No elenco de ‘Ainda estou aqui’, Antonio Saboia fala de referências pessoais e expectiva do filme do ano para o Oscar


O ator vive Marcelo Rubens Paiva no longa de Walter Salles, estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, que estreia nesta quinta-feira (7), e vem fazendo uma bela campanha como representante brasileiro na corrida pelo Oscar 2025 e angariando prêmios. Tendo participado também da primeira fase da novela das nove da Globo, ‘Mania de você’, Antonio fala do convite para o filme vindo diretamente de Salles, de referências pessoais na composição, de expectivas para o Oscar, e diz que uma das coisas em comum com a história de Marcelo Rubens Paiva, foi o luto presente. O ator que perdeu os pais em circunstâncias diferentes, mas também muito duras, trabalhou nesse ponto de partida para seu composição no filme:”Perdi minha mãe em 2011, e meu pai em 2020. Perder os pais é algo que redefine absolutamente tudo em nossas vidas. Encontrei meios de fazer uma catarse, escrevendo, na terapia, no trabalho, e ‘Ainda Estou Aqui’ também me deu um pouco disso”

*Por Brunna Condini

‘Ainda estou aqui’, o badalado filme de Walter Salles, com Fernanda Torres e Selton Mello, estreia nesta quinta-feira (dia 7), mas mesmo antes disso já vem fazendo uma bela campanha como representante brasileiro na corrida pelo Oscar 2025 pela Academia Brasileira de Cinema. Fazendo uma participação especialíssima no filme do ano, como o escritor Marcelo Rubens Paiva (na fase adulta), o ator Antonio Saboia – que esteve na primeira fase de ‘Mania de Você’, trama das nove da Globo – conversou com o site e recorda o seu movimento no intuito de participar da produção. “Quando ‘Deserto Particular‘ foi lançado no Brasil, estava acompanhando a repercussão e sabia que o Walter tinha ficado empolgado com o filme que fiz. Consegui o e-mail dele através de uma amiga e mandei uma mensagem. Nos encontramos em uma livraria, falamos sobre cinema e também sobre ‘Ainda Estou Aqui’. No final da conversa, ele me entregou um roteiro, dizendo que queria que eu interpretasse o Marcelo. Demorei para acreditar no que tinha acabado de acontecer”, conta.

Baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva (um dos filhos de Rubens e Eunice), ‘Ainda estou aqui’ é passado em boa parte no Brasil da década de 1970, durante a ditadura militar. No filme acompanhamos a família Paiva, composta por Rubens, Eunice e seus cinco filhos, que de uma hora para outra, vai do céu ao inferno, ao ver o patriarca ser levado por militares e nunca mais voltar para casa. Corajosamente, Eunice busca pelo marido por décadas e se reinventa nessa jornada. Saboia diz que na preparação para o filme escreveu também sobre a sua mãe que já partiu, tal qual Marcelo, porque é um filme essencialmente sobre a mãe. Como foi essa experiência?

No elenco de 'Ainda estou aqui', Antonio Saboia fala do convite para o filme, de referências pessoais na composição e das expectivas para o Oscar (Foto: Johan Bertelli)

Antonio Saboia fala do encontro com Walter Salles e do seu trabalho no longa do ano (Foto: Johan Bertelli)

Nascido na França, filho de mãe franco-espanhola e pai brasileiro, o ator que passou a infância no Brasil, comenta: “Costumo fazer paralelos para entender certas coisas e ativar a imaginação, mas evito trazer sentimentos muito pessoais para os personagens que faço. Eunice e minha mãe são pessoas diferentes. O que me interessava era o processo de rememorar a mãe, mas também pensar na mulher fora do seu papel de mãe. Mamãe era filha de uma governanta espanhola, exilada na França na época do franquismo, e de um torneiro mecânico luxemburguês – que fugiu da terra natal anexada pela Alemanha para integrar a 2ª Divisão Blindada francesa, do General Leclerc, durante a Segunda Guerra Mundial. Minha mãe adorava o Brasil e, principalmente, o Nordeste. Eu era muito apegado a ela; era uma mulher que eu admirava muito, uma intelectual que trabalhava na EHESS (Escola de Altos Estudo em Ciências Sociais de Paris), um dos maiores centros de pesquisa cientifica da França, onde trabalhou com sociólogos e antropólogos como Edgar Morin, entre outros”.

