Nina Tomsic: “Esse lugar da fama cria uma falsa noção de que precisamos passar pelos problemas sozinhas”


No ar como Ingrid, em ‘Quanto Mais Vida Melhor’, a estreante nas novelas Nina Tomsic tem dado o que falar por quebrar com convenções estéticas e de comportamento nas telinhas e na vida real. Em conversa exclusiva, Tomsic falou sobre a parceria com a Giovanna Antonelli, desromantização da maternidade, a polêmica dos números de seguidores como denominador para teste de elenco e refletiu sobre a sua postura enquanto figura pública: ‘Esse lugar da exposição, da fama, traz uma visão de que essas pessoas não têm problemas e cria uma falsa noção de que precisamos passar por eles sozinhas. Eu estou aqui para passar pelas coisas da vida com todo mundo, estamos todos no mesmo barco’, declara

*Por Thaissa Barzellai

Não se deixe enganar pelos juvenis 21 anos da estreante nas novelas Nina Tomsic. Na pele de Ingrid de ‘Quanto Mais Vida Melhor’, Tomsic tem se mostrado uma artista de fortes convicções e talento. Com mais de 10 anos de experiência nos palcos, Nina vive em um mundo nada preto no branco, onde rótulos, caixinhas, estereótipos ou qualquer generalização que possa ainda existir não tem vez. Nina tem pressa de mudança e o seu principal poder é a arte. “Um bom projeto é aquele que faz a gente refletir. Eu sempre vou procurar os que tenham algum objetivo no mundo, o porquê de eu estar fazendo aquilo e como eu posso alcançar as pessoas. É sempre sobre chegar até o outro de uma forma que ele consiga abraçar esse pensamento e refletir com você. O que me mais me interessa são as questões humanas, no geral. Qualquer projeto que fale sobre como é difícil ao mesmo tempo que é prazeroso ser humano já me deixa interessada”, reflete. 

Ao lado de nomes como Giovanna Antonelli e Jussara Freire, Nina Tomsic estreia nas novelas depois de fazer pequeno papel em ‘Filhas de Eva’, série do Globoplay

Como a jovem Ingrid, a atriz tem elevado o debate acerca das convenções de gênero, principalmente no que diz respeito à estética. Filha da empresária Paula Terrare (Giovanna Antonelli), digna do título de patricinha, a jovem vive sob constante pressão materna para mudar a sua aparência e seu jeito de ser enquanto implora pela aceitação da mãe. Em meio às intrigas familiares, a frustração da jovem é canalizada por atos de rebeldia e de grande exposição emotiva: lágrimas e suspiros não lhe são desconhecidos. “A Ingrid é uma adolescente tão frágil e tão aberta sobre isso, ela não tem uma questão com choro, com se mostrar carente, querer chamar a atenção de propósito. Acho muito corajoso da parte dela lidar tão bem com as fraquezas e não ter vergonha disso”, afirma Nina que, durante as gravações da novela, conheceu um lado mais vulnerável graças à personagem. 

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“Interpretar ela foi realmente uma mudança na minha vida, uma espécie de evolução. Eu sempre fui uma pessoa que sempre foi mais fechada às fragilidades e sempre tive uma barreira em relação ao mundo, um escudo de certa forma, o que é algo que muitas pessoas, principalmente mulheres, acabam criando para se protegerem desse mundo bizarro”, expõe a atriz.  Autoconfiante na sua individualidade, a atriz, que percorreu um processo lento de aceitação e hoje rompe com diversos padrões de beleza e de comportamento, como não usar maquiagem ou não se depilar, precisou fazer terapia para entender esse choque emocional que estava vivendo pela primeira vez ao entrar em contato com os sentimentos da personagem.

“Foi muito difícil no começo trazer as emoções da Ingrid sem me afetar como Nina. Eu estava acostumada a ser uma pessoa super segura e tranquila, e no começo das gravações eu tinha uma insegurança muito estranha, o que me fez entrar em um processo de dúvidas e de sentir que eu não estava me encaixando no lugar. Eu percebi que estava sentindo essas coisas pela primeira vez, de uma forma tão forte e exposta, e era preciso fazer as pazes com isso. Caso contrário, eu ia fazer das gravações um inferno para mim’’, relembra. 

