No ar em “Éramos seis”, Izak Dahora analisa fenômeno das redes sociais: “Aguçam um desejo pela fama que é perigoso”


O intérprete do mecânico Tião na novela é professor na vida real e autor do livro “Arte total brasileira: a teatralidade do ‘Maior Show da Terra”, um desdobramento de sua pesquisa acadêmica sobre a teatralidade dos desfiles das escolas de samba. “Não é hipocrisia, todos nós artistas, por exemplo, mesmo não artistas, precisamos hoje interagir com as redes, para atingirmos nossos públicos, nossos nichos de mercado. A sobrevivência em tempos de flexibilização (ou precarização) do mercado de trabalho passa muito pela esfera digital, mas ao mesmo tempo existem certas armadilhas, excessos e distorções aos quais precisamos ficar atentos, não é?, questiona

*Por Karina Kuperman

Com o carnaval chegando, o ator Izak Dahora vai ficar com a rotina ainda mais cheia. Isso porque o intérprete do mecânico Tião de “Éramos Seis“, não abre mão de participar da festa. Autor do livro “Arte total brasileira: a teatralidade do ‘Maior Show da Terra“, um desdobramento de sua pesquisa acadêmica sobre a teatralidade dos desfiles das escolas de samba, no ano passado, Izak foi também autor da sinopse do enredo da Acadêmicos do Grande Rio, integrando a equipe dos carnavalescos Renato e Márcia Lage.

“Este ano não estou trabalhando no carnaval das escolas. Em 2019, após os desfiles fiquei muito envolvido com as tarefas como ator, entre outros projetos, como novela, faculdade, peça, divulgação do livro… Como faço vários trabalhos, eu tenho que focar em um grupo de projetos de cada vez. E com a mudança do Renato e da Márcia Lage (carnavalescos que me convidaram no ano passado para trabalhar) para outra agremiação, com outra estrutura, entendi que o carnaval 2020 seria para eu seguir com o meu olhar de pesquisador, apenas. E está ótimo, graças a Deus, não posso reclamar”, afirma ele, que lembra com carinho da experiência.

Izak integrou a equipe de criação do enredo da Grande Rio n ano passado (Foto: Lukas Alencar)

“Foi extraordinário! Ver aquele mar de gente entrando na Avenida para vestir fantasias e alegorias de cujo projeto participei e no qual colaborei escrevendo sinopse e defendendo o texto de ala por ala do roteiro de desfile é uma dádiva e uma responsabilidade. Tive o privilégio de reuniões com Renato e Márcia Lage, ouvindo suas ideias, opinando e traduzindo aquilo tudo em texto. Pude compartilhar do processo de criação deles e ver os esboços de cada ala e alegoria antes da toda a comunidade. Realmente uma experiência muito importante para quem aprecia o espetáculo do carnaval das escolas de samba e que deseja ter sempre a oportunidade de contribuir com aquilo que sei fazer: meu olhar teatral e narrativo. Como sou um esteta, aprecio sobretudo a manifestação dupla de criatividade e alegria de cada desfilante, folião, brincante. Já se disse que o homem só é homem quando brinca. E o carnaval é período que nos permite esse estado de jogo, de espontaneidade, de manifestação de nossos desejos e verdades. Com amor e respeito ao próximo, claro, o carnaval está aí para ser celebrado, brincado!”, analisa.

Izak acredita, com toda força, que a festa deva ser valorizada como merece e diz: “Espero um carnaval de muita superação dos artistas, foliões e profissionais do carnaval em função não só da crise econômica, mas também da influência ideológica contrária à diversidade cultural e que é anti-carnavalesca. Esse ambiente de contrariedade cultural têm-se demonstrado em especial no Rio de Janeiro (inclusive na gestão pública) quanto ao carnaval, que é um patrimônio cultural brasileiro e que deve(ria) ser respeitado, incentivado e valorizado. O menosprezo e mesmo a perseguição ao carnaval é, além de tudo, um contrassenso econômico, porque essa festa gera receitas importantíssimas”.

