*Por Simone Gondim
No ar em “Malhação – Toda forma de amar” e prestes a voltar aos palcos cariocas com a peça “Jacy”, que trata de questões como o abandono dos idosos, Quitéria Kelly critica o peso que a sociedade coloca em cima de quem já envelheceu. “Nossa sociedade não pensa na velhice. Quando estamos velhos, queremos ser jovens, porque se assumir como idoso incomoda”, diz ela. “Aos 37 anos já lido com o impacto disso, pois me sinto muito jovem, mas sei que posso ser vista assim e o mercado é cruel para alguns papéis”, acrescenta.
Segundo a atriz, a tendência de desvalorizar e descartar as pessoas conforme os anos passam faz com que exista uma geração que não escuta os mais velhos e só se concentra no efêmero. “Nos tornamos um monte de informação esvaziada, facilmente substituível. Somos um país com pouca memória, onde falta ensinamento. O Brasil não tem políticas públicas suficientes para os idosos”, lamenta Quitéria.
Ao fazer a pesquisa para o espetáculo “Jacy”, que terá 12 apresentações no Rio, a partir de 23 de março, Quitéria e os demais integrantes do Grupo Carmin visitaram abrigos para idosos em Natal. “As histórias são terríveis”, conta ela. O material que dá origem à peça é praticamente uma cápsula do tempo e também guarda uma certa tristeza: documentos, fotos e cartas, entre outros objetos pessoais, de uma mulher chamada Jacy, encontrados dentro de uma frasqueira abandonada em uma esquina movimentada de Natal, no Rio Grande do Norte. “Brincamos com a realidade, a ficção e o documental para contar a história dela, que foi renegada pela família e morreu aos 90 anos, tendo ao lado uma cuidadora”, revela.
Quitéria lembra que foram três anos pesquisando e dando telefonemas até que o grupo descobrisse mais sobre a vida de Jacy, que atravessa momentos importantes da história do Brasil. “A família disse que não queria saber dessa mulher e ameaçou nos processar caso levássemos adiante o projeto. Por isso, estamos protegidos judicialmente”, explica a atriz.
“Jacy era de família rica e viveu a Segunda Guerra Mundial e a ditadura militar. Ela se apaixonou por Harry, um soldado dos Estados Unidos que estava nas tropas enviadas a Natal e Parnamirim, escandalizando a família. Quando a guerra acabou, Jacy foi mandada sozinha para o Rio de Janeiro e só voltou a Natal no fim da vida”, completa. O romance com Harry teve um final feliz: 20 anos depois da partida das tropas, houve uma troca de cartas, ele veio ao Brasil e os dois se casaram, passando uma década juntos.
Além da questão dos idosos, o descaso com a arte é outra preocupação de Quitéria. “O papel do Estado é ajudar quem não consegue grandes patrocinadores, como pequenas companhias e projetos sociais de comunidades. Cultura e educação são essenciais”, comenta, lembrando que grupos do Recife e de São Paulo, por exemplo, não estão conseguindo apresentar seus trabalhos.
Com o fim da temporada de “Malhação”, cujo último capítulo vai ao ar em 8 de maio, Quitéria estuda outras propostas, incluindo projetos para o cinema. Em julho, ela e o Grupo Carmin estreiam o espetáculo “Gente de classe”, cuja temporada começa em Natal e segue para São Paulo. “A peça é inspirada na obra de Jessé Souza e trata do surgimento da classe média brasileira. Quem são essas pessoas? Vamos colocar o dedo na ferida e falar de privilégio”, adianta a atriz. “As crises da democracia no Brasil são sempre da classe média, porque os ricos estão muito acima disso e os pobres não têm essa noção”, conta ela.
SERVIÇO
Jacy
Texto: Henrique Fontes, Iracema Macedo e Pablo Capistrano.
Direção: Henrique Fontes.
Teatro Firjan Sesi Centro – Avenida Graça Aranha 1, Centro, Rio de Janeiro.
De 23 de março a 28 de abril de 2020.
Segundas e terças, às 19h.
Ingressos: R$ 20.
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