Em seu papel de estreia, Nina Tomsic vive Ingrid, uma jovem que sofre com a pressão da mãe para seguir os padrões estéticos

Nesse processo, Nina não apenas se surpreendeu com outras facetas da sua personalidade como também percebeu como é importante comungar experiências com outras pessoas, até mesmo desconhecidas. É comum encontrar conteúdos nos quais Nina, quase sempre sem qualquer glamour, levanta questionamentos que a transpassam e expõe suas reflexões, sempre com uma pitada de bom humor e ironia, em suas redes sociais. Para a atriz, é importante que o público a reconheça como uma semelhante, sem qualquer idealização ou romantização da persona pública ou do ofício. “Esse lugar da exposição, da fama, traz uma visão de que essas pessoas não tem problemas e cria uma falsa noção de que precisamos passar por eles sozinhas. Eu estou aqui para passar pelas coisas da vida com todo mundo, estamos todos no mesmo barco”, declara. Na última semana, Nina deu uma entrevista ao jornal Extra sobre o seu papel na novela e em um post de divulgação no seu Instagram a atriz fez questão de comentar sobre os receios que teve com relação à matéria. 

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Em um primeiro momento, houve a preocupação de que as pessoas não compreendessem o subtítulo “atriz da novela das 7 tem ratas de estimação e coleção de tampas de catuaba” e a julgassem por suas escolhas. Para muitos artistas aspirantes, a ideia de expor algo tão íntimo e pessoal nas redes não os convém, mas com a liberdade que o humor lhe propõe, a atriz não hesitou em expor sua vulnerabilidade, abrindo um canal de comunicação sincero com seus seguidores. ‘’O humor é um lugar onde primeiro precisamos aceitar as nossas fraquezas, defeitos e piores lugares para a gente partir daí e, enfim, começar a se aceitar de verdade. Se sair uma matéria que me faça insegura, eu vou conversar com as pessoas e dizer o que está acontecendo. É justamente um lugar coletivo de mudanças. Vamos tentar de outra forma juntos? Isso aproxima muito as pessoas, está sendo muito bom’’, diz.

Assim como Nina Tomsic, Ingrid também vai passar por algumas descobertas pessoais e até o fim da novela muitas emoções vão invadir a casa da família Terrare. Nessa epopeia familiar, acolhimento, amadurecimento e reconhecimento são os pilares do arco narrativo de Ingrid e Paula. “O que nós esperamos das duas é muito acolhimento, principalmente por parte da mãe. Em algum momento, ela precisa ter uma redenção e entender que não dá para ser do jeito dela. É preciso abraçar as pessoas, tem que ver as diferenças e se sentir confortável com isso. Ver que fragilidades não é um lugar de fracasso. Podemos esperar uma redenção, com elas aprendendo uma com a outra um meio termo, como elas conseguem se entender na comunicação. As duas vão com certeza aprender e terminar construindo um amor que é delas. Elas não têm como se amar dentro de nenhum padrão, elas vão ter que criar o delas mesmo”, conta a atriz sem dar muitos spoilers. 

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Como em qualquer relação, a evolução é uma via de mão dupla e Ingrid também terá que fazer uma autocrítica. Aos olhos de Nina, ninguém é feito só de defeitos e Paula tem muito a oferecer. Inclusive, Ingrid já tem trejeitos e características da mãe, só ela ainda que não percebeu. “Não tem como negar que a Paula é uma mulher muito foda. Ela faz o que quer. Acho que a Ingrid podia tentar enxergar a Paula um pouco além do que é estético e aproveitar essa fortaleza que a mãe dela construiu. Quando a Ingrid quer ser forte, ela puxa a Paula interior. Eu quis trazer muitas características sutis, alguns jeitinhos, da Paula na Ingrid de vez em quando”, explica. A relação das duas dialoga com reflexões que têm estado presente na mídia cada vez mais, especialmente agora após lançamento de produções como ‘A Filha Perdida’ e ‘Amor de Mãe’. 

