Ninfomaníaca – Volume 2 começa bem, mas sucumbe ao rala-e-rola, na base da pipoca e vídeo pornô em casa!


Como um tarado que se joga em uma roubada, Lars Von Trier é vítima dele mesmo nesta segunda parte do filme, que estreia hoje!

Estreia hoje “Ninfomaníaca – Volume 2”, a segunda parte do polêmico filme de Lars Von Trier que tem dado o que falar. No conjunto de filmes, o diretor procura contar a história de Joe, obviamente uma viciada em sexo, interpretada por Charlotte Gainsbourg. Entretanto, se no volume 1 ele usa o sexo para falar sobre o vazio existencial, a obsessiva necessidade de preenchê-lo e a existência de seres múltiplos que habitam todos nós, com desejos muitas vezes inconciliáveis, nessa parte final ele se perde no próprio vazio… E na história! Tecnicamente, esse segundo volume serviria para elucidar como a personagem foi parar semi-desfalecida na rua, vítima de uma agressão e encontrada por Seligman (Stellan Skarsgaard), seu interlocutor no filme. Mas, a simples motivação de ter de explicar esse porquê (e de precisar chegar ao fim do filme) acaba se tornando uma cilada para o diretor que, na falta de inspiração melhor, acaba se rendendo à solução fácil de reduzir o vício sexual ao crime, associando-o ao submundo de maneira literal e fantasiosa. E o que era uma interessante parábola sobre a sexualidade e comportamento social, cheio de metáforas – onde Joe e Seligman cumprem até mesmo as funções de, respectivamente, um cineasta que narra uma história e um crítico que tenta interpretá-la – descamba para um roteiro óbvio que pouco acrescenta ao volume 1, com parte da cena final previsível. Melhor seria se o filme terminasse inacabado.

Afinal, não deve mesmo ser fácil finalizar um roteiro desses. O vício do sexo para uma personagem que recusa o apoio de grupos de terapia, por achá-los objetos do sistema dominante, muito provavelmente só teria um fim: a continuação de uma vida desregrada, onde a ninfomaníaca permaneceria em seu turbilhão sexual, sempre se satisfazendo momentaneamente em seus safáris urbanos sem nunca se sentir plena com a caça, jamais alcançando nada além da própria busca, independente de possíveis perdas por escolher uma vida em que é preciso estar sempre à margem dos códigos de conduta vigentes. E aí, já que a película é pródiga no uso de metáforas, cairia bem até aquela clássica comparação do orgasmo com o fim. Assim como o êxtase significa a morte – já que depois do clímax acaba o prazer –, a busca incessante por cada segundo de tensão sexual é pífia, pois o sexo, nesse caso, nada sublima e as delícias da carne são passageiras.

Ninfomaníaca - Volume 2: Gainsbourg assume sua porção bondage (Divulgação)

Ninfomaníaca – Volume 2: Gainsbourg assume sua porção bondage (Divulgação)

Mas, nesses três últimos capítulos do filme, contidos nessa parte final, pouco se avança além do primeiro volume, revelando um diretor que começou bem e perdeu a mão. Essa segunda parte até começa bem, com a protagonista precisando lidar com a responsabilidade cotidiana na vida dupla que escolheu e seu encontro com o sado-masoquismo como veículo para tentar alcançar novamente o prazer perdido. Okay, é interessante observar esse tipo de abordagem sem medo do cineasta, que pode causar mal-estar naquela parcela do público com experiências eróticas mal resolvidas ou a falta de disposição para encarar um divã em uma boa sessão de psicanálise. E, marqueteiro como ele só, Von Trier deve ter chegado a um orgasmo no qual sua criação jamais sonharia alcançar, só de pensar na possibilidade de irritar essa parte da plateia. Mas isso não impede que o roteiro termine de forma pouco criativa, sem epifanias e bem aquém daquilo que o diretor se propunha desde o início. É como se uma ninfomaníaca houvesse programado um bacanal esperto, com direito a contorcionistas asiáticas especialistas em pompoarismo e garanhões marombados conhecidos por suas capacidades enlouquecedoras, regado a muitos aditivos e, na hora agá, tudo tivesse melado e ela precisasse se contentar com um dedo mindinho e uma fita de vídeo-cassete da Belami. Ou pior: das Brasileirinhas.

 

Leia abaixo a crítica de “Ninfomaníaca – Volume 1”  publicada em 9 de janeiro:

“Ninfomaníaca”: Lars Von Trier usa o vício do sexo para falar do vazio da existência

No filme estrelado por Charlotte Gainsbourg, Uma Thurman e Shia LaBeouf, o diretor traça um panorama sobre a solidão e a incapacidade da realização!

