*por Vítor Antunes
Cinco vezes em glória! Gloria Pires está no ar em duas novelas na Globo. “Mulheres de Areia“, está em sua mais nova reexibição e vem pontuando bem, consolidando a audiência da Globo num horário que sempre foi problemático. Na novela de 1993, diferente do que parece, Gloria não faz apenas duas personagens, mas quatro: Ruth, Raquel, Raquel imitando a Ruth e Ruth imitando a Raquel, num filigrana de interpretação que lhe valeu muitos prêmios naquele momento. Além desta novela, está no ar com “Terra e Paixão“, de Walcyr Carrasco, sua segunda novela do autor. A complexidade de Irene, para Gloria, é uma riqueza dramatúrgica: “Um sonho para qualquer atriz”, define. “Terra e Paixão“, além de tudo, é um marco para Gloria Pires, não apenas por sua personagem ou pela obra, mas por ser a sua última novela na Globo neste formato de contratos longos. Ao fim da trama, ela não terá seu contrato renovado e passará a trabalhar por obra. Essa nova fase é vista com naturalidade pela atriz, que espera lançar-se em outros desafios, como o de mergulhar ainda mais ativamente como produtora e diretora.
Tão logo seja encerrada a novela, Glória dirigirá seu primeiro longa ficcional, “Sexa!” – no ano passado dirigiu um documentário sobre o Balé Folclórico da Bahia. Antes disso, a experiência como diretora havia sido episódica, à frente do clipe musical de “A Montanha e a Chuva“, canção do seu marido Orlando Morais. Nesta entrevista, Gloria revisita sonhos, novelas não tão bem sucedidas assim e a releitura de “Vale Tudo“, um dos maiores sucessos não apenas da sua própria história, mas da história da teledramaturgia brasileira: “Um desafio”. Inclusive, tratando-se de “Vale Tudo“, a atriz fala sobre a relação de afeto e gratidão que teve para com Gilberto Braga (1945-2021). “Essa questão da visibilidade que se fala hoje foi o que vivi com ele. Tenho só gratidão”. Pensadora de seu tempo, a atriz também acha que as redes sociais são algo indomável: “Um trem desgovernado, quem colocará nos trilhos?”
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“Daqui a 20 anos permanecerei sendo uma pessoa íntegra. Não permitirei que a vida nos arranque pedaços”. A frase foi dita por Gloria em 1980. Há 43 anos, portanto. E assim pautou todos esses anos. Aliás, esse sentimento e consciência que talvez a tenham trazido tão potente e admirável até aqui, aos 60 anos e 51 de carreira – se considerarmos “Selva de Pedra” como seu primeiro trabalho em TV. Em 1978, ela já afirmava: “Ser artista é coisa que está no sangue. Tem gente que não crê nessa história de dom, mas sem ele nada é possível”. Filha de Antonio Carlos Pires (1927-2005), Gloria teve esse talento transmitido via sangue e via Embratel. Naquele ano de 1978, fez seu primeiro papel de destaque, a Marisa de “Dancin’ Days“, e foi atriz ícone de Gilberto Braga (1945-2021), imorredouro autor. “Aos 14 anos, ele viu em mim algo que eu não sabia que possuía. Essa questão da visibilidade que se fala hoje, foi o que vivi com ele. Cresci muito, pessoal e artisticamente com Gilberto. A ele tenho só gratidão”.
Com uma carreira consolidada, Gloria está mais uma vez em uma novela das 21h. Esta será a última sua na Globo, num contrato mais longevo, como o que fizera depois de haver estado, especialmente, em “Dancin’ Days“, ainda que sua primeira novela seja de 1972. Perguntamos à atriz sobre como ela lida com o fim desse vínculo à Globo depois de 50 anos. “Acho que vai ser muito bom”. Quanto à atual novela, escrita por Walcyr Carrasco, diz ser “um presentaço! Destrinchar a humanidade que se esconde sob a aparente superficialidade da vilania”. Grata, ela destaca a importância de outras pessoas que compõem a novela e que também são relevantes “Não posso deixar de citar a condução precisa do Luís Henrique Rios e toda a equipe de diretores – João Paulo Jabour, Tande Bressane, Jefferson De, Juliana Vicente, Emmer Lavinni, Joana Clark e das preparadoras Maria Beta Perez, Tatiana Muniz e Leila Mendes. São fundamentais para esse bom resultado”.Pelo menos desde o último mês tem sido corrente a história de que “Vale Tudo“, sucesso de 1988, ganhará um remake. Não são poucas as apostas sobre quem vai viver Maria de Fátima e Odete Roitman. Na opinião de Gloria Pires refazer uma novela como essa impele em riscos. “Me faz pensar que será um desafio suplantar o que foi feito”.
“Vale Tudo“, assim como “Mulheres de Areia” ou “Anjo Mau” são, incontestavelmente, novelas de sucesso. Uma sintonia fina e precisa entre atores, elenco, autores e produção. Perguntamos para Gloria Pires se houve alguma obra marcada pelo desacerto e, para tal citamos como exemplo três novelas que, declaradamente, ela relatou ter havido problemas. Quer em entrevistas, quer em sua própria biografia – algo como o ocorrido em “O Rei do Gado“, “Partido Alto” e “Suave Veneno“. Ela, polida, confirmou não apenas estas, mas também outras, “mas acho deselegante falar assim, por alto”, frisa.