Mulheres ao redor do mundo questionam a romantização da maternidade, quebrando com os estigmas e expectativas que são impostas às mulheres, sejam elas mães ou filhas. Por debaixo das brigas, estão nuances que mostram que a maternidade está longe de ser um mar de rosas e não deve ser exposta ao conceito de perfeição. Para Nina, essa discussão é importante para escancarar o desconforto que é viver em busca dessa idealização. “Esses lugares de perfeição coca-cola que construímos até hoje tem que cair, porque estamos desconfortáveis vivendo em uma sociedade imaginária. Seria tão mais confortável se a gente aceitasse essas coisas que são tão múltiplas e todo mundo ir aprendendo com essas experiências ao invés de nos frustramos”, reflete a atriz que, diferente da Ingrid, não tem do que reclamar dos pais. 

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Em contraste com a dinâmica da família Terrare, a relação materna no mundo real é baseada no respeito mútuo e aceitação da liberdade de expressão de cada um, mesmo quando uma das partes não concorda com a outra. “Minha mãe é uma pessoa muito inteligente, que sempre procura estar estudando. Óbvio que brigamos como qualquer parente, mas quando acontece eu vejo que ela faz um esforço de depois tentar estudar o que eu estava falando porque é uma geração diferente. Minha mãe é uma pessoa muito aberta e isso facilita muito”, diz Nina que não por ora não pretende ser mãe de nenhum ser humano — apenas da sua ratinha América e de outros que devem aparecer no seu caminho. 

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A troca nos bastidores com a sua mãe fictícia também não poderia ser melhor e Nina Tomsic é apenas elogios para a parceira de cena. Durante as gravações, Tomsic pode ficar mais próxima de Giovanna, com quem havia trabalhado rapidamente na série Filhas de Eva, e vê-la sob uma ótica privilegiada. “A Giovana é uma pessoa que me deixa sem palavras. Ela é uma pessoa extremamente inteligente, profissional…nem tenho mais o que falar dela. A cada entrevista, eu falo um adjetivo diferente. Estou ficando sem opção já de tão incrível que ela é. Tem o lugar profissional dela, mas também o lugar humano. Foi muito legal ver as falhas e as inseguranças dela, ver como ela fica feliz, como ela sorri, o que ela acha interessante, porque, de certa forma, ela é a imagem de uma ídola, é uma deusa no Brasil”, relembra a atriz que tem recebido elogios não apenas da Giovanna e de outras colegas de elenco como também da crítica. No fim do ano passado, Nina, ao lado de Jussara Freire, recebeu um 10 na coluna da Patrícia Kogut, principal termômetro dos produtos Globo. 

E AI DE QUEM LHE SEGURE!

Formada em artes cênicas pelo Tablado e aluna da Unirio, Nina Tomsic já soma 13 anos de experiência no palco, mas foi somente na minissérie ‘Filhas de Eva’, do Globoplay, que a atriz deu a largada nas telinhas brasileiras. Após a indicação do amigo, escritor e diretor Daniel Belmonte à Mariana Duarte, assistente de direção da série, Nina conseguiu o papel da Mari, uma jovem militante pelos direitos das mulheres — cujo trabalho rendeu à atriz  a oportunidade de integrar o elenco de ‘Quanto Mais Vida Melhor’. “O Daniel acabou me abrindo mais portas do que ele poderia ter imaginado. Foi o pensamento certo na hora certa. Eu fico muito feliz pelas indicações terem sido feitas pelo meu trabalho, sabe? Dá muito orgulho falar e ver que todos esses anos que eu passei estudando e ralando para me botar na roda deram certo”, reflete. 

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Como coadjuvante, a personagem de Nina em ‘Filhas de Eva’ abordou o momento atual da luta feminista pelo olhar da nova geração aos problemas que ainda se fazem contemporâneos. “Temos que entender que mulher é uma construção e abraçar a diversidade feminina. Ser mulher, a luta feminista, não pode ter a ver apenas com os órgãos sexuais. Ainda existe essa noção, e até entendo porque o empoderamento feminista veio há pouquíssimo tempo, mas temos que entender que vai muito além disso. Aliás, o que é ser mulher? Não sei, mas só de entender isso já é, ao meu ver, um primeiro passo importante na luta das mulheres. É preciso abrir essa luta, expandir esse pensamento e começar abraçando essas outras pessoas que acabam não se encontrando porque o feminismo não abrange. É tudo muito complexo”, declara. 

