* Por Carlos Lima Costa
No final de março, logo após completar um ano de pandemia, Nívea Maria, uma das mais consagradas e respeitadas atrizes de sua geração vai poder sentir um certo gosto de retomar sua atividade profissional. Sem atuar desde o término da novela A Dona do Pedaço, exibida até novembro de 2019, ela irá entrar em estúdio novamente para gravar a terceira temporada da incensada série Sob Pressão, participando de seis dos onze episódios, no papel de Maria, uma avó que leva o neto ao hospital e acaba vivendo a rotina daquele local. “Falaram comigo no começo dessa semana. Fiquei muito feliz com o convite. Estou ansiosa para começar a gravar após tanto tempo”, explica.
Depois que terminou seu mais recente trabalho, Nívea passou um tempo nos Estados Unidos, onde a filha Vanessa mora há uns setes anos. Estava retornando de lá quando a quarentena foi decretada. “Acabou sendo um ano vazio de quase tudo. Fiquei assustada no começo, mas buscando informações. Antes de entrar em pânico, tem que pesquisar e procurar saber do que se trata. Minha filha do meio, Viviane, enfermeira formada, é casada com um médico, então, busquei orientação. E fui observando, caminhando dentro da tranquilidade, entre aspas, sabendo que trabalho não ia ter tão cedo”, recorda.
Nívea ressalta o quanto sua classe foi afetada nesse período. “Economicamente, muitas pessoas quebraram e não se reergueram ainda. Então, agradeço o convite para uma área diferente da produção de novelas. Eu percebo que para a faixa etária dos atores veteranos, as séries são ricas. E vejo que, na dramaturgia, as novelas estão tendo dificuldades de valorizar histórias nas quais há personagens de todas as idades, democraticamente, em papeis de igual importância”, afirma.
E analisa as demissões de veteranos artistas da Globo, que aconteceram no decorrer de 2020. “Trabalhei em algumas emissoras, sei como funcionam as empresas nas mudanças de hierarquias. Elas revisam um produto que está rendendo e um que rende menos. E terminando contrato sem perspectiva de um trabalho próximo, ela faz essa mudança. É triste, mas jovens que não entendem isso e não aceitaram uma adequação no contrato, também foram afastados. Tenho maturidade, sei como essas transformações drásticas acontecem. No meu caso, meu contrato tinha acabado de ser renovado e surgiram convites. Agora, realmente os autores mais jovens quando escrevem buscam um universo mais atual, onde a sociedade, o comportamento das famílias está centrado nos problemas dos jovens”, reitera ela que em sua trajetória protagonizou novelas como A Moreninha, O Feijão e o Sonho e Maria, Maria.
Antes dessa nova realidade, ela havia sido escalada para o elenco de Malhação: Transformação. A produção acabou sendo cancelada. “Por conta da minha faixa etária, apesar de não ter nenhuma comorbidade, imaginei que não seria convocada tão cedo devido as precauções que estavam sendo exigidas. E ficamos em ano de reprise. Me fez bem me rever (em O Clone, por exemplo, no canal Viva) e ver a repercussão de grandes trabalhos através das lives que participei. Elas me mostraram o quanto eu continuo na memória das pessoas”, observa ela. A tranquilidade também foi reforçada por ter recebido convites para cinema e teatro, mas as produções estão paradas aguardando a situação da pandemia melhorar.
Nívea agradece a Deus por nem ela nem ninguém de sua família ter contraído a Covid-19. Mas, claro, ficou triste com as perdas em todo o país e de seus colegas de profissão como Nicette Bruno (1933-2020) e Eduardo Galvão(1962-2020). “Essas informações me deixam desnorteada. Reclamamos aqui, mas a situação está difícil no mundo. Tenho notícias da minha filha que mora nos Estados Unidos e de amigos que vivem em Portugal sobre o não uso da prevenção como máscaras e álcool em gel, sobre aglomerações”, diz.
