*Por Karina Kuperman
Ninguém melhor que Mouhamed Harfouch para interpretar Ali em “Órfãos da terra”, trama das 18h. Em comum com seu personagem está a cultura árabe, da qual o ator é descendente. “A televisão, pelo seu alcance, fala com milhares de pessoas no Brasil e no mundo. É uma importante ferramenta de inclusão. Quando abordamos estes temas, que a princípio parecem distantes de nossa realidade, trazemos a possibilidade de gerar um debate, a oportunidade de reflexões, de conhecimento. Claro, que não conseguimos ir tão a fundo, mas servem para mostrar, por exemplo, que independente da cultura tudo aquilo que é humano nos toca. Ao falarmos de dor, amor, ódio, preconceito, tolerância, respeito, diferenças estamos também falando de nossa realidade. No fim, trabalhamos a empatia, ferramenta necessária e indispensável nos dias de hoje”, reflete ele, que, ao lado do elenco, viveu uma preparação intensa para abordar da melhor forma a questão dos refugiados.
“O processo envolveu workshops com palestras e depoimentos reais de refugiados – não só sírios, mas como congoleses também – fortes, tocantes, sensíveis que nos deram a dimensão de como é importante que existam políticas de apoio. São pessoas que perderam tudo, estão necessitando de ajuda, precisam ser abraçadas. É muito importante e corajoso a novela tocar neste assunto, pois não só desmistifica a questão em torno do refugiado como nos chama a atenção para esta crise humanitária mundial. O Brasil tem muito a ensinar pois ao longo da história sempre acolheu o imigrante, sempre os abraçou, e fez dessa intercessão sua riqueza, pois os que aqui chegaram ajudaram a impulsionar o comércio, desenvolver nossa agricultura, indústria, cultura… Essa pluralidade está em nosso DNA e esta é uma de nossas riquezas, sem dúvida alguma”, elogia.
E Mouhamed garante: sua vida mudou após se aproximar dessa questão. “Nosso olhar, nossa percepção sobre a urgência disso tudo evoluiu. É fácil pensar sobre ou falar sobre essa questão como algo distante, longe de nossa realidade. Mas não é. Nenhum deles acreditava que teria que abandonar suas vidas e se refugiarem em outro solo. O refugiado precisa de ajuda hoje, agora. São pessoas que não querem nada de graça, não querem ocupar ou tirar o lugar de ninguém, só querem o direito de recomeçar dignamente suas vidas e serem felizes”, diz.
Essa, aliás, não é a primeira vez que o ator interpreta um árabe nas telinhas. “Sei que a TV acaba trabalhando com rótulos, mas não me considero rotulado. Sou um ator em busca de boas histórias e cada uma delas foi rica e completamente diferentes, que me desafiaram como o Ali me desafia agora. O Ali se revelou uma surpresa. Tenho muito carinho por ele!”, diz. “Acho que meu nome foi importantíssimo para minha primeira oportunidade real na TV. Precisavam de um ator que falasse árabe, por consequência, em uma busca do produtor de elenco surgiu meu nome, ou seja, o fato de ter o nome árabe me abriu portas. O sucesso do personagem em ‘Pé na Jaca‘, que a principio seria uma participação de 10 capítulos fez com que o autor Carlos Lombardi mudasse a história me contratassem ate o final da trama. Depois veio outro personagem marcante árabe em ‘Cordel Encantado‘, que fez muito sucesso também e dentro de uma trama que foi um enorme sucesso”, lembra.
Outro sucesso foi “Amor à vida”, de 2013, em que ele viveu o médico árabe Pérsio. Assim como em “Órfãos da terra“, seu personagem se apaixonava por uma judia, mas ele afirma: as histórias são bem diferentes: “Lá, a trama era mais paralela do que esta. E não conseguimos nos aprofundar tanto na história de amor deles. O foco era mais a sua própria crença como impedimento para uma relação. Eles se apaixonaram, mas esbarravam em suas dificuldades pessoais em aceitar suas diferenças. Em ‘Órfaos da Terra‘, o casal se ama e não tem esse preconceito com relação às origens. Isto está representado pelos seus avós que não se toleram e não querem aceitar o amor de seus netos, ali tem uma poesia ligada ao amor mas também ao humor. Há uma leveza maior ao tratar desta questão do que em ‘Amor à vida’“.
Além de ator, no ano passado o público pôde conhecer outro talento de Mouhamed: a música. Ele foi um dos finalistas do reality global “Popstar“. “Foi a aventura mais deliciosa e difícil da minha vida, me joguei completamente de cabeça. Amo música, já tive banda e componho há mais de 15 anos. Já tinha feito um musical da Broadway no teatro, mas nada se compara a cantar ao vivo numa competição para milhares de pessoas. Foi um aprendizado imenso. Tinha um sonho de chegar à final mas não acreditava ser possível, porque tinha muita gente talentosa e preparada competindo. Chegar à final e conquistar esse sonho foi realizador. O ‘Popstar‘ foi um exercício de auto-superação e conhecimento. Saí infinitamente mais forte dali, não só como cantor, mas como artista e ser humano”, reflete ele, que, ao aceitar o convite, sabia que sairia de sua zona de conforto. “Esse foi um dos motivos que me levaram a topar. Quis me desafiar, explorar algo da qual não fazia ideia de como me sairia. No fim, fica o aprendizado que toda vez que nos colocamos à prova, toda vez que nos desafiamos, aprendemos que nosso limite e nossa força vai muito além do que podemos imaginar. Essa superação dá colorido à vida e nos motiva a ir além”, garante.
Mas quem pensa que ele é iniciante se engana: em 2016, Mouhamed lançou até um EP. “Chamava ‘Flores Pisadas’ só com minhas canções autorais. Fiz totalmente independente e sem pretensões. Foi um registro que queria e que me ajudou muito. O desafio de entrar no estúdio e me preparar para gravar estas faixas me ajudaram muito quando tive de encarar o ‘Popstar‘. Tudo na vida é uma construção, aprendizado. Este trabalho foi numa pegada mais MPB misturado com Pop/Rock e um certo regionalismo presentes nos acordeons”, conta ele, que já tem mais projetos na música engatilhados: “Quando acabei o ‘Popstar‘, queria muito retribuir o público que me abraçou e me levou tão longe, chamei o Marcelo Sussekind, um dos meus produtores no programa e, de quebra, um dos maiores – se não o maior, – produtor de rock, com inúmeros sucessos na bagagem. Levei algumas de minhas canções para que ele que adorou e escolheu 3 faixas para produzir. Uma delas ‘Volta’ será lançada dia 2 de agosto pela Som Livre. Minha intenção? Agradecer e celebrar a música, e claro, contar mais uma história na minha vida”.
Vendo onde ele já chegou, é difícil pensar que Mouhamed já achou que a carreira poderia não dar certo. “Me formei em Direito, tirei minha carteira da OAB, resolvi dar dois anos para acontecer como ator, se as coisas fossem bem, largaria o Direito. E assim foi feito. Nestes dois anos fui passando em alguns testes para comercias e entrei para o programa ‘Teca‘, na TV, fazendo o Romeu. Um programa que fez muito sucesso com as crianças no Canal Futura, até hoje sou parado às vezes por hoje adultos que me falam: ‘Você é o tio Romeu! Assistia e era sua fã’. Conclusão? Estou ficando velho”, brinca.
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