Novo Mundo está prevista para terminar em setembro e terminará com Dom Pedro I declarando a Independência do Brasil. Mas o que acontecerá depois desta decisão do príncipe? O povo foi afetado pelo decreto real? Como foram os primeiros dias do Brasil independente? A novela pode até não falar, mas a nova série da Globo, Filhos da Pátria, conta exatamente como foi o burburinho no centro do Rio de Janeiro, a cidade sede do império. A história começa no dia 8, a data seguinte ao anúncio da quebra de ligações colonizadoras com Portugal, e é contada na perspectiva de uma família de classe média urbana, os Bulhosa. No entanto, a narrativa pretende elencar como surgiu o jeitinho brasileiro no momento em que a sociedade atual estava se moldando. “Eu queria falar do jeitinho brasileiro, desta troca de favores. Comecei a ler muitos livros de história o que me deu a ideia de voltar no tempo para justamente aprofundar o que sabemos do nosso país, já que passamos de forma tão rápida pelo conteúdo na escola. Quero despertar ideias. Queria falar da independência, porque ela é apenas um dos recomeços do Brasil. O nosso país possui muitos ciclos e a cada um achamos que vamos melhorar, mas nunca saímos do lugar”, afirma o ator e escritor Bruno Mazzeo, principal responsável pela idealização e do roteiro desta série. Ao total, são 12 episódios que pretendem investigar o início de tudo com direito a um elenco de peso como Fernanda Torres, Alexandre Nero, Johnny Massaro, Flávio Bauraqui, Lara Tremouroux, Jéssica Ellen, Serjão Loroza, Matheus Natchergaele e muitos outros. Filhos da Pátria estreou no dia 3 de agosto no Globo Play para assinantes, mas na TV aberta irá ao ar somente em setembro. Mesmo sem ter ido ao ar, já existe uma ideia para a segunda temporada que irá retratar uma época diferente nesta ideia do recomeço explicitada por Bruno, podendo ser os primeiros anos de república, de ditadura Vargas ou da posse de Juscelino Kubitschek.
Saiba um pouco mais sobre a novela que dará continuação a Novo Mundo
A proximidade de datas com Novo Mundo não é a única semelhança, o cenário é o mesmo. É possível ver a taberna dos porcos, o paço do imperador, a casa do vilão Thomas e a Praça Quinze nos episódios da série. “Tivemos uma grande parceria com a produção dessa novela. Inclusive, esta proximidade foi o que viabilizou a existência do programa. Utilizamos o set que foi de Liberdade, Liberdade e seria reaproveitado para Novo Mundo. Nossa equipe de cenografia se juntou com eles e começamos a gravar, preparando o terreno para a chegada do elenco de Novo Mundo, já que filmamos primeiro. Nós não usamos personagens históricos, apenas os citamos o que não vai interferir na compreensão das pessoas”, explica Bruno Mazzeo. Mesmo tendo sido gravado antes do início da novela, o programa vai ao ar depois devido a acordos na grade da Globo. Apesar da semelhança de datas, o roteirista não sabia que ambas estavam interligadas e achou muito positiva a interseção de ideias.
Apesar de apenas citar nomes históricos é necessária uma profunda pesquisa dos fatos da época para não mostrar inverdade aos espectadores. Para isso, professores e estudiosos foram convidados a fazer parte da equipe. “Eu já tinha lido muitos livros sobre o assunto e quando decidimos falar deste tempo, aprofundei ainda mais a leitura sobre temas específicos como a incidência de roubos da época, desemprego e a imprensa. Temos um roteirista que também é professor de história. A cada episódio que criávamos, consultávamos no final algum especialista”, elenca Bruno. Mesmo tendo este cuidado, as músicas tocadas na série não são as da época. Pelo contrário, artistas atuais como Bezerra da Silva compõe a melodia dos episódios. No entanto, Bruno afirma que isto foi proposital pois queria trazer canções que remetessem a nossa identidade buscando, inclusive, cantores que não fossem muito conhecidos.
Assim como as músicas, o tema elencado na narrativa é muito atual. A série investiga como nos tornamos uma sociedade adepta a corrupção. “No momento em que o Brasil se tornou independente, nós poderíamos ter feito um país diferente, com uma proposta honesta. No entanto, se construiu uma política igual à que já existia, com um mercado voltado para o cenário estrangeiro. Esta fábula tenta investigar o porquê de isto acontecer. Sempre que temos a oportunidade de fazer um Estado melhor, a perdemos para ser produto de um patrão que não sabemos quem é”, critica Matheus Nachtergaele. O início do debate sobre corrupção está nas pequenas formas de se aproveitar das situações oriunda do famoso jeitinho brasileiro. “A série é um espelho da nossa sociedade e nos mostra as bases que nos formaram. Dizem, por exemplo, que a corrupção começou na carta do Pedro Vaz de Caminhas, porque no final ele pede um cargo para o sobrinho”, lamenta a atriz Fernanda Torres. Cada personagem elenca uma forma de ultrapassar os limites da ética.