A atriz prossegue dando o seu próprio testemunho: “Onde moro, nas noites de sexta e sábado, escuto a música alta, a gritaria. São pessoas de classe média pra alta. Não pode dizer que é o cara da comunidade. É o ser humano que é irresponsável. Nem sei como definir essas pessoas que não se previnem. Acho que se trata de uma geração que teve liberdade além do que podia na educação, porque não dá para entender”, pontua, esperançosa com a chegada de uma nova remessa de vacinas no Rio. “Vou fazer 74 anos no próximo dia 7, então, acredito que até o fim de março eu consiga tomar a primeira dose”, torce.
Ela não entende quem é contra o uso desses imunizantes. “Pior do que está não vai ficar com a vacina. Qualquer assunto dentro da sociedade está politizado: educação, saúde, a área científica, a minha classe, o jornalismo, tudo com alvo político. Eu sempre tomei vacina na minha vida e estão fazendo testes com essas agora. Mas não vou crucificar nem concordar com quem acha que não deve tomar. Mesma coisa sobre uma pessoa que está com a cabeça estourando, mas não gosta de tomar comprimido nenhum. Então, fica com a sua dor. Agora, todas as informações estão focadas no que acontece na política, nessa questão da Covid, das vacinas. A gente acha que os outros problemas não interessam, se bem que os políticos ficam discutindo besteira em vez de resolver os problemas sérios”, dispara.
Nívea vem passando a pandemia com o primogênito, Edson, de seu segundo casamento de dez anos com o ator Edson França (1930-2004), pai também de Viviane. Antes, ela foi casada com o ator Renato Master (1939-2004), por menos de um ano. “Não dispensei a moça que trabalha comigo há 30, 40 anos, mas não quero que venha trabalhar. Então, estou administrando tudo aqui dentro de casa. A vida inteira, sempre consegui dar conta de tudo”, diz ela, que tem ainda a companhia do cão maltês, Nico.
Mas Nívea ressalta: “Nunca tive problemas de estar só. Faz anos que estou sem nenhum companheiro e consigo administrar bem. Tenho meus amigos, enfim, acho que a maturidade também ajuda um pouco a não pensar negativo. Claro que uma terapia a algum tempo atrás também ajudou bastante, mas nada assim tão grave, só para ter equilíbrio. E, na minha profissão, a gente sabe lidar melhor com esse isolamento, porque é uma vida puxada. Nosso trabalho exige concentração, um certo desligamento”, comenta a estrela que participou de tramas como Dona Xepa, Brega & Chique, Pedra Sobre Pedra, Celebridade, América, Caminho das Índias e Salve Jorge.
Durante a pandemia, ela não abre mão de caminhar na praia, sempre muito cedo, ou de ir ao supermercado. “Gosto de escolher pessoalmente os produtos como carnes e legumes. Mas não vou a shopping, restaurantes, a lugares que tenham aglomeração. E sempre que saio, da um pouco de ansiedade, enquanto não chego em casa e faço todo procedimento de limpeza, até porque agora tem novas variações do vírus e eu estou na faixa etária do perigo, como costumam dizer, o que não significa nada, pois todas as idades pegam. Mas eu me preservo”, conta.
Nívea não gosta de ver o Brasil extremamente polarizado por conta da política, área na qual nunca foi de se envolver. “Nunca fui de pegar uma bandeira e sair para falar a respeito de algo. Não omito o que eu penso, mas respeito a opinião do outro. Para não ser incoerente estou achando as pessoas muito radicais. Hoje em dia eu brinco que não da nem para vestir a camisa do Flamengo. Acho que estamos num momento muito complicado de administração do nosso país. Aqui, as pessoas estão rígidas em suas ideias. Acho que a gente está com um presidente que é muito infantil, o país é grande, diversificado, não da para ser radical, não dá para ter a mesma atitude em toda a extensão do país, porque cada estado tem as suas necessidades e dificuldades”, analisa.
E acrescenta: “Minha geração foi educada para respeitar até o último limite religião, política e futebol. Às vezes, tem pessoa da mesma opinião, mas que tem caráter depravado, e se desvia no meio do caminho, então, não está dando para você assinar em baixo de nada atualmente. Tudo tem que ser na base da conversa. Como vai bater boca com uma pessoa que você mal conhece?”