Ainda em seus primeiros passos na teledramaturgia brasileira, Nina Tomsic já pode dizer que foi pupila de grandes nomes femininos, dentre eles, além de Antonelli, Julia Lemmertz e Jussara Freire. Para a atriz, o encontro foi uma verdadeira escola, uma experiência surreal que nem ela mesma acredita que tenha acontecido. “Acho que nas vidas passadas eu penei muito, porque essa está muito boa para mim. Todos eles são todos incríveis, abertos para ensinar a gente, muito únicos, e cada um tem um jeito tão diferente, tão legal de ficar observando. Por ser meu primeiro grande trabalho, estar tão bem acompanhada foi muito bom”, conta Nina que já era amiga da Lemmertz desde o tempo da creche. “Ela é mãe de um grande amigo meu da creche. Eu era um bebê e do nada estava trabalhando com ela. Foi mágico, uma coisa muito linda, fico até emocionada de pensar de tanta admiração”, diz. 

Formada em artes cênicas no Tablado e estudante da UniRio, Nina sonha em seguir a carreira de direção.

Artista de muitos amores, Nina Tomsic já tem planos para o futuro da sua carreira, a qual a jovem almeja levar para a Argentina – país de origem de sua família. Além de continuar com seus projetos pessoais [o canal de humor Limões, o grupo teatral Chão e a marca de estampas Desgole], a atriz já está envolvida em novos papéis e planeja retornar aos palcos na primeira oportunidade, seu primeiro grande amor. “Pisar no palco nunca deixou de ser a minha prioridade. Não tem um sentimento igual ao de subir no palco, é viciante. Essa vontade psicológica de fazer xixi antes de entrar no palco, esse nervosismo, essa coletividade que o teatro traz por ter pessoas tão próximas por um período tão curto, que começa e acaba, muitas vezes acontece uma vez e nunca mais acontece”, diz Nina que sonha em lotar um teatro e investir com o próprio dinheiro na área. 

No ano passado, Nina teve a oportunidade de dirigir um pequeno espetáculo online durante a quarentena, atiçando ainda mais o seu desejo em trabalhar na função. “Quero muito conseguir me desenvolver mais na carreira de direção, tenho muito tesão nisso. Quero aprender e continuar desfrutando desse lugar de atriz para aprender o máximo que eu puder”, conta a atriz que acredita que a presença das mulheres atrás das câmeras resultou em produtos melhores, mais sensíveis e que trouxeram, finalmente, homens que choram. Como toda artista aspirante, ainda mais cria do universo teatral, Nina Tomsic sabe que o mundo de hoje não gosta de artistas, mas sim de personalidades.

A cultura digital culminou na demanda de número de seguidores para que os atores pudessem fazer testes de elenco, um fenômeno que preocupa muito a jovem atriz que viu de perto as dificuldades do ofício no cotidiano da faculdade. ‘’É um pensamento muito estranho, que cada vez faz menos sentido. Está nas mãos dos produtores de elenco, dos diretores, de realmente entenderem que, para além de ser um mercado muito difícil de entrar, aqui no Brasil ainda tem muita desigualdade e com poucas oportunidades para profissionais marginalizados. Eu vim da Unirio, então não tem como eu não me revoltar com esse mercado”, reflete. Cheia de convicções e planos, é assim que Nina vai levando a vida e, desde que ela possa continuar a se expressar, pouco importa se aos olhos dos outros ela é excêntrica ou estranha. “Eu acho que sou verdadeiramente normal. Uma pessoa ter que se encaixar em milhões de coisas para ser normal já não é algo natural”, diz. E assim, seja no teatro, na televisão, no cinema ou na ilustração, as únicas regras que Nina Tomsic continuará a seguir são as da liberdade.