No ar em ‘Bambolê’, Guilherme Leme Garcia dedica-se à direção teatral e diz não gostar da exposição da TV


Figura icônica na TV e sex symbol dos anos 80, ele está longe da TV desde 2016, mas atua como diretor de teatro e anuncia três de seus projetos que ocuparão os tablados. Além disto, o ator fala sobre o aprendizado que teve ao descobrir um câncer, há 10 anos, como enxerga os jovens atores e suas relações com as redes sociais: “Acho ruim quando sabermos que escalações de elenco são feitas a partir do número de seguidores. Não é medido o talento do artista, mas seu engajamento nas redes”

*por Vítor Antunes

No ar em “Bambolê”, trama de 1987 exibida atualmente pelo Canal Viva, Guilherme Leme Garcia não faz novelas desde 2016, quando esteve no elenco de “A Terra Prometida“, da RecordTV. Desde então, o artista mergulhou ainda mais no segmento teatral, especialmente como diretor, e nota cada vez mais esparsas as suas participações como ator, quer no teatro, quer na televisão. Há aí, também, um fator pessoal. “Hoje me sinto mais confortável como diretor que como ator”, afirma. Sobre o assédio do qual fora alvo em vários momentos de sua carreira na TV, especialmente entre o fim dos anos 1980 e o início dos 1990, o artista pondera: “Eu achava engraçada aquela história toda [de ser sex symbol]. E essa coisa de virar celebridade é meio enganosa, porque as pessoas nos veem na TV e acabam nos transformando em seres meio mitológicos… Eu não gosto disso, não. Sou meio avesso à popularidade, de ser galã e capa de revista, eu não gosto muito de exposição”, revela.

Este 2023, também marca os 10 anos da cura do câncer do qual Guilherme convivera. O ator manifestou-o na garganta. Segundo ele, “não posso dizer que o câncer me transformou, não. Mas, foi um aprendizado. Ensinou-me que coisas desagradáveis acontecem na vida de qualquer pessoa e que temos que lutar vencer, que seja uma doença ou qualquer outra coisa. Eu lutei até que me curei, estou zerado e espero que não pronto para outra”, revela.

Eu faço muito poucos trabalhos de ator de uns 10 anos para cá, ainda que tenha feito uma uma novela na Record. Eu me afastei da TV, ela se afastou de mim e estou bem fazendo teatro – Guilherme Leme Garcia

O ator também fala sobre a razão de ter adicionado um sobrenome àquele com o qual se fez conhecido e assinar artisticamente como Guilherme Leme Garcia, e não apenas Guilherme Leme. Trata-se de uma homenagem que fez ao seu pai, que convivia com uma doença degenerativa que o fazia perder a memória. “Quis homenageá-lo em vida e coloquei o seu sobrenome ao meu nome artístico, já que sempre usei o Leme, que era da minha mãe”.

Quando percebemos que sua memória estava num caminho sem volta quis homenageá-lo em vida e coloquei o Garcia, já que eu sempre usei o “Leme “. [A troca de nomes] deu uma certa confusão, mas há uma hora que o povo aprende – Guilherme Leme Garcia

Guilherme anuncia que seus próximos trabalhos serão uma ópera em português baseada no clássico “Tristão e Isolda” – do qual será diretor e criador -, além de uma adaptação em forma de monólogo para ser encenado por Vera Zimmerman sobre Diadorim, a grande personagem feminina de “Grande Sertão: Veredas“, livro de Guimarães Rosa. Também promete para o ano vindouro uma versão hip hop e urbana para o clássico de Shakespeare, Hamlet.

Guilherme Leme: dedicando-se mais à direção, ator está desde 2016 fora da TV (Foto: Divulgação)

SEE YOU LATER, ALLIGATOR!

O clássico do Rockabilly, cantado por Bill Haley (1925-1981) e citado acima era, não por acaso, tema de Alligator, personagem de Guilherme Leme Garcia em “Bambolê”. A trama, única obra solo de Daniel Más (1944-1989), e, atualmente, em reprise no Canal Viva, era ambientada nos anos 1950, e marcou a estreia do ator na teledramaturgia global. Sobre a sua chegada à novela oitentista, o ator relembra que “a diretora de elenco era a Maria Carmem Barbosa, e ela assistiu um comercial que fiz. Através da agência chegou até mim, falando sobre um teste. Até então eu nem sabia para o que era. Só depois vim a saber que era para “Bambolê“, para o qual fui aprovado. Era a minha primeira novela e eu nunca tinha tido contato com estúdio de gravação, com a grandiosidade da Globo”, relembra.

Acerca de seu personagem, Leme diz ter havido uma troca de ideias entre ele e o falecido autor. Alligator, inclusive, era o primeiro dos vários bad-boys e/ou vilões que Guilherme interpretaria na TV. “Eu nunca havia vivido um bad boy ate então. Houve uma hora que meu personagem ficou mau demais e o autor percebeu-se disso e humanizou-o, fazendo-o apaixonar-se por aquela vivida por Mila Moreira (1946-2021), uma mulher mais madura.