A mãe do Brasil
Fernanda Torres interpreta a mãe da família Bulhosa, uma dona de casa casada com um funcionário público. No início da série, sua personagem sofre por não ser rica, mesmo possuindo escravos e podendo comprar vestidos em locais caros. “A Maria Teresa é a mãe do Brasil. É uma mulher infeliz porque é casada com um funcionário público sem ambições. A única maneira de melhorar de vida seria se a filha noivasse com um rapaz rico. Quando o marido começa a roubar, acaba enriquecendo e sua perspectiva muda”, explica a atriz.
Ao saber que o marido foi promovido, os olhos da dona de casa de enchem de felicidade. Ter poder aquisitivo, para ela, significa uma vida inteira garantida pela frente. Segundo Fernanda, esta seria a principal crítica da sociedade elencada por esta personagem. “A nossa sociedade fica muito feliz com o dinheiro, significa muito para as pessoas o que reflete o consumismo atual. Ela é uma nova rica de hoje em dia, que é louca por free shop e quer comprar tudo de grife”, afirma. No entanto, a atriz defende sua personagem pois acredita que a mesma acredita, de verdade, que riqueza significa felicidade e isto é tudo o que quer para sua casa. “Ao mesmo tempo que ela tem todos os traços que nós odiaríamos, é uma mãe de família que ama os filhos e o marido. A verdade é que a Maria Teresa quer o bem para todos ao melhorar de vida. É bacana trazer esta identidade porque é algo muito brasileiro, somos muito apegados a nossa casa e ao sangue. Cedendo cargos para os parentes. Como se condena alguém que só quer o melhor para quem ama?”, indaga Fernanda Torres.
O político honesto
Geraldo Bulhosa é o principal provedor de bens para a sua mulher, Maria Teresa, e família. O homem é servidor público e cuida da correspondência oficial do governo, com a independência, o mesmo teme por seu cargo visto que as cartas às quais mais precisava responder eram de Portugal. Além disso, diversos funcionários portugueses estão sendo demitidos no Paço Imperial, onde trabalha, o que ameaça seu emprego, pois o mesmo é português. Um de seus colegas descobre a verdadeira origem de Geraldo e o chantageia para que o mesmo prevalecesse seu projeto. Desde então,se dedica a roubar e fazer favores para homens de bens. “A grande sacada do Bruno foi criar um corrupto que não é bandido, porque o povo cria uma caricatura na cabeça, do estereótipo que representa aquele tipo de pessoa. Qualquer pessoa pode ser um ladrão e assassino. Na verdade, estes caras são grandes pais de família que brincam e discursam palavras lindas. O meu personagem é bom e integro e se incomoda com o fato de estar roubando. Ele se corrompe porque é algo fácil, o dinheiro está nas mãos dele por trabalhar nesse meio e não será preso pelos contatos que possui. A pessoa não pensa que aquele valor vai fazer falta nos cofres públicos e pode matar muita gente”, garante Alexandre Nero, o ator responsável por incorporar Geraldo.
O sedutor de ideias
Humor irreverente é uma das principais características do ator Matheus Nachtergaele e é possível vê-la em seu personagem da série. O ator interpreta o político Pacheco, o principal responsável para o início da trajetória do funcionário Geraldo no universo da corrupção. “Eu sou uma espécie de sedutor que explica para o personagem do Nero o caminho do desamor, que é essas saídas que encontramos no jeitinho brasileiro. O Pacheco é um homem espirituoso e tem muito molejo, mas ele não ama. Até mesmo a sonoridade do nome parece tratar de uma pessoa que quer se aproveitar das situações. Tentei fazer este personagem com alegria porque a história em si é muito pior do que imaginamos. Fiz com leveza para não ser muito triste”, garante Matheus sobre o personagem que faz a maior crítica da série a corrupção. Apesar de cometer inúmeros crimes, o rapaz não é punido e nunca será. O ator, inclusive, compara tal impunidade ao arquivamento do processo contra Michel Temer, ausentando o mesmo das acusações.
Fazer o Pacheco não foi uma tarefa fácil para o ator, afinal o personagem é uma crítica a diversos funcionários que retiram dinheiro de cofres públicos para benefício próprio. “Busquei o que existia de mais corrupto em nós e a política brasileira é o local ideal para ver os tipos de pessoa. Não precisei me inspirar em ninguém especificamente porque era só abrir o jornal ou assistir o noticiário que a minha inspiração estava dada, não precisava mostrar um caso ou pessoa. Eu me tornava o Pacheco de forma muito fácil com muita raiva dele”, informa. Para que o papel continuasse com o humor que a série exigia, Matheus necessitou de um intenso trabalho corporal.