Mas Nívea acredita que esse radicalismo vai melhorar. “A geração dos meus netos (João, Luiz, 14, João Pedro, 13, e Maria Luiza, 10) está focada de outra forma para as divergências, ao contrário dessa que está aí, que cresceu para a briga, onde tudo é motivo de bater boca, de empurrar, chutar, matar”, realça.
Nívea fala também sobre o empoderamento feminino. Hoje, a mulher tem voz. Antigamente, passava por assédio sexual ou moral, mas isso não era falado. Ela, que está na televisão há 56 anos, desde sua estreia na novela A Outra Face de Anita, em 1964, na extinta TV Excelsior, diz que também enfrentou essas situações.
“Tudo que acontece hoje em relação a mulher dentro da sociedade, dentro do trabalho, da política, em qualquer área, todas as mulheres já sofreram. Nada é desconhecido. Você sempre conheceu um caso ou viveu a mesma coisa. Tudo isso que você falou, eu já vivi. Claro, o que diferencia, o sofrimento ou a vivência sobre essa experiência ruim é a postura que você tem dentro da situação. Na minha época, resolvia na hora com a pessoa ou dentro da situação do local de trabalho. Aí digo outra vez que a educação e a informação que você vai tendo na sua vida desde cedo são armas para você se defender e sair dessas situações sem ficar marcada”, observa.
E prossegue: “Você vai dizer que não é todo mundo que consegue, claro. Eu sou uma privilegiada? Sou, porque tive paralelo a isso uma carreira em que eu me fiz respeitar, não só pelo público, mas pelos colegas, pelas pessoas com quem trabalhei. E me respeitei, fui até onde dava. Quando não dava, eu pegava minha mala, meu chapéu e ia embora”, aponta.
Mas aconteceu uma abordagem sexual, tipo ‘se você fizer isso comigo, você tem papel, você cresce’? “Não assim, claramente, mas a ideia era essa. Eu já percebia aonde poderia chegar e caía fora antes. Nem por isso eu fiz inimizades, nem parei a minha vida. Fui em frente. E olha que eu casei cedo, tinha 18 anos, e fui mãe muito cedo. Isso também me deu forças. Não era uma pessoa de classe média, não era rica, tive que trabalhar para sustentar os meus filhos junto com os companheiros que eu tinha na época. Os dois primeiros não tinham uma remuneração tão boa quanto a minha. Isso também criava uma situação difícil”, lembra.
E recorda seu terceiro e derradeiro casamento com o diretor Herval Rossano (1935-2007), pai da caçula, Vanessa. Eles viveram 27 anos até 2003. “A relação com o Herval é a que prova para você que eu estive com ele quase 30 anos e nunca tive privilégios como esposa de diretor geral de teledramaturgia. Quando a gente começou, ele conhecia a minha personalidade. As pessoas diziam, a Nívea, às vezes, sem falar, coloca o ponto final no assunto, e vira as costas. Quando a situação me incomoda muito, peço licença, digo que vou ao banheiro, saio, e deixo a pessoa falando sozinha.”
Ser casada com diretor não a protegeu de certas situações. “Exatamente por isso, corri o risco das pessoas dizerem ‘ela vai ter trabalho, porque é casada com o diretor de sucesso’. Então, até contra esse preconceito eu tive que lutar. Só porque você é casada com um homem de poder, que esta atrás de uma mesa, você tem privilégios? Não, eu não tinha. Tive que me posicionar dentro da empresa para mudar, inclusive dizendo não para produções que ele começou a me convidar. Eu falei ‘vamos dar um tempo, porque quero trabalhar com outros diretores, não quero que digam que só tenho carreira por isso’. Uma colega de profissão até me falou que eu era a única atriz que foi casada com um diretor e que tem uma carreira longa, porque todas as outras tiveram dificuldades. Sou abençoada com uma espécie de intuição, de não deixar as coisas ruins tomarem conta de mim”, desabafa.
E finaliza: “Tive um pai (o advogado Carlos Graieb) muito repressor. Ele dizia que artista não prestava. De alguma forma, ele me ensinou a me fazer respeitar. Então, a primeira luta que tive contra preconceito foi com meu próprio pai e com a família em geral.”
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