*por Vítor Antunes
Muito do teatro atual brasileiro é forjado diante daquilo que o grupo jovem – de então – “Asdrúbal Trouxe o Trombone”, propôs. O grupo mudou a linguagem, o discurso, e devolveu o jovem ao palco. Além disso, revelou Regina Casé, Perfeito Fortuna, Luiz Fernando Guimarães... e Nina de Pádua. A atriz pode ser vista atualmente em duas novelas e em duas emissoras diferentes. Uma delas é “Alma Gêmea“, uma das maiores audiências da Globo atualmente, e que, inclusive, tem impulsionado a audiência de “No Rancho Fundo” e ‘Apocalipse”, na Record. Coincidentemente, Nina está no ar com duas novelas de temática religiosa, tanto a trama da Record, como da Globo. “São duas novelas que passam pela questão religiosa. ‘Alma Gêmea’ está entre as obras queridas e é algo encantador. É uma delícia de ver os colegas, é redondinha, só tem núcleos bons e, onde eu vou, sempre tem alguém que me viu e diz estar acompanhando. É um prazer, uma alegria, e é bacana, ainda que eu tenha feito só 40 capítulos, mas foi uma delícia e deu para todos relembrarem e celebrarem. Eles são muito carinhosos comigo, e sou muito homenageado. ‘Apocalipse‘, [repercute] um pouco menos talvez por conta do horário, seja menos vista, mas é uma novela que adoro”.
A última participação de Nina da TV foi na série “Até Onde Ela Vai“, da Record, que trouxe à tona a agressão às mulheres e relacionamentos abusivos. “É uma participação pequena, mas extremamente afetiva, porque eu trabalhei com um grande diretor, que é o Felipe Cunha. Quero fazer outros trabalhos com ele, que é um dos grandes”. Por falar sobre a importância do debate sobre agressão à mulher e feminicídio, Nina trouxe outra questão humanitária contemporânea que indignou todo o país: o Projeto de Lei 445/2023, da Câmara de São Paulo, proposta pelo vereador Rubinho Nunes (União Brasil/SP) em multar em R$ 17 mil quem descumprisse determinados requisitos sobre doação de alimentos aos pobres e que estabelece regras tanto para ONGs e entidades quanto para pessoas físicas. O vereador acabou pedindo desculpas às entidades e se comprometeu a extinguir a proposta.
“É algo que é preciso ser falado e comentado. Às vezes acho que as coisas estão indo por caminhos tortuosos e equivocados, como essa proposta feita em São Paulo que previa R$ 17 mil de multa para quem alimentasse os pobres. Que gente é essa? De que esgoto surgiram essas pessoas? É algo dolorido, eu não aguento. Isso é uma questão de humanidade. Quem são esses seres? Que moral tem essa gente que fala em Deus, Pátria e Família e não faz de nada disso? É uma gente do esgoto mesmo. Temos que ficar atentos e fortes mais do que nunca”. Diante da repercussão negativa, o Projeto de Lei não foi adiante.
Por vezes, me parece que havia mais liberdade nos anos 70 do que hoje. Tínhamos mais preocupações progressistas do que niilistas, como esse povo de agora que quer destruir e que tem uma visão escabrosa da vida. Esses deputados, senadores, [e essa ânsia por] seguidores acabam por trazer uma visão escabrosa da vida. Hoje em dia, qualquer coisa que se fala toma-se outras interpretações. Fora isso, há as fake news. É preciso que haja alguma punição além de tomar multa. Essas pessoas têm que ir para a cadeia! – Nina de Pádua.
CLUBE DOS CURUMINS
Ainda que tenha feito muitas novelas importantes, e foram algumas, Nina ressalta que um dos papéis pelo qual mais recebe carinho e lembranças é aquele que interpretou em “A Gata Comeu” (Globo,1985). Ano que vem a novela completa 40 anos, e ainda assim, tem um número grande de fãs. “Nada é maior que ‘A Gata Comeu’. Já vi gente programando mil festividades – inclusive há um grupo bem ativo, o Grupo dos Curumins, e eu estou ali também. No ano que vem, talvez esse encontro se dê mais pela rede social, mas já houve encontros nas ruas da Urca (onde a novela foi gravada). Eles pedem muito por uma reprise, inclusive, mas acho difícil”. Será que a novela funcionaria hoje, tendo um casal protagonista que vive aos sopapos e um personagem que se finge de cedo para namorar uma menina? “Hoje a novela é politicamente incorreta, mas para os eternos enamorados, ela vai sempre ser favorita. Com a nova geração, eu não sei”.
Sobre as tramas atuais, Nina observa que falta ousadia: “As tramas contemporâneas eu não vejo muito, embora esteja apaixonada pela série ‘Os Outros‘. Acho que falta alguma coisa nas novelas atuais, tanto que estão apelando para os remakes, que são muitos. Dentre outros, creio que faltam grandes nomes”.
Por mais que não esteja fazendo novelas, Nina está em vias de voltar aos palcos com uma montagem sobre a diva do cinema Bette Davis (1908-1989). “Essa montagem é a menina dos meus olhos. Ia estrear em junho, mas a peça ainda está em captação”.
TEMPO
A estreia de Nina na TV foi num projeto audacioso: Malu Mulher. “O meu episódio tratava sobre lesbianismo. A personagem da Ângela Leal era despedida do emprego por causa de sua homossexualidade, e as personagens a apoiaram. A homossexualidade masculina era admitida dentro da galhofa da diversão, mas a feminina não era, era um tabu. Foi um episódio bem significativo. Vejo alguns retrocessos, especialmente entre 2018 e 2022, quando havia uma visão bem limitadora da realidade. Essa mentalidade tomou um rumo perigoso. Discursos assim não podem se espalhar. Não se pode dar voz a esses discursos sem moral, sem compromisso com a verdade e com o próximo. Eles são inadmissíveis e esse retrocesso nos levou de volta ao obscurantismo”.
Sobre a passagem do tempo, ela lida com equilíbrio. Especialmente, e eia aí um dos desafios dos filhos, que é o de zelar pelo envelhecimento dos pais. A mãe da atriz tem mais de 90 anos e convive com a demência senil. “No fui preparada para isso. Minha mãe está com demência senil e é surpreendente, porque tem uma lucidez extraordinária. Eu vivo e me preocupo. Demorei para perceber isso e ela morava sozinha. Hoje vivo em função dela. Ao mesmo tempo que é assustador, é fascinante ver o passar do tempo. Quanto a mim, eu não vejo as rugas, isso não mexe comigo. E definitivamente, não queria ter 20 anos de novo. Tenho a idade que tenho, saúde e alegria de viver, e estou aí pronta para as batalhas e o que vier, eu traço”.
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