*Por Domênica Soares
O ator e diretor Bruno Kott, que está presente em três produções simultaneamente, mostra que a arte é para quem tem muita garra e força de vontade. Na segunda temporada da série “A Vida Secreta dos Casais”, ele interpreta o par romântico de Bruna Lombardi, que assina a produção como roteirista. Na peça “Inimigo Oculto”, Bruno integra o elenco e é assistente de direção. A montagem leva ao público uma análise profunda sobre opressão e violência contra a mulher. Além disso, ainda integra o elenco de “O Homem Cordial” , que foi apresentado na 43ª Mostra de Filme Internacional de São Paulo e conta com a direção de Ibirê Carvalho. O filme conta a história de um vocalista de punk rock e o envolvimento na morte de um policial. “O papel da arte é espelhar a sociedade e, na maior parte do tempo, por questões de sobrevivência e poder, estamos lidando com as mazelas da condição humana. Porém, não é um produto, não se monetiza e os artistas passam a entreter. Entreter é um mercado. Sinto que esse seja o desafio do artista. E acho bonito essa corda bamba que faça com que ele repense sem verdades absolutas. O artista é humano e precisa do conflito existencial para representar a maioria. O poder está na vulnerabilidade do ser. O poder de ser”, analisa Bruno.
Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, ele conta que na série roteirizada por Bruna Lombardi e que ganhou sua segunda temporada na HBO, interpreta Marco, um biólogo que conhece Sofia (Bruna Lombardi) em um retiro de autoconhecimento. Pesquisador de medicinas alternativas, ele se encanta com a profundidade da parceira e é peça importante no desenvolvimento dela com a própria saúde mental, emocional e espiritual. Ele conta que dividir a cena com a atriz é um imenso prazer, visto que é uma grande referência como artista, mulher e ser humano. “Me lembro dela vivendo Diadorim, em ‘Grande Sertão Veredas’, e de como admirei sua coragem e ousadia. Dividir o trabalho com Bruna é um aprendizado e um desafio. É uma grande responsabilidade, afinal ela é autora da série, protagonista e produtora. Sem dúvida é um passo importante de aprendizado estar ali”.
No teatro, em “Inimigo Oculto”, o ator revela que nesse espetáculo o maior protagonismo que existe são os das atrizes que representam séculos da estrutura feminina e de como o machismo as oprimiu. Bruno explica que são quatro homens e quatro mulheres que dividem as cenas que retratam abusos morais e psicológicos por parte do homem. Diz que além de interpretar, também é assistente de direção e sua função é colaborar artisticamente com os diretores, Andrea Bordadagua e Rodrigo França, com o objetivo de unir a sensibilidade de cada um e contar essas histórias de uma forma ainda mais humana e sensitiva.”Sou diretor, produtor e também escrevo para teatro, TV e cinema. Fiz um longa, “El Mate”, como diretor, ator e produtor. Não sei se essa versatilidade é uma tendência, tento ver os processos com certa individualidade. Penso que uma visão do todo fortalece o discurso e facilita a realização artística daquilo que escolhi dizer e ser”. Bruno diz que essa peça surgiu em um momento delicado do país. O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo e o feminicídio que está dentro de muitas casas, causado por namorados e maridos, cresceu 17%. “Me repenso como homem individualmente, mas também como essa estrutura é coletiva e também nos aprisiona. O homem mata mulheres e outros homens o tempo todo. Essa energia de medo, de violência e insegurança precisa ter um fim. E cabe a nós, homens, maridos, pais e filhos, agirmos nessa direção”.
Já no cinema, em “O Homem Cordial”, o personagem de Bruno está envolvido na trama que conta a história de Aurélio, vivido por Paulo Miklos. Um cantor de rock que presencia uma tentativa de linchamento de um adolescente suspeito de roubar um celular. O filme retrata um tema importante na sociedade, o linchamento e é dirigido por Ibirê Carvalho e produção executiva de Camila Ciolin, Rune Tavares e Rodrigo Sarti Werthein. “Interpreto um jovem de classe alta, que acompanha seus amigos filmando Aurélio no momento em que liberta o garoto. É através desse vídeo nas redes sociais que o ódio se instala”.
Com tantos trabalhos em andamento e a carreira caminhando de uma forma contínua, Bruno diz que busca passar honestidade para o público com suas interpretações. “No amor e nas dores somos um”, afirma. Ele conta que descobriu sua paixão pela arte quando ainda era criança e que repensa diariamente as escolhas, com o intuito de fazer algo diferente que traga inovação, além de serem autorais. “Sou um realizador. Tenho muita curiosidade pela vida e a arte me ajuda nisso”. O ator diz que vê hoje em dia uma transformação em todas as áreas profissionais, trabalhistas, de relações amorosas e familiares. Segundo ele, estamos em uma mudança e os modelos que foram usados nas últimas décadas não cabem mais. O artista vê uma crise no fomento de cultura e por isso a sociedade precisa se posicionar diante deste fato. Contudo, ressalta que também percebe que há um aumento dos streamings, séries e conteúdos. “Minha dica é se pergunte o que quer dizer com a sua escolha e busque profissionalizar o seu trabalho. Existe um mito de artistas não lidarem com grana, com regras. Se produzam. Tomem a responsabilidade das suas carreiras, gerem empregos, formem profissionais e seres, e contem suas histórias. Comecem pelo seu entorno, seu bairro, sua comunidade. É concreto, real e transformador”.
O artista conta que fora dos palcos é uma pessoa caseira, com humor irônico e muitas vezes inseguro. De acordo com ele, existe a possibilidade de viver de arte no Brasil, mas não esconde que o caminho não é fácil e por isso indica que haja a profissionalização das relações e maior entendimento dos meios de produção. “Além de pedir oportunidades é legal que também sejam geradas outras oportunidades”.
Com base nisso e sempre engajado com projetos sociais, ele destaca que já deu aula de teatro para menores infratores que buscavam uma forma de ressocialização. Jovens potentes, grandes seres, que por fatores diferentes, foram destituídos do direito de apenas serem crianças. “Nosso país não respeita a criança, e quando ela é pobre e preta, menos ainda. Foi uma experiência forte, de grande aprendizado. Também trabalhei numa companhia de teatro com pacientes de um hospital psiquiátrico. Mais uma oportunidade de me abrir para as diversas possibilidades de existir nesse mundo. Em meus trabalhos, eu busco a horizontalidade das relações. O projeto já começa a existir no meio de produção, ao fazer com que todos recebam dignamente, sejam respeitados e potencializados nas suas funções. Toda relação é política e social”.
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