*Com Iron Ferreira
O 29º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema segue a todo vapor com uma programação completamente voltada para o fomento e a valorização do audiovisual. Além de exibições especiais de produções nacionais e ibero-americanas, o evento vem promovendo mostras competitivas, cursos e lançamentos de livros. Durante o terceiro dia do evento foi a vez do cineasta, produtor, documentarista e roteirista cearense Rosemberg Cariry, que possui mais de 30 anos de trajetória sendo responsável por títulos como “Corisco & Dadá” (1986), “Lua Cambará, nas Escadarias do Palácio” (2003) e “Os Pobres Diabos” (2013), apresentar o décimo segundo longa de sua carreira, intitulado “Notícias do Fim do Mundo”, e protagonizado pelos atores Everaldo Pontes e Majô de Castro. A primeira exibição do longa foi realizada no coração de Fortaleza (CE), o Centro da Cidade, no tradicional Cineteatro São Luiz, palco e tela das principais cerimônias do festival.
O longa-metragem, que começou a ser filmado em 2009 e que conta com a participação dos filhos – Bárbara Cariry, na produção, e Petrus Cariry, na fotografia -, foi exibido na Mostra Competitiva Ibero-Americana de Longa-Metragem e concorre ao Troféu Mucuripe na cerimônia de encerramento do Cine Ceará, no dia 6. A história narra a trajetória do ator Alexandre Taylor, que trabalha coordenando um grupo de dança popular na periferia da capital fictícia de Kibuna. O grupo é convidado pelo governador para fazer uma apresentação em uma festa oferecida ao embaixador de um país rico. Logo, Alexandre enxerga no convite o momento propício para o último e grandioso ato da sua vida. Surpresa, claro!
“É uma honra poder estrear esse filme aqui no Cine Ceará. É um festival que se tornou símbolo da arte e da cultura. Eu me inspirei em um conto que fala sobre um grupo artístico popular que se rebelava contra o governo. Eu quis trazer um pouco do discurso político nessa obra. É uma sátira que busca traçar a trajetória de uma visão popular em um mundo que está cada vez mais subjugado às forças econômicas e políticas”, comentou Rosemberg.
O diretor também falou sobre o longo tempo de produção do filme e a forma como as transformações sociais reverberaram em sua obra: “Ao longo desses quase 10 anos de produção, o projeto foi ganhando maturidade e proporção. Originalmente, ele seria um filme para televisão, mas, quando eu percebi a proporção que ele estava tomando, decidi rodar um longa. Ele foi absorvendo as questões sociais e políticas que ocorreram no Brasil durante esse tempo, refletindo toda a crise política que se abateu sobre o país”.
Perguntado sobre qual notícia ele gostaria de dar em um possível fim do mundo, Rosemberg Cariry foi categórico: “Eu gostaria de noticiar que a vida é possível em equilíbrio. Ou seja: é possível que haja fraternidade e o encontro entre homens e mulheres de uma forma mais justa”.
O diretor aproveitou ainda para exaltar as produções nordestinas, que vêm conquistando cada vez mais espaço, recentemente com “Pacarrete”, de Allan Deberton, vencedor de oito Kikitos no 47º Festival de Cinema de Gramado, e “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz, vencedor da mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes e escolhido pelo Brasil para tentar uma vaga no Oscar 2020: “O cinema nordestino é enraizado e ao mesmo tempo com asas. É um cinema que bebe na literatura, mas também nas novas linguagens. É um cinema que vem do passado, mas que se insere na contemporaneidade. É um cinema que traz, sobretudo, a experimentação, a angústia, a inquietação e que faz muitas perguntas”.
Em conversa exclusiva com o site Heloisa Tolipan, Everaldo Pontes, que interpreta Alexandre Taylor (ou Mestre Jacaúna do Reisado) no longa, falou sobre o seu personagem: “Ele é uma espécia de signo que representa todos os revoltosos do mundo. É um artista que se preocupa com a condição do homem e do cidadão na sociedade. A partir disso, ele resolve colocar em prática as teorias que tem na cabeça”.
Quem também esteve presente no evento foi Majô de Castro. A atriz cearense, que vive a personagem Rainha do Folguedo, falou sobre a força do cinema para a cultura local: “A cultura de um povo precisa ser valorizada, para que ele possa manter a sua essência. Eu acho muito importante esse momento que o cinema cearense vive. Me orgulho de ser dessa terra e representar a minha origem. Nós sempre resistimos nos momentos difíceis e assim continuaremos”.
Já o documentário “Ressaca”, dirigido por Patrizia Landi e Vincent Rimbaux, também foi lançado com exclusividade durante a terceira noite do Cine Ceará, sendo mais um a integrar a Mostra Competitiva Ibero-Americana de Longa-Metragem. A obra, que chegou a ser exibida no FIPADOC 2019, em Biarritz/França e no FIGRA 2019, em Saint-Omer/França, acompanha o drama do corpo artístico do Theatro Municipal do Rio de Janeiro diante da crise econômica do estado, quando os salários são suspensos, entre os anos de 2016 e 2017.
“Eu estou bastante emocionada, pois é a estreia do “Ressaca” no meu país. Uma das coisas mais tristes que eu presenciei quando a gente estava realizando esse filme foi a angústia dos bailarinos diante da passagem do tempo. A carreira do bailarino tem um prazo, por causa do vigor físico. Encontramos muito deles que estavam passando por isso. O tempo que restava era pouco, e nesse pouco tempo não havia trabalho. Caso vocês sejam tocados pelo filme, teremos feito o nosso trabalho”, frisou Patrizia, que também dirigiu o documentário “Hijas del Monte“, de 2012, que narra a participação feminina nas guerrilhas colombianas, e também é produtora executiva do Globosat.
A cineasta complementou afirmando que gostaria de ver o filme funcionar como um sopro de vida, mostrando para a grande massa que os artistas são fortes: “O filme pode funcionar como esperança, baseado na vontade dos artistas de não desistirem. A arte é fruto da necessidade do artista em se expressar. Ele só é feliz se puder viver fazendo aquilo que ele sabe. Não é justo que muitos deles não tenham como se sustentar. Estamos vivendo um momento de muita aridez, precisamos nos cercar de afeto e pensar no coletivo”, disse.
Em um esforço para estimular a igualdade de gêneros e promover uma maior participação das mulheres no cinema, o Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema determinou que 30% dos filmes exibidos nesta edição sejam dirigidos por mulheres. Após elogiar a atitude inclusiva do festival, a diretora revelou que embora esse espaço venha sendo cada vez mais ocupado, ainda há um longo caminho a ser percorrido: “Eu acho que cada vez mais a mulher está tendo protagonismo. Precisamos que as mulheres ocupem mais cargos de direção, de direção de fotografia e na parte técnica. É uma mentalidade que vem mudando e a representatividade é necessária”.
O Cinema do Dragão, que faz parte da programação oficial do festival, ainda exibiu os filmes “A Primeira Foto”, de Tiago Pedro e “Currais”, de David Aguiar e Sabina Colares.
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