QUINTA REEXIBIÇÃO DE ‘MULHERES DE AREIA’
Ainda tratando-se do tempo, 30 anos depois de sua transmissão original, “Mulheres de Areia” voltou ao ar, na TV aberta, e com um incontestável sucesso, na quinta reexibição. Como é flagrar-se diante desse trabalho e da complexidades que ele lhe trouxe à época? “Muito interessante poder me rever aos 30 anos e constatar que novela boa é novela com cenas fortes, direção atuante e elenco preciso. Contar a história de maneira simples é o que faz a magia acontecer”. Nesta trama, a música-tema de Ruth era, também, canção especial feita para a musa. Orlando Morais, no início de seu relacionamento com Gloria Pires, era muitas vezes tratado pela imprensa como “namorado da atriz”. Como resposta, ele não trouxe aspereza, mas poesia: “A mim não me importa ser a sombra, quando você é a figura. Ser a situação, quando você é o assunto“. O belo trecho da canção é uma das que Gloria mais gosta. Mas não a única. “Ninguém melhor que o poeta para explicar as intenções, contidas nos seus versos… Há inúmeras imagens que ele coloca em sua poesia que me tocam muito”. Por esta razão, Gloria enviou para o site Heloisa Tolipan com exclusividade uma playlist com músicas de Orlando Morais que mais a emocionam.
O AMOR E A ‘VOVÓ GLORINHA’
Nos anos 1990, mais precisamente em 1995, Gloria estreou como diretora cinematográfica. E esse début não poderia ser diferente. Fez para o Fantástico o clipe de “A Montanha e a Chuva“, música de Orlando Morais. Desde então, dirigir não esteve de forma tão presente na vida da atriz, a contrário de agora. “Em 2022, dirigi um longa documental sobre o Balé Folclórico da Bahia, que agora está em fase de montagem. Após a novela “Terra e Paixão“, farei um longa ficcional, “Sexa!”, contando a história de Bárbara, uma mulher que está se redescobrindo aos 60 anos. Estou muito animada!”. Em todos esses projetos, ela irá estar, também como produtora, através da sua empresa, a Audaz. Além dos já citados, haverá outro que contará com o Whindersson Nunes no elenco, e que ainda não tem nome definido.
Sobre o casamento de 35 anos com Orlando Morais, Gloria diz que o segredo reside no empenho, na admiração, na dor, na decepção, no perdão, na paixão, nos desencontros, nas redescobertas… Num universo de sentimentos a serem administrados por duas pessoas que decidem ficar juntas. Sobretudo, confiança no outro e fé no futuro, na parceria”.
Acredito mesmo é no amor maior. No sentimento de cada um por todos. Conhecendo esse amor geral, a gente consegue amar em particular – Glória Pires, em 1980
Trabalhando desde muito jovem, perguntamos como Gloria enxerga essa nova geração, cheia de techs, coachs e mindsets. Fora isso, como ela vê o ambiente hostil pelo qual as redes sociais costumam transitar? “Acho que os coaches tem um olhar específico para o resultado esperado. Afinal, ninguém nunca está verdadeiramente preparado. Tudo é uma construção. Agora, quanto às redes sociais, penso que é algo difícil. É como colocar nos trilhos um trem descarrilhado”.
Em entrevista ao Site Heloisa Tolipan no ano passado, Gloria relembrou um de seus maiores amigos. O ator Lauro Corona (1957-1989). “Ele era oito anos mais velho que eu, me protegia, tinha comigo um cuidado, tínhamos muita admiração um pelo outro, a gente se adorava. Eu o levei para desfilar na Portela, ele se mudou para uma casa que era ao lado da minha, no Recreio dos Bandeirantes. Nós morávamos quase que no mesmo terreno. O que fica de recordação é que em determinadas situações eu fico pensando ‘e se o Laurinho estivesse aqui o que a gente estaria falando sobre isso?’. Outra lembrança recorrente tem muito a ver comigo atualmente. Ele me chamava de ‘Vovó Glorinha’. Dizia que enquanto todo mundo estava pirando, enlouquecendo, a Vovó Glorinha estava lá, na ‘charretezinha’ devagarzinho, no canto dela… Ele era uma pessoa de visão”.
Trouxemos essa fala de volta por que, perguntada sobre qual o seu maior sonho ainda não realizado, Gloria nem titubeou: “Ser avó”. A jornalista Dalce Maria, da Revista Fatos e Fotos, em 1978, ao definir a atriz, disse que “contra as angústias de ser mito, quando nem bem chegou à adolescência, Gloria tem talvez a arma mais potente: uma alma emocional de adulto, de careca de velho, por trás de um grande equilíbrio”. É sobre esse equilíbrio que hoje sonha ‘vovó Glorinha’, em sua charretezinha, cruzando sobre os raios e antenas de TV. Mais que íntegra. Uma mulher integral.
Seleção – As músicas de Orlando Morais, favoritas de Gloria Pires
Do centro rumo ao logrador, o suburbio desse coração – (“Logrador”, Orlando Morais)
Sonora
Figura (Tema de Mulheres de Areia)
Impar
Na Paz (Tema de Desejos de Mulher)
Tanto Céu
Quase
Passou
Poderoso Chefão, Canção 2
Cruzando Raios (Tema de Anjo Mau)
A Montanha e a Chuva (Tema de Explode Coração)
Divinamente Nua a Lua (Tema de Pantanal [1990])
A Rota do individuo
Gamela
Bate Longe
Oreille Elephant
Abarika
Doidinha Minha
Lado a Lado
Um Amor Assim
Vem não vem
Tempo Bom
Tanto faz
Costura
O que vem a ser felicidade (Tema de “O Rei do Gado)
O Abismo Zen
Silêncio
Amolador
Agora
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