Lars Von Trier é um cineasta que gosta de surpresas. Adora dizer que vai fazer uma coisa, criar expectativa e, na hora agá, não é bem assim: acaba pegando a gente pelo pé. A surpresa até existe, mas não do jeito que o público esperava. Também sabe – e curte! – fazer marketing como ninguém. Há quem diga que o homem não está mais na velha forma de quando surgiu, nos anos noventa (época do Dogma), ou mesmo depois, em “Dogville” (idem, 2003). Nada disso. Após causar mal estar em Cannes, em 2011, quando foi acusado de ser antissemita, aproveitou logo para divulgar a ideia de “Ninfomaníaca” (Nymphomaniac, Califórnia Filmes, 2014), filme que entra em circuito amanhã. Naturalmente, todos pensaram que se tratava de um filme sobre sexo, com muitas cenas picantes e explícitas. Bom, elas até estão lá, mas o sexo – assunto que permeia todo o filme – existe como metáfora para falar de algo maior: o vazio existencial. Outra pegadinha do diretor.

Ninfomaníaca” é produção de qualidade onde tudo faz sentido, nada está fora do lugar. A história da viciada em sexo que é encontrada no chão da rua (atirada por ela mesma ou por quem?), na chuva, por um homem de meia idade (vivido esplendidamente por Stellan Skarsgard), com rotina medíocre e que assume a função de confessor, é narrada didaticamente em capítulos, com Von Trier fazendo uso de figuras de linguagem para explicar, tintim por tintim, o que se passa na cabeça da personagem, como se fosse uma aula. Ou uma palestra com recurso de datashow, com o requinte de explicações que aproximam a azaração da pescaria. Equiparar o basfond da pegação à arte de pescar, e vulvas a iscas e anzóis, é, no mínimo, trazer para o cinema a leitura cínica daquelas associações que fazemos no dia a dia, em rodas de amigos, aproveitando para fazer blague das nossas vidas, ironizando a existência. Uma sacada e tanto. O realizador ainda aproveita esse contexto para debochar do próprio crítico de cinema, que enxerga imagens por trás de outras, tentando interpretar o filme, mas nunca chegando a botar a mão na massa. Como Seligman (Skarsgard), que, ao longo da narrativa, interpreta as fantasias e proezas sexuais da protagonista, mas também não prova o bolo, nem mesmo passa o dedo no glacê para sentir o gostinho, tendo de se resignar a ouvir o relato e, vez por outra, emitir impressões, como se fosse um psicanalista.

Como o filme foi dividido em duas partes (a segunda chega às telas somente em março), ainda levará tempo para entendermos como a Joe adolescente interpretada por Stacy Martin – que não consegue sentir nada e, por isso, precisa desesperadamente se entregar ao sexo sem limite –, acabou desembocando na Joe madura e amargurada, figura masoquista, quase destruída e conferida a Charlotte Gainsbourg, que narra sua pífia existência ao eventual interlocutor. Mas, nessa primeira metade, dividida em capítulos, já é possível entender que a ninfomania é apenas uma ferramenta para o diretor falar de todos nós, viciados em sexo ou não, homens ou mulheres, hetero ou homossexuais. Afinal, preencher com sexo o buraco que existe dentro da gente nunca foi novidade e transcende o universo daqueles que têm distúrbios da libido. E, na sociedade urbana pós-revolução sexual, naturalmente essa prática se tornou quase uma premissa ou, pelo menos, algo contumaz, mas cotidiano. Ainda mais hoje, quando a tecnologia da informação, com todas as suas possibilidades (whatsapp, mídias sociais, chats de encontros, etc), rebaixa o ato de seduzir a um esporte umbigóide, selfie e banal, quilômetros abaixo da superfície, urdido no subsolo e se tornando mero arremedo daquela genuína caça ao desejo que é praticada no céu por águias de responsa.

Para tanto, na reta final dessa primeira parte, surge a confirmação de algumas pistas deixadas pelo cineasta ao longo da projeção: a vida – e a incessante busca por algum sentido – de Joe pode ser dividida em três aspectos que, embora impossíveis de co-existir, representam aspirações comuns a todos os seres humanos, contraditórias sim, mas reais e em proporções variáveis. Ao fim dessas duas horas de filme, Joe revela que, embora continue não sentindo nada dentro de sua imensa solidão, consegue encontrar segurança naquele parceiro sexual que representa uma existência sem deslumbres, certinha e previsível como um papai-e-mamãe; furor animal em outro que a trata como um pedaço de carne pronto a ser devorado; e, por fim, o amor naquele que lhe tirou a virgindade (Shia LaBeouf), com quem cruza algumas vezes durante seu percurso e consegue imaginar uma história a dois, mesmo não querendo abrir mão de todo o resto. E é sobre essa incapacidade humana – a de se sentir pleno vivendo apenas um desses aspectos – e da impossibilidade de conseguir tocar adiante essas três facetas ao mesmo tempo, que Lars Von Trier revela ao expectador muito mais do que sexo: a utopia da plenitude eterna é mito tão fantasioso quanto o monstro do Lago Ness. Agora, resta esperar março para confirmar tudo mais que ele tem a dizer.