Guilherme leme Garcia, o Alligator de “Bambolê”. Novela de 1987 está sendo exibida pelo Viva (Foto: Nelson di Rago/TV Globo)

Logo em seguida à exibição de “Bambolê”, Leme esteve em “Bebê a Bordo” (1988), um de seus maiores sucessos na televisão, e uma das novelas mais representativas dos 80’s. Quando foi reprisada pelo Canal Viva, em 2018, a novela foi duramente editada em razão da sua baixa audiência. A única na História do canal a passar por tal expediente. A esta baixa repercussão, atribuiu-se à intensa sexualização da trama, a violência e mesmo aquela que era a sua principal virtude em sua primeira exibição, a anarquia.

Na trama de Carlos Lombardi, Guilherme Leme Garcia e Guilherme Fontes viviam os irmãos Rico e Rei, respectivamente, que popularizaram a expressão “levar uns coelhos“, como sinônimo de “transar”. O clima sexual entre os irmãos e suas namoradas e ficantes – ou paqueras, segundo a gíria da época – era algo muito peculiar. O intérprete de Rico dizia que, na trama, “era muita pegação mas não era algo abusivo do autor. As meninas tinham o mesmo desejo sexual dos rapazes, de modo que não havia nada ali de abusivo, que me lembre. Eram jovens no auge dos seus hormônios, e uma novela sexualizada, tal como toda obra do autor”, analisa.

Sobre os irmãos vividos por ele e Guilherme Fontes, Leme Garcia diz que “inicialmente éramos personagens secundários, mas a dupla de irmãos foi tão bem aceita que viraram protagonistas”. Ainda sobre a trama, o ator diz que “era uma farra, um  texto bem maluco do Lombardi”.

Guilherme Leme e Guilherme Fontes foram alçados a protagonistas de “Bebê a Bordo”, novela que era liderada por Beatriz Bertu (ao centro), Isabela Garcia e Tony Ramos (Foto: Nelson di Rago/Globo)

Dentre os trabalhos realizados na televisão, e que foram muitos, o único que destaca negativamente é uma obscuríssima trama exibida pela TV Manchete, da qual não há muitos registros nem fotográficos nem audiovisuais. Trata-se de “74.5 – Uma Onda no Ar“, escrita por Chico de Assis (1933-2015). “Era uma participação e tudo foi meio estranho naquela novela. A produção ia pro ar e ninguém via. Foi uma obra que não aconteceu, não deu certo e transitou por linhas muito tortas. Foi meu trabalho mais sem pé nem cabeça”, assinala.

Guilherme Leme em “74.5 – Uma Onda no Ar”. Obscura novela da Manchete e única foto do ator na trama “sem pé nem cabeça” (Foto: Biblioteca Nacional/Revista Manchete)

PRESENTE, FUTURO

No final de março estreou, no teatro SESC 24 de Maio, em São Paulo, a peça “O Dia das Mortes na História de Hamlet” com direção de Guilherme Leme Garcia e texto do francês Bernard-Marie Koltès (1948-1989), inspirado em Shakespeare. Além desta montagem o artista está preparando para o ano que vem, 2024, outra encenação baseada no mesmo clássico de Shakespeare. Um musical fortemente urbano, “Hip Hop Hamlet“. Outro trabalho, com previsão de montagem para este ano ainda é a ópera musical “Isolda ponto Tristão“, embasada no clássico medieval “Tristão e Isolda“. Inicialmente, estreia dia 15 de setembro. Mais um projeto às raias da estreia é um monólogo feito pela atriz Vera Zimmerman, inspirado na Diadorim do livro “Grande Sertão: Veredas“, de Guimarães Rosa (1908-1967), no Centro Cultural São Paulo, na capital paulistana. Decididamente, trabalhos mais voltados ao conceito, à criação.

Diferente do seu início de carreira, hoje os jovens atores transitam entre as redes sociais e a arte dramática. Para Leme, “o ator não precisa estar na mídia social e fomentá-la. Acho legal que tenham uma página e que os fãs curtam, mas não acho que deva ser uma coisa excessiva”. Guilherme vai além, e analisa como enxerga o crescimento do número de influencers virando atores “Acho complicado por que eles não têm estrutura, formação, experiência e de repente ela vai lá e “vira” artista. Porém, isso não é novo. É algo que, de alguma forma, sempre aconteceu e várias pessoas foram descobertas sem ter uma carreira. Surgiu muita gente legal, com talento”, destaca.

Acho ruim quando sabermos que escalações de elenco são feitas a partir do número de seguidores. Não é medido o talento do artista, mas seu engajamento nas redes – Guilherme Leme Garcia