O rebelde liberto
Geraldinho é o filho mais velho da família Bulhosa e traz consigo a imagem de um jovem sem compromissos com o futuro do país. Insatisfeito com sua realidade, o rapaz anda pelas ruas a procurar novas aventuras esquecendo de compromissos básicos como aprender a ler e escrever. Interpretado por Johnny Massaro, o garoto torna a independência do Brasil um bordão no qual impõe às outras pessoas suas necessidades com a desculpa de que ele tem direito de ser livre assim como a determinação de Dom Pedro. “Apesar do Geraldinho ser rebelde não existem motivos para ele ser assim, pois os citados são profundamente frívolos. Dessa forma, acho que este personagem é uma forma de criticar a juventude atual que escreve muito no Facebook e não faz nada. Ele só responde as necessidades básicas como sono, fome e sexo, o que não é superficial passa longe. E mesmo assim, se torna o primeiro deputado constituinte”, conta o ator sobre a trajetória de seu personagem.
A honesta
Em meio a tanta falta de honestidade, a atriz Jessica Ellen interpreta uma escrava que prova a todos que é possível batalhar pelo o que deseja sem tocar no dinheiro de outras pessoas. Talvez a personagem Lucélia seja a única representação do bem na série, pois mesmo vivendo em condições miseráveis, luta para conseguir sua alforria. “Todo o dinheiro que ela recebe, dá o percentual ao seu dono de forma correta. Ela é a parte integra da história. Acho importante que trazer esta personagem batalhadora porque existia um mito de que os escravos eram preguiçosos quando na verdade a Lucélia representa essa força e determinação deles. Eles viviam em condições sub-humanas e ainda sim deveriam pagar por algo que deveria ser um direito deles, a liberdade”, lamenta a atriz.
Lucélia representa inúmeros escravos que passaram a vida lutando por sua liberdade. Na trama, ela vende doces e lava roupas de pessoas na rua para ganhar alguns trocados que, aos poucos, podem significar sua liberdade. A presença corporal da personagem se impõe, até mesmo, sobre seus padrões. “Além de ser atriz, sou bailarina e trouxe esta influência para a minha personagem. O meu corpo é o meu instrumento de trabalho, desde o meu cabelo até a voz, o que me ajuda a montar uma pessoa nova. Utilizei muitas fontes do candomblé para criar a Lucélia como, por exemplo, uma cena na qual estou cozinhando e intuitivamente canto uma música em iorubá”, afirma a atriz.
Para a atriz, foi complicado criar uma personagem que não tem passado e por isso usou as bases do candomblé para dar um significado à composição. “Os negros que vieram para o Brasil não possuem uma história. Eu, por exemplo, não sei se vim do norte ou sul da África, mas tenho amigas que sabem que os pais eram de Portugal, Itália e outros. Os papéis dos meus parentes foram tirados. E ao fazer a Lucélia tentei incorporar elementos de outras formas porque ela não tem identidade assim como eu”, elenca. Mesmo depois de tantos anos, a escravidão ainda faz parte de seu passado e presente. “Até hoje vejo vestígios daquela época em mim por não saber meu passado e por não ter conseguido estudar em uma escola privada. Não sei a história do Brasil, por exemplo, e sinto que ainda estou me descolonializando. O nome que eu carrego é de um possível senhor que a minha família teve. Ainda somos racistas e espero que todos lutem contra isso. Através do candomblé sinto que estou recuperando as minhas origens”, critica Jéssica.
Escravo da mentira
O irmão de Lucélia possui uma vida muito diferente da mesma. Zé Gomes é um escravo liberto que goza de sua vida sem correntes por alguns anos. Mas nem tudo são flores. Para conseguir sua carta de alforria, o personagem fingiu ter um problema na perna que o impossibilitava de seguir com sua ‘profissão’, mas acaba tendo que continuar com a mentira até o final da vida. “Ele consegue, espertamente, sobreviver ao caos nos poucos anos pós-escravidão, para ele, obviamente, como escravo liberto. Ele é cômico e esperto de uma forma muito interessante”, informa o ator Flávio Bauraqui que dá vida ao ex-escravo.
Apesar de inventar uma mentira para ganhar sua liberdade, o ator consegue entender os motivos que levaram seu personagem a cometer tão atrocidade. “Apesar dele representar o jeitinho brasileiro, ele está em uma selva. Um lugar que os escravos não tinham nem mesmo um sapato para calçar. A forma dele sobreviver não justifica seus atos porque acho que todos deveriam ser honestos, mas a realidade do Zé é tão injusta que o injustiçado acaba errando da mesma forma que os outros”, aponta Flávio. Segundo ele, a inteligência da série está em não mostrar vilões ou bonzinhos. O importante é trazer as camadas de cada um elencando porque seguem determinado rumo. “A melhor parte da série é que ninguém é santo, todos possuem coisas ruins e boas dentro de si. E nós, como cidadãos, temos que prestar atenção nestas atitudes nossas de forma a não nos corromper”, lamenta.
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