*por Vítor Antunes
De volta à TV, numa participação especial em “Vai na Fé”, Otávio Augusto também está no teatro com “A Tropa“, peça que trata sobre um ajuste de contas de uma família liderada por um pai hostil e ex-militar conservador. Na vida real, aos 60 anos de carreira, Otávio relembra o período da ditadura e a ocasião em que um camburão da polícia ficou estacionado na porta do teatro onde encenava “Encontro no Bar“, de Bráulio Pedroso (1931-1990). Diante do número crescente de não-atores que são barrados em projetos do audiovisual, Otávio, que já foi presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões (Sated), relata que a grita da classe teatral no que se relaciona a estes profissionais não regulamentados é antiga e depende de um posicionamento ativo da categoria. Segundo ele, “se a classe artística se acomodar não acontece nada”.
Na última semana, tornou-se pública a recusa do Sated em prover a emissão do DRT, ou seja, a autorização para trabalhar como ator, à influencer e ex-BBB Juliette Freire. Segundo o órgão, ela apresentou participações em peças publicitárias e não trabalhos como atriz, o que não é suficiente para prover a emissão do documento. Algo semelhante aconteceu com Rafa Kalimann e o cantor Belo. Além deste apontamento, Otávio fala que na época em que fora presidente do sindicato, reclamava-se também, por melhores condições de trabalho.
ATORES E NÃO-ATORES
Nos últimos meses tornou-se pública a queixa de que não-atores estariam sendo escalados para produções no audiovisual, o que motivou um posicionamento enérgico do sindicato da categoria. O cantor Belo teve negada a sua participação na série “Veronika”, da Globoplay, bem como, em “Vai na Fé“, a influenciadora digital e ex-BBB Rafa Kalimann. A artista estava escalada para participar de dois capítulos da trama e, segundo reportado na Folha de São Paulo, a ex-namorada de José Loreto chegou a gravar cenas, quando decorreu seu afastamento. Otávio Augusto, que também fará uma participação especial na novela, já foi presidente do Sated, e em duas ocasiões – uma vez entre 1975 e 1978 e outra entre 1985 e 1988. O ator sinaliza que esta reivindicação da classe no que tange aos atores sem formação não é nova, mas na época em que fora líder sindical, a queixa deles era majoritariamente ligada às melhores condições de trabalho. “A categoria sempre reclamou do ingresso de profissionais não formados. Porém, a grita maior no momento em que estive à frente do Sindicato era sobre a qualidade dos trabalhos. Como naquele momento não havia um grande movimento classista, isso mexeu com os profissionais, fazendo com que atores já inseridos na TV também se colocassem politicamente, em favor de seu ofício”, pontua.
A fala do ator encontra eco nos momentos históricos: Em 1978, a classe conseguiu ter a profissão regulamentada junto ao Governo Federal. Em sua segunda gestão, nos anos 1980, portanto, os atores reivindicaram melhores condições salariais e relações transparentes junto aos contratantes, especialmente com as TV’s. Em face da ausência de acordo, houve uma greve de artistas e técnicos. Novelas como “Carmem” e “Corpo Santo“, da Manchete, tiveram suas produções afetadas. Na Globo, tendo a produção da sucessora de “Sinhá Moça” inviabilizada, a emissora apelou para a reprise de “Locomotivas” (1977) no horário das 18h.
VIDAS CRUZADAS
Há 60 anos, quando estreou no teatro, o ator Otávio Augusto contou, na radionovela de Moyses Weltman (1932-1985), a saga de “Jerônimo, o Herói do Sertão”. À convite de Gustavo Pinheiro, autor de “A Tropa” retorna aos palcos a fim de celebrar seus 60 anos como artista. A montagem esteve em temporada na Casa de Cultura Laura Alvim, Rio, até outubro do ano passado e voltou, em janeiro ao cartaz no Teatro dos Quatro, na capital fluminense. Na peça, Augusto interpreta um homem autoritário, ex-militar, que, no leito de hospital, recebe a visita dos filhos e vê ali expostas as complexas relações familiares nas quais estão inseridos.
E não é apenas esta a celebração de Augusto. O ator também comemora os novos ares culturais do Brasil com uma nova gestão presidencial. “Acabou essa onda contrária à cultura que havia e isso é muito prazeroso. O público acolheu o espetáculo e ele foi ao encontro de algumas questões que estavam acontecendo, de alguns problemas que coincidiram em estar relatados ali e constavam nos jornais e revistas. Isso, de certa forma, ajudou a nossa peça – ainda que não fosse algo intencional discutir temas como estes. Surpreendentemente tivemos uma reação mais vibrante da plateia”. Tanto em “A Tropa”, como em “Eduardo e Mônica “, filme lançado em 2020, o ator interpreta um ex-militar reacionário. Temática que ainda não arrefeceu em um país polarizado politicamente.
