econômica que tomou conta do país a partir de 2015, elevando agora o dólar a índices estratosféricos: adeus cenas gravadas no exterior.Quanto à trama, a personagem Carolina deu a chance de Juliana Paes fazer seu mais desafiador papel na TV até aqui. Uma protagonista que começa esnobe e vai ganhando humanidade ao longo dos meses. Digo também que esta novela é um marco para Marina Ruy Barbosa, ao interpretar a doce Eliza. Depois de ‘Totalmente’, Marina se tornou queridinha dos fashionistas e das marcas caras. Com a reprise, o público voltou a se dividir entre “Arliza” (torcida por Arthur, vivido por Fabio Assunção, e Eliza) e “Joliza” (torcida por Jonatas, interpretado por Felipe Simas, e Eliza). Os fãs até cogitaram que haveria outro final gravado à época, que poderia vir ao ar. Mas não, não há outro final. O engajamento em torno da novela se mantém forte, graças ao texto primoroso de Rosane Svartman e Paulo Halm.

Juliana Paes e Mariana Ruy Barbosa gravam “Totalmente Demais” (Foto: Divulgação/ Globo)

Mundo Novo

 A direção cinematográfica de Vinicius Coimbra deu à novela de 2017 ares de megaprodução. A construção de uma nau nos Estúdios Globo, assim como a viagem de Leopoldina ao Brasil são destaques que merecem ser mencionados. Os galãs Chay Suede, Romulo Estrela e Caio Castro brilharam. Porém, mais uma vez, a novela foi para o lado “oficial” da História, perdendo oportunidade de inserir personagens emblemáticos que não estão nos livros de escola. Tida como uma continuidade, “Nos Tempos do Imperador” promete rever alguns desses conceitos e trazer mais atores negros em tramas centrais. A conferir.

Bastidores em “Novo Mundo”: Chay Suede, Romulo Estrela e Caio Castro, com o assistente de direção Pablo Muller (Foto: Divulgação/Globo)

E entre as que vão reestrear no segundo semestre, vem saber, com Valmir Moratelli:

A Força do Querer

 Eu poderia citar a tríade Bibi Perigosa (Juliana Paes), Jeiza (Paolla Oliveira) e Ritinha (Isis Valverde) como marco dessa trama de 2017. Entretanto, não há como não enaltecer Carol Duarte vivendo a transição de Ivan para Ivana. O Brasil assistiu pela primeira vez à discussão de transição de gênero em uma novela em horário nobre e, mais que isso, torceu por um final feliz do personagem. Mesmo que o debate de gênero tenha regredido nestes dois últimos anos na esfera pública (Taí a polêmica em torno do Tammy Miranda em comercial de uma marca de cosméticos para o Dia dos Pais), a ótima audiência da novela pode nortear que parte considerável do público quer sim que a TV quebre tabus. Tenhamos esperança!

Em uma novela marcada por tantas atuações calibradas, Fiuk não conseguiu levar na mesma voltagem o seu menino Ruy, perdendo-se na escassez de recursos dramáticos. Nada que tirasse a “força” geral do texto de Gloria Perez. Vai ser uma delícia rever Parazinho e seu ritmo de carimbó, a então novata Dandara Mariana como Marilda, a continuação de Lilia Cabral no horário nobre – agora como a trambiqueira Silvana viciada em jogo, entre outras tramas paralelas.

Haja Coração

 Fazendo um trocadilho com a frase bíblica, essa é a novela em que “os coadjuvantes são exaltados”. Grande expectativa para sua estreia em novelas, Tatá Werneck (vivendo a Fedora) perdeu função na trama e se tornou esquete de humor solta no roteiro. O triângulo formado por Tancinha (Mariana Ximenes), Apolo (Malvino Salvador) Beto (João Baldasserini) ficou dando voltas até o desfecho. Porém, nem tudo é crítica na trama de 2016 de Daniel Ortiz. Foi comendo pelas beiradas que ‘Haja’ conquistou a audiência. Nas tramas paralelas o público vibrou com as histórias de amor de Shirlei (Sabrina Petraglia) e Felipe (Marcos Pitombo); Giovanni (Jayme Matarazzo) e Camila (Agatha Moreira); Penélope (Carolina Ferraz) e Henrique (Nando Rodrigues); Rebeca (Malu Mader) e Aparício (Alexandre Borges). Ufa! Com personagens humanizados, divertiu muito! Uma boa escolha para a reprise.

Haja Coração: Mariana Ximenes e Malvino Salvador fazem par romântico na trama das 19h (Foto: divulgação/ Globo)

Flor do Caribe

 Uma novela sem sobressaltos, simples e corretinha. No jargão popular, seguiu a receita do feijão com arroz. Walther Negrão apostou numa trama óbvia em 2013 – o vilão que quer roubar a mocinha dos braços do mocinho. Nem a fotografia sempre caprichada do diretor Jayme Monjardim, nem a escalação de Sérgio Mamberti, Juca de Oliveira, do saudoso Elias Gleizer e da ótima Inez Vianna, além de Laura Cardoso (ainda que vergonhosamente colocada como figurante de luxo) deram tempero à novela.

Grazi Massafera foi elegante, mas não rolou química com Henri Castelli. E novela sem casal principal “animado” não é obra a ser lembrada! No mais, é torcer para que façam uma boa edição na reprise, porque não deixou saudades… Havia obras melhores a serem colocadas no horário das 18h. Se a pandemia durar muito mais – e a gente espera que não seja o caso – ‘Cordel Encantado’, ‘Lado a Lado’ e ‘Sete Vidas’ merecem ser lembradas.

Grazi Massafera e Henri Castelli sob a direção de Jayme Monjardim em “A Flor do Caribe” (Foto: Divulgação/Globo)