O ator ganhou notoriedade quando viveu o Saci do “Sítio do Picapau Amarelo” (Foto: Lukas Alencar)

Izak Dahora ganhou notoriedade nacional quando interpretou o inesquecível Saci do “Sítio do Picapau Amarelo“, entre 2001 e 2006. Ao longo de sua carreira, atuou em séries e novelas como “Os dias eram assim”, “O sexo e as negas”, “Os mutantes” e o “O astro” e reserva um tempo para dedicar-se a nobre atitude de lecionar. Professor no curso de licenciatura em teatro da Universidade Estácio de Sá, ele tem uma vida atribulada, mas confessa aprender muito no processo de ensinar.

“É um grande alimento, algo que nos renova diariamente, desde a preparação de cada aula, pesquisando de acordo com as necessidades, anseios e desafios de cada turma, até a lida direta com os alunos em sala. Como atuo desde os dez anos, lecionar é um desdobramento da experiência artística pelo qual sou apaixonado e que me ajuda, inclusive, a manter o frescor e o interesse agudo pelo ofício e pela arte em geral – porque professor ensina e está sempre aprendendo”, garante ele, que vai além: “A geração que vem é talentosa, aguerrida, ainda mais em momento tão árido para a cultura. O único ponto de ‘sinal amarelo’ que eu considero é quanto a um desinteresse social pela leitura que acaba afetando os novos atores também. O uso excessivo de aparelhos e mídias digitais contribuem muito para isso, evidentemente”.

Para ele, as redes sociais também geram uma busca perigosa: “Elas aguçam um desejo pela fama que é perigoso, porque muitas vezes suprime o trabalho e o tempo das coisas. E esse é um fenômeno geral. Por exemplo, há algum tempo acabei parando na página de uma dentista na rede social, em que ela se apresentava como dentista no perfil, mas não havia nenhuma foto dela em consultório, clinicando, com um livro ou material da área, um jalequinho, nada. Nenhuma foto. Só fotos muitíssimo bem produzidas de moda praia etc. Aí me perguntei: e o trabalho dela? Será que ela não gosta do que faz? Será que para uma dentista é realmente necessário tantas fotos sensuais que a exibam para gerar mais likes e seguidores?”, questiona ele, que ainda pondera: “Não é hipocrisia, todos nós artistas, por exemplo, mesmo não artistas, precisamos hoje interagir com as redes, para atingirmos nossos públicos, nossos nichos de mercado. A sobrevivência em tempos de flexibilização (ou precarização) do mercado de trabalho passa muito pela esfera digital, mas ao mesmo tempo existem certas armadilhas, excessos e distorções aos quais precisamos ficar atentos, não é?”.

Izak analisa o fenômeno das redes sociais e como isso impacta a vida do ator (Foto: Lukas Alencar)

Izak se entendeu como ator depois de viver o Saci em “Sítio do Picapau Amarelo” por cinco anos. De acordo com ele, foi ali que sua vida profissional se afirmou de vez. “Tenho muitas lembranças positivas! Não houve apenas um elemento marcante. Sem dúvida, o aprendizado da técnica televisiva e os laços definitivos com colegas de elenco são marcas muito profundas”, analisa ele, que sabe: muito mudou daquela época para cá. “O fenômeno das redes sociais tornou-se realmente um campo a ser explorado da melhor forma possível pelos artistas, e para algo muito mais simples e além do narcisismo, creio eu, que é o contato mais dinâmico e ‘próximo’ com o público (ainda que virtual). A rede é hoje para o artista lugar de apresentação do seu material de trabalho e das suas ideias, por exemplo. Mas tudo tem seu “porém”, e a exposição mais elevada é algo realmente que gera certos cuidados. É aquela dicotomia, coisas boas e coisas não tão boas; a rede favorece a ação de perfis falsos e fake-news mas também gera um local de lançamento de opiniões tão imediato que é, em certa medida, interessante para o artista, especialmente para aquele faz TV, novela. Tento fazer com que minhas postagens sejam muito bem escolhidas e, sempre que possível, pontuais, que abordem prioritariamente meus trabalhos e mensagens positivas ou de relevância social. Claro que com algumas aberturas para a pessoalidade do artista também. O público deseja saber quem é a pessoa por trás dos personagens”, analisa.