Outro sentimento em comum com a história de Marcelo Rubens Paiva, foi o luto presente. O ator diz que perdeu seus pais em circunstâncias diferentes, mas também muito duras, e trabalhou nesse ponto de partida para o filme:

Antonio Saboia é Marcelo Rubens Paiva em 'Ainda estou aqui' (Foto: Sergio Santoian)

Antonio Saboia é Marcelo Rubens Paiva em ‘Ainda estou aqui’ (Foto: Sergio Santoian)

“Perdi minha mãe em 2011, e meu pai em 2020. Perder os pais é algo que redefine absolutamente tudo em nossas vidas. Nunca faltou carinho e amor em casa. Demorei mais tempo para me recuperar da morte do meu pai e não entendia o porquê, já que eu era próximo dos dois na mesma medida. Um dia, a mãe do meu melhor amigo, que é psicanalista e a quem considero como uma segunda mãe, me disse algo muito certeiro: “Quando você perdeu sua mãe, ainda tinha seu pai como pilar; agora os dois se foram. Você é órfão. É normal que a pressão seja maior”. Parece óbvio, mas foi um choque necessário ouvir isso. Encontrei meios de fazer uma catarse, escrevendo, na terapia, no trabalho, e ‘Ainda Estou Aqui‘ me deu um pouco disso, tanto com a mãe quanto com o pai”, confidencia Antonio, que preferiu detalhar como os pais partiram.

Ih, sobre o Oscar, sou supersticioso! Não crio expectativas, mas estou aqui de dedos cruzados e na torcida! – Antonio Saboia

"Costumo fazer paralelos para entender certas coisas e ativar a imaginação, mas evito trazer sentimentos muito pessoais para os personagens que faço" (Foto: Johan Bertelli)

“Costumo fazer paralelos para entender certas coisas e ativar a imaginação, mas evito trazer sentimentos muito pessoais para os personagens que faço” (Foto: Johan Bertelli)

Na pele de alguém que está por aqui

Saboia mergulhou na história da família Paiva e até se encontrou com Marcelo Rubens Paiva para realizar o trabalho. Com uma composição que passou tanto pelo emocional, quanto muito pelo físico, já que o escritor ficou tetraplégico aos 20 anos, o ator ‘treinou’ com a cadeira de rodas que usaria no filme um mês antes das filmagens, reinventando sua rotina. Através da experiência, ele conta que sentiu na pele o capacitismo e as dificuldades na rotina de alguém com deficiência neste mundo. “Essa experiência só veio confirmar ainda mais que a maioria das pessoas não está preocupada ou interessada no que não as afeta diretamente. Enquanto não olharmos para o todo, as coisas dificilmente vão evoluir. O clima, por exemplo,  é algo que afeta a todos, temos sinais claros de que as coisas não estão nada bem e, mesmo assim, seguimos fazendo o mínimo, alienados em nossa ‘bolha’. Por isso, o conceito de Estado Mínimo que uma parte da população defende é um desastre, pois dá total autonomia ao Capital que prioriza o lucro acima do bem-estar coletivo”, opina.

No final da conversa na livraria, Walter Salles me entregou um roteiro, dizendo que queria que eu interpretasse o Marcelo Rubens Paiva no filme. Demorei para acreditar no que tinha acabado de acontecer – Antonio Saboia

O ator fala da experiência no filme do ano (Foto: Jorge Bispo)

O ator fala da experiência no filme do ano (Foto: Jorge Bispo)

Marcelo Rubens Paiva, autor do livro 'Ainda estou aqui', que deu origem ao filme (Foto: acervo)

Marcelo Rubens Paiva, autor do livro ‘Ainda estou aqui’, que deu origem ao filme (Foto: acervo)

 

Do início até aqui

“Nasci na França e vim para o Brasil com meus pais e meu irmão quando tinha 3 anos. Moramos entre São Luís do Maranhão e Brasília durante seis anos e depois voltamos para a França. Ter essa biculturalidade é um presente, um baita privilégio. Ela expande nossa visão de mundo e nos permite sempre ter uma certa perspectiva sobre nós mesmos e o que nos rodeia. Acaba desmistificando muita coisa, incluindo essa ideia de que a ‘grama do vizinho’ é mais verde que a nossa”, expõe, ao revisitar a própria trajetória.

Sobre os 13 anos de carreira, ele resume: “Comecei no teatro na França aos 15 anos, tive a sorte de poder fazer um conservatório de teatro na Inglaterra, onde morei até os 22. O resto, foi aquela peregrinação de artista. As coisas começaram a acontecer um pouco mais a partir de 2011, quando participei de ‘O Lobo Atrás da Porta’ com Fernando Coimbra. Meu primeiro filme e do qual tenho muito orgulho”.

"A maioria das pessoas não está preocupada ou interessada no que não as afeta diretamente. Enquanto não olharmos para o todo, as coisas dificilmente vão evoluir" (Foto: Johan Bertelli)

“A maioria das pessoas não está preocupada ou interessada no que não as afeta diretamente. Enquanto não olharmos para o todo, as coisas dificilmente vão evoluir” (Foto: Johan Bertelli)