Augusto define tanto a ditadura militar como a gestão federal encerrada em 2022 como “muito ruim não só para uma ou outra pessoa, mas para a maioria dos brasileiros. A pandemia do coronavírus trouxe muita insegurança, além da questão da saúde, onde as vacinas foram negligenciadas e tudo misturou-se. Nos jornais, na televisão, falava-se, também, de pessoas passando fome. Essa questão social se refletiu de maneira muito positiva no espetáculo e as pessoas começaram a discutir isso de maneira popular, aberta o que não era feita ainda. Estamos fazendo um grande sucesso, tanto que as pessoas estão solicitando que a montagem vá para outras cidades por conta da repercussão. E isso, realmente, nos deixa muito felizes”, comemora.
Tendo atravessado boa parte da sua carreira durante a ditadura militar, Otávio viveu experiências singulares, naquele momento histórico, especialmente durante a montagem de “Encontro no Bar”, de Bráulio Pedroso. Ao perceber que a esposa de um general estava dormindo num momento importante da peça, o ator diz haver pedido “respeitosamente, que acordassem-na por ser aquele um bonito momento do espetáculo. No dia seguinte havia um camburão na porta do teatro. Queriam proibir a encenação. A peça era meio metafórica e, ainda que supostamente se passasse num bar, na realidade era situada um hospital, coincidentemente como agora”, relembra.
Eu espero que agora possamos discutir a vida, o Brasil, o País e a cultura e de uma maneira positiva – Otávio Augusto
MATURIDADE E ESPAÇO
Na montagem de “Encontro no Bar”, Otávio Augusto era um garçom, num papel equivalente ao da sua idade, cerca de 30 anos. Os outros atores, Zanoni Ferrite (1946-1978) e Camilla Amado (1938-2021) faziam personagens mais maduros. Na peça “A Tropa”, o personagem tem uma idade compatível à do seu intérprete. Em 2020, na trama de “Salve-se Quem Puder”, Otávio viveu um idoso portador de Alzheimer, isso depois de estar afastado de uma novela completa desde 2016, “A Lei do Amor”. Ainda que se mantenha contratado à Globo, que vá fazer uma participação especial em “Vai na Fé” e tenha gravado “Salve-se”, parece cada vez mais rareada a presença dos atores veteranos na televisão. Otávio diz que “sempre é mais difícil para o ator mais velho, já que a televisão sempre opta pela correspondência a um tipo físico. o que temos é a falta de um espaço maior. Poderia haver uma obrigatoriedade de as emissoras produzirem mais histórias brasileiras, para incluir estes profissionais”, sugere.
Ainda bem que estou sempre trabalhando, sendo solicitado, e isso nos ajuda neste momento complicado de emprego, mas acho que essas coisas vão começar a entrar nos eixos… As emissoras vão produzir mais – Otávio Augusto
As gravações de “Salve-se Quem Puder” aconteceram em dois momentos bem distintos. Inicialmente, nos moldes tradicionais da indústria de teledramaturgia, e depois, paralisada por conta da pandemia, a obra de Daniel Ortiz passou por toda a sorte de mudanças. O artista relembra que “No início da trama havia nela tempestade natural, um furacão”, o que sempre demanda alto grau de dificuldade técnica e grande mobilização de figurantes. Depois, diante da pandemia, o personagem de Otávio Augusto precisou aparecer remotamente, em razão de, em face da idade, ele compor o grupo de risco . Inclusive sua esposa, a também atriz Cristina Müllins – entrou pro elenco do folhetim. O ator fala que “criou-se uma outra relação com o trabalho. Houve uma divisão para que pudéssemos produzir e preservar os atores. Isso era obrigatório e é algo que eu acho correto”.
UM BANDO DE ALUCINADOS
Um vampiro banguela que morava numa cidade praiana e era casado com uma ex-atriz de pornochanchada. Por mais que essa soma de referências pareça inacreditável, foi um dos maiores sucessos de 1991: “Vamp”. Na novela de Antônio Calmon, Otávio Augusto era Matoso, um vampiro que só tinha um canino. Segundo o ator, a falar de “vampiros não era algo comum naquela época. Calmon tem um humor ótimo e nos deu muita liberdade. Todo o elenco entrou num diapasão que deu muito certo. Fiz muitas novelas de comédia e geralmente eu invisto nas possibilidades de fazer humor, o que cria uma empatia maior e uma relação boa com o espectador. “Vamp” é um grande sucesso e até hoje as pessoas param para conversar e falar da novela. É algo muito gratificante”.
Nós, atores, éramos um bando de alucinados que iam no jogo da novela – Otávio Augusto
Diante de uma longa carreira, de uma estrada longamente percorrida, via de regra há um trabalho menos feliz, mais difícil, mais desventurado. Otávio diz não ter vivido isso. Pelo contrário. “Nunca fiz nenhum trabalho que não houvesse sido prazeroso. A gente começa a criar uma relação com o elenco, com os amigos. A nossa profissão exige isso, essa relação de amizade e bem estar entre nós. Esta é percebida pelo público e uma coisa puxa a outra”, diz. Tal como afirma o Grupo Galpão em uma de suas composições, que “o teatro revive dos atores”. O clima empático, de coleguismo, de entrega é o que faz nascer essa viva alquimia.
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