Ser um ator negro – Izak sabe – gera certos estigmas. Papéis em que aparece segurando uma arma ou com cara de mau são os mais comuns, mas, de acordo com ele, é importante saber fazer determinadas escolhas. Acho muito importante quando o artista ou profissional alcança maturidade e independência para fazer escolhas, como em relação a que projetos e papeis fazer. Até porque o simbolismo de uma representação transcende a relação ator-personagem, tem a ver com toda uma questão histórica e cultural, como a representação tradicional do negro ainda comprova. E é muito delicada e complexa essa questão, porque existe realmente esse estereótipo da figura do negro no imaginário social/coletivo, que é corroborado muitas vezes pela dramaturgia nos papeis mais emblemáticos destinados a intérpretes negros, e as outras possibilidades de personagens negros (médicos, advogados, professores etc) nem sempre são decisivos ou relevantes dentro das tramas”, diz.

Ele vive o mecânico Tião em “Éramos seis” (Foto: Lukas Alencar)

“Ou seja, a luta de nós negros quanto à nossa representação na dramaturgia tem ainda muito chão a ser percorrido e tem que ver com conquista de espaço e de uma maior qualidade ou diversidade de representação do negro, que o mostre mais vezes e de forma protagônica nas inúmeras possibilidades do negro na sociedade, que não são certamente circunscritos ao lugar da subalternidade ou da marginalização”, explica ele, que não chegou a viver muitos personagens nesse sentido. “Minha caminhada para além da TV, no teatro e no cinema têm me oferecido a oportunidade de viver personagens ainda mais complexos, contraditórios, como o ativismo de luta armada de Malcom X (na peça “O encontro – Malcom X e Martin Luther King Jr.”), além de sambista (e certo machismo), policial disfarçado de professor de teatro em comunidade, ladrão, torturador da ditadura militar etc. E na TV tenho feito também personagens interessantes, com história pra contar (médico, mecânico, violinista de orquestra, funkeiro etc)”, explica.

“O que acontece é que na TV, um veículo que gera maior visibilidade, o ator costuma ficar identificado a um espectro mais curto de papeis, provavelmente pelo imediatismo do veículo que não oferece muito tempo para a experimentação. E, nisso, a nossa energia mais natural, digamos, costuma ser utilizada para papeis de um registro mais ou menos próximos a nós. A margem para o risco não parece ser tão grande na TV, exceto em alguns casos. E como eu não sou visto como alguém que tem cara de mau, eu sorri bastante, talvez não me associem a esse modelo de personagem. Mas o meu entendimento e desejo como intérprete é sempre pela diversificação. Sou ator para isso. Como creio que carregamos todas as possibilidades dentro de nós, vejo e tenho confiança de que como ator posso fazer tanto um santo assim como um bandido perverso”, garante.

Para “Éramos Seis”, Izak vive o mecânico Tião, que tem muitas facetas. Uma delas, por exemplo, é o violino, instrumento que o intérprete domina. “É uma emoção, alegria e uma gratidão poder tocar em cena. O violino percorre toda a minha trajetória como ator. Os diretores e autores quando descobrem que eu toco criam logo alguma coisa, o que para mim é uma maravilha. Penso que o violino aprofundou a dramaticidade do personagem durante a Revolução Constitucionalista retratada na novela – vocês verão e entenderão. Tião revela um grande conflito com a guerra, uma voz, inclusive, muito sábia na falta de instrução dele, porque observa o despreparo das tropas de São Paulo para aquele conflito sangrento em que morrem pessoas que não tem nada a ver com as decisões políticas – como sempre. Muito por conta da responsabilidade que tem na sua vida – a criação da irmã -, Tião é contra a guerra, mas vai movido pela luta democrática que incendeia os jovens da trama. Ele é de uma sensibilidade e cuidado que se mostram intensamente nesse momento da história”, elogia. ” “O violino em ‘Éramos seis’, sugestão do preparador de elenco, Antônio Karnewale, acabou contribuindo para uma expansão dramatúrgica do personagem porque expôs a sensibilidade dele frente à guerra (que é um evento sempre absurdo, de horror, de falência daquilo que o homem tem de melhor, o amor, a criação, a paz). Com isso, Tião ganhou uma dimensão muito ainda mais profunda e humana”.