*Por Brunna Condini
Em tempos difíceis, manter a esperança é um exercício fundamental. Aliás, alimentá-la, através de boas histórias, é sempre algo bem-vindo, em qualquer tempo. Às vésperas da próxima Olimpíada é isso que as diretoras Silvia Spolidoro e Hellen Suque, fazem com o documentário “Mulheres à Cesta”, que revela os desafios e preconceitos sofridos pela pioneira seleção brasileira de basquete feminino, bronze em 1971, com participações da cantora Simone, e das jogadoras, Hortência, Paula e Norminha, entre outras. “A proposta do filme é propor reflexão sobre superação e legado. Há sempre esperança quando se fala sobre legado”, diz Silvia, que completa: “A premissa deste documentário é: “Quem planta tâmaras, não colhe tâmaras”. É um provérbio árabe. E a esperança se faz mais presente ainda, quando questionamos: mas se ninguém plantar, o que teremos para colher?”.
As cineastas partiram do livro homônimo de Claudia Guedes para produzir o material, que soma oito horas de material bruto, sendo editado no documentário que terá sua estreia no Festival Internacional de documentários “É Tudo Verdade“, que acontece a partir de 25 de março, no Rio e em São Paulo. Na tela, poderão ser vistos depoimentos de jogadoras e treinadores, recordando a equipe formada pelas craques Maria Helena Cardoso, Elzinha, Odila, Delcy, Norminha, entre outras que faziam parte do time. O objetivo é iluminar questões ao redor de temas como preconceito, sororidade, gênero e, acima de tudo, a batalha das atletas pioneiras que abriram caminhos para as mulheres do esporte no Brasil. Com exclusividade ao site Heloisa Tolipan, as diretoras destacam a relevância da trajetória das jogadoras. “As mulheres lutaram para conquistar o seu espaço dentro e fora das quadras. A sororidade que conhecemos hoje se fez presente na seleção de basquete feminino de 1971. Elas treinavam juntas, se divertiam juntas, riam juntas e competiam juntas. A união dessas mulheres fez a força e, por isso, venceram todos os tabus e preconceitos de uma sociedade que as julgava, mas que ao final, torceu por elas e foi muito feliz com tantas vitórias”, observa Hellen Suque.
O que é recorrente, quase 50 anos depois? “Até hoje as mulheres não recebem o mesmo salário dos homens e o esporte feminino ainda tem pouca exposição na mídia”, avalia Hellen. “Ainda temos muito a avançar, mas a mulher hoje pode escolher qual o papel em que mais se encaixa dentro do que ela acredita e apesar das dificuldades, principalmente em termos de gestão no mercado de trabalho, temos certeza de que não retrocederemos”, completa a cineasta Silvia Spolidoro.
A cantora Simone, que desistiu do esporte depois de quase romper os ligamentos do tornozelo, relembra como era difícil ser mulher e jogadora naqueles tempos. “Tive uma relação de amor com o basquete desde a primeira vez que peguei uma bola e a acertei numa cesta. Já jogava futebol, gostava de esportes. E jogo até hoje, mas não em quadras. E ainda existe preconceito. Não gosto desses últimos uniformes, por exemplo, são aproveitados dos masculinos. Essa falta de respeito vem dos dirigentes e delegações, patrocinadores. Para que usar as sobras? Fica muito grande”.
Como foi ser atleta naquela época? “Quando me mudei de Salvador (Bahia) para São Caetano, em São Paulo, meu pai ficou receoso, ele não queria. E tivemos muitas discussões sobre isso. Até o dia que ele viu que era o que eu realmente desejava e se tornou um dos principais incentivadores. Mas não queria que eu morasse com as meninas. Então, o preconceito já estava ali, depois prevaleceu a minha vontade mesmo e ele relaxou”, recorda. “Existe falta de apoio ao esporte feminino. O vôlei teve ascensão, mas o basquete não está onde merece. O governo não incentiva. Espero que um dia tomem vergonha na cara e abram as portas para as mulheres. Precisamos peitar. Não pode baixar a cabeça e se dar por vencida. Grita, enfrenta tudo. Nunca fui submissa”.
Aos 70 anos, completos em dezembro passado, a baiana que contabiliza quase 50 de trajetória na música, conta, em seu depoimento, que nunca se deixou abater por preconceitos ou machismo. Até mesmo quando sofreu bullying. “Tinha 12 anos e um 1,80m, e era chamada de “Olivia Palito”, e também de Belém-Brasília, comprida e mal-acabada”, revela. “Também jogava futebol com os meninos, porque, na época, as meninas não jogavam. Eu era um menino. Sou mulher e sou homem, tenho tudo isso dentro de mim. E sempre briguei pelo que queria. Éramos nove irmãos, cinco mulheres e quatro homens, não era brincadeira. Meu pai era machão, queria segurar a gente, resguardar. Precisa ter uma agressividade para se defender. As dificuldades eram maiores naquela época. Hoje temos uma voz mais ouvida, mas os problemas continuam, matam, estupram. O mundo sempre foi muito masculino. Precisa estar sempre ali se mostrando. Mas nós mulheres, somos especiais”.
E o que o basquete trouxe para a sua vida? “O basquete, o esporte em geral, e a música, sempre caminharam juntos na minha vida. Minha família era muito musical. Minha mãe tocava, meu pai cantava, meus irmãos tocavam instrumentos. Aliás, todo mundo gostava de cantar na minha casa”, divide. “Meu pai gostava muito de esportes, principalmente futebol. Acho que os esportes preparam o indivíduo para viver na sociedade, repartir. No esporte coletivo, você divide o pão. Você brilha junto. Tem a exata noção do que é conviver em grupo, chora junto, briga, faz comida junto, viaja, vive para aquilo. O basquete me deu a base de tudo o que sou hoje. Levei para música, a base do esporte, que é exatamente a convivência. Hoje tenho outro grupo, divido com os músicos, produtores, outros cantores. O esporte é base para qualquer coisa na vida”.
Simone compartilha ainda, a relação da música com sua trajetória no esporte. “Depois do problema com os ligamentos, voltamos para São Paulo e treinávamos contra os meninos, para intensificar mesmo. Eu tinha uma bota de esparadrapo, que o único movimento que eu fazia era para frente e para trás, e a única maneira de machucar o meu pé, era alguém pisar e aconteceu. Achei que ali, não daria mais mesmo. Mas ainda não tinha nenhuma ligação com a música”, lembra. “A intenção de cantar eu já tinha, mas também tinha muita vergonha, só cantava com as meninas do time. Então, o período da seleção, foi muito pequeno em relação a convivência que tive com elas, mas foi lindo. Sempre fui tímida. A minha maior dificuldade para cantar na época, era a exposição, porque ali, era eu sozinha. Com as meninas, era com todo mundo, cantavam, batucavam, aí eu ia, mesmo com timidez”, completa a cantora, que viu o rumo da sua vida mudar em 1972, quando foi descoberta por um executivo da gravadora Odeon.
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