*por Vítor Antunes
Mais uma novela das 21h e mais um remake. “Renascer“, é uma releitura da trama exibida em 1993, e que marcou o retorno de Benedito Ruy Barbosa à Globo após o sucesso de “Pantanal“, na antiga TV Manchete. Dos três capítulos iniciais da primeira versão, o remake terá 14. Chance maior de conhecer os personagens que consolidarão a trama rural. Oportunidade, também, de se ter um maior aprofundamento sobre o núcleo do bordel de Jacutinga (Juliana Paes). Flor, personagem de Julia Lemos, é uma das residentes desse bordel, além de Morena (Uiliana Lima/Ana Cecília Costa) e Juliete (Flávia Barros), a casa das prostitutas também recebeu a protagonista da primeira fase, Maria Santa (Duda Santos), posta para fora de casa por haver beijado José Inocêncio (Humberto Carrão) e achar que pôde ter engravidado dele. Talvez possa soar anacrônico esse discurso aos dias de hoje, mas não é algo incomum. Na primeira versão da trama havia uma ótica muito masculina. Para esta, Júlia Lemos acredita que houve “um foco maior dentro da maneira feminina. Uma perspectiva diferente sobre como elas se comportariam no bordel, além de uma maior irmandade, uma sororidade, de como elas existiram naquele lugar. Uma visão menos sexualizada”. Aponta ela ainda, que “o texto original foi mantido, mas com atualizações para que coubessem no que acreditamos hoje como sociedade”.
Muito possivelmente, quando a nova novela das 19h, “Família é Tudo” estrear, “Renascer” ainda estará sendo exibida. Arlete Salles, aos 85 anos, viverá sua primeira protagonista na TV, ainda que esteja na telinha desde os anos 1950, no Recife – cidade natal de Júlia. Ainda que tenha um sotaque abrandado, Arlete nunca escondeu sua origem pernambucana. Para Júlia essa demora em eleger atrizes nordestinas como ela e Arlete ao protagonismo deve-se ao fato de “a TV sempre ser do eixo Rio-São Paulo e trazer a maioria das pessoas que vêm desse lugar. É legal ver que cada vez mais estamos ocupando espaço e as portas se abrem mais a cada projeto. Se hoje uma pessoa decide que quer ser artista, ela pode nos ver mais nas telas e notar que é possível, ainda que seja, definitivamente, mais difícil sair do Nordeste e vir para cá. É muito mais confortável nascer e crescer no Rio. As oportunidades e referências acontecem aqui e se perpetuou na TV um formato muito específico que não nos incluía”.
Segundo Julia, “Renascer” é uma exceção por conta da pluralidade. “Sou grata em ver esse cenário mudando. Na novela há atores nordestinos, nortistas, gente que veio pra cá para trabalhar nesta trama”.
Acho que é uma questão estrutural a dificuldade em nos inserir nestes trabalhos. Eu enquanto pessoa física não consigo apontar o cerne do problema, mas o que consigo falar é que vejo essa transformação, essas portas sendo abertas, e essa diminuição de resistência em dar protagonismo a atores nordestinos e a apagar seus sotaques – Julia Lemos
DIVERSIFICADA
“Pernambuco é um lugar tão diversificado que em seu nome não há nenhuma letra que se repita“. A frase, atribuída ao cantor Lenine, talvez ajude a compreender um pouco da personalidade de Júlia Lemos, que estreia em novelas vivendo a Flor, de “Renascer”. A menina, originária da Zona Oeste do Recife, do bairro do Caxangá, ainda está se acostumando a trabalhar e a comunicar-se como artista através da TV.
“É uma linguagem nova, um ambiente novo, no qual ainda estou me acostumando. O ritmo da TV é muito particular, então precisamos estar com tudo estudado para dar certo e que a dinâmica flua. Na hora de entrar em cena sempre dá um frio na barriga”, diz. Antes de dedicar-se à carreira de atriz, Júlia estudava Direito. Estava trabalhando e estagiando na área quando resolveu voltar-se a um antigo sonho “Durante a pandemia fiz cursos, testes online, peças neste formato, fui conhecendo pessoas que me guiaram nesse caminho e cheguei aqui”.
“Renascer” se passa em Ilhéus, Bahia. Por anos houve críticas ao que se chamava de “Nordeste da Globo”, em razão de um sotaque genérico, forçado, que os atores empregavam nas novelas. Cuidado que hoje está presente de forma mais marcante. “Tivemos aula de prosódia e fonoaudiologia em todo processo, acompanhados pela Iris Gomes da Costa, que incorpora os acentos regionais à nossa cadência, entendendo a nossa musicalidade. Isso nos ajuda a colocar o personagem em outro lugar, num diferente do meu”.
A Globo tem cuidado para que criemos esse sotaque para a região específica. Não existe fazer algo generalizado por que não existe um “sotaque nordestino”. São nove estados. É preciso que entendamos que mesmo na novela, o sotaque é diferente, é do sul da Bahia, que tem outra modulação e cadência. Espero que seja um produto tão bem recebido pelo publico como é bem cuidado pela casa – Júlia Lemos
Sobre o seu núcleo, atriz elogia Juliana Paes “pela troca e generosidade. Jacutinga é uma, digamos, ‘matriarca do bordel'”. Em se tratando do matriarcado, as mulheres são muito presentes na vida de Júlia. “Cresci numa casa feminina, num núcleo de afeto rodeado de arte, assistindo novela, indo ao teatro, vendo peças… É muito maluco na minha cabeça enxergar a mim fazendo uma novela. Sempre me vi como artista por escrever, por conectar a minha música, a minha arte e fazer dela a minha paixão. Esse desejo acabou por me levar à TV. Ver a mim nesse ciclo me permitiu ver a vida assim, nesse contínuo estado de poesia”.
Talvez esteja certo Lenine, quando diz que a diversidade pernambucana faz com que o nome do estado não tenha uma letra que se repita, ante à sua unicidade. Sua gente também é assim. Tem o próprio jeito de falar e de ser e sendo artista, não cabe a si outra opção senão ser plural. Júlia traz a Veneza brasileira na fala e em sua primeira novela, quer fazer renascer seu talento em cada capítulo. Da lua soberana de Madagascar cantada na abertura do folhetim, para o coração do Brasil.
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