Nill Marcondes: ator faz bonito no streaming e luta contra o preconceito: ‘Recusei muito papel de bandido e escravo’


Aos 50 anos, o ator, dublador, produtor de curta e diretor de clipe atua nas séries ‘O Santo Maldito’, da Star+, e ‘Amar É Para os Fortes’, da Amazon Prime Video. “Em relação ao racismo estrutural, eu fui chamado de preto de nariz empinado. Mas nunca fui. O que eu sou é um cara de opinião, forte e confiante em mim. Sabia o que queria e sempre me valorizei. Infelizmente isso não agrada algumas pessoas”, desabafa, acrescentando: “Não vou fazer um personagem que vai só ficar descalço e sofrer. Hoje, literalmente para eu fazer qualquer personagem neste caminho, ele tem que ter uma riqueza de dramaturgia, de volume de história. De quase dez anos pra cá já recusei muito papel”

Nill Marcondes: ator faz bonito no streaming e luta contra o preconceito: 'Recusei muito papel de bandido e escravo'

* Por Carlos Lima Costa

Os 50 anos de idade costumam ser um momento de muita reflexão e avaliação do caminho percorrido. O ator, dublador e cineasta Nill Marcondes, que este ano vai ser visto nas séries inéditas, O Santo Maldito, da Star +, e Amar É Para os Fortes, da Amazon Prime Video, completou cinco décadas de vida no último dia 6. E ressalta o patamar que vislumbrava atingir neste momento, destacando percalços e preconceitos enfrentados em 34 anos de carreira. “Pensando na minha trajetória e onde eu vim depois de lutar sozinho, de ser sempre um cara que teve muita opinião, me sinto feliz por tudo que conquistei”, afirma. O ator estreou na televisão, em 1996, interpretando um escravo na novela Xica da Silva, na extinta TV Manchete.

“Teve um caminho que é natural de te colocar nesse lugar de fazer o mesmo personagem. Mas comecei a recusar depois de um certo tempo. A última vez que interpretei um escravo, eu estava contratado na Record, quando disse: ‘Estou com mais de 40 anos, não vou fazer um personagem que vai só ficar descalço e sofrer. Hoje, literalmente para eu fazer qualquer personagem neste caminho, ele tem que ter uma riqueza de dramaturgia, de volume de história. De quase dez anos pra cá já recusei muito papel de bandido e escravo, falei que não era relevante para a história”, comenta ele que já produziu curtas e dirigiu clipes. “Sou um cara que gosto muito de agregar as pessoas, me preocupo mais em me unir ao outro do que vencer sozinho e gosto de trazer a cultura de verdade, mostrar gente que faz parte disso só que não é conhecida. Eu e um sócio, vamos para a nossa terceira curadoria de artista de grafite, reunindo de 20 a 30 grafiteiros, em Itanhaém”, conta ele, sobre o evento no bar Brisa, no próximo dia 20.

“Em relação ao racismo estrutural, eu fui chamado de preto de nariz empinado. Mas nunca fui. O que eu sou é um cara de opinião, forte e confiante em mim. Sabia o que queria e sempre me valorizei. Infelizmente isso não agrada algumas pessoas”, desabafa. Em tom crítico, ele prossegue discorrendo sobre o tema: “Eu sempre lutei. Vejo as novas gerações falando muito de fazer e se ajudar. Mas, eu praticamente só vejo falando dos artistas negros lá de fora. Quando é o contrário, comentam sobre aquele que está no ar. Falta muita união ainda. Valorizam muito os que estão em evidência. Tanta gente que está esquecida aí. Poucos valorizam o que já foi feito como eu valorizo Milton Gonçalves, o falecido Antonio Pompeo (1953-2016), Tony Tornado. Acho que essa geração vai passando esquecida. Parece que as pessoas dão mais valor a quem está o tempo inteiro na rede social fazendo dancinha e esquece o nosso lado profissional”, lamenta.

"Hoje, entendo porque diziam que eu era um preto de nariz empinado. Mas nunca fui. Sou é um cara de opinião, confiante em mim. Sabia o que queria e sempre me valorizei", frisa Nill (Foto: Carla Formanek/Produção: Browns Singular Man)

“Hoje, entendo porque diziam que eu era um preto de nariz empinado. Mas nunca fui. Sou é um cara de opinião, confiante em mim. Sabia o que queria e sempre me valorizei”, frisa Nill (Foto: Carla Formanek/Produção: Browns Singular Man)

Afirma ainda que tem percebido certas melhoras de ações contra o racismo na sua profissão por conta dos precursores que abriram portas e também devido às batalhas da sua geração. “Esse é um país onde se consome muito, o preto consome muito. Mas não acredito que o preconceito mudou realmente, porque ‘agora amam os pretos’. Mudou pela realidade financeira e também pela pressão de que a gente tem que estar nesses lugares, esses espaços são nossos. Na própria dublagem, briguei muito para ganhar meu espaço. “Até quem é famoso ou tem dinheiro, passa o tempo inteiro por racismo. Isso é fato. Eu passo todo dia. Sou motociclista e vejo tantos como eu andarem pela rua e verem a história da porta baixar. Com as redes sociais ficou mais claro que o Brasil é um dos países mais racistas. Quando gravei Escrava Mãe, eu morei em Campinas, uma cidade extremamente racista. Quando vemos um preto ocupando um determinado posto, é porque pensam que é melhor pôr para não reclamarem”, analisa.

"Até quem é famoso ou tem dinheiro, passa o tempo inteiro por racismo. Isso é fato. Eu passo todo dia", assegura Nill (Foto: Carla Formanek/Produção: Browns Singular Man)

“Até quem é famoso ou tem dinheiro, passa o tempo inteiro por racismo. Isso é fato. Eu passo todo dia”, assegura Nill (Foto: Carla Formanek/Produção: Browns Singular Man)

Sobre a questão da idade biológica, ele está tranquilo. “Estou parecendo um garoto de 35, a cabeça nunca acompanhou muito essa idade do papel. Me cuido e me alimento sempre o melhor possível. Então, os 50 me vieram com louvor. Pesa somente na responsabilidade e no tamanho da história profissional. Minha barba está branca, mas se pinto, aparento dez anos a menos. E consigo transitar em personagens de 38 anos. Mas sinto que estão surgindo trabalhos compatíveis com a minha idade. Agora, eu só faço teste para pai, então, estou feliz, porque tudo que a gente queria era ter família na história, nem sempre ser aquele personagem solitário”, explica ele, que na vida real tem dois filhos: Sasha, que vai completar 26 anos, e Kauã, 25. Inclusive, vai fazer um podcast, um trabalho de voz em que vai dar vida ao pai de Rocco Pitanga.

Usar somente a voz também é uma constante, afinal, Nill também é dublador há 20 anos. No momento, por exemplo, além do protagonista da série Raised By Wolves, do Ridley Scott, que passa na HBO Max, a voz dele pode ser identificada também, em Gangs of London, da Starzplay, e em Outlander, na Netflix, e no game Assassin’s Creed 3.

Nill também é dublador e sua voz pode ser identificada em séries como Raised By Wolves e Gangs of London (Foto: Carla Formanek/Produção: Browns Singular Man)

Nill também é dublador e sua voz pode ser identificada em séries como Raised By Wolves e Gangs of London (Foto: Carla Formanek/Produção: Browns Singular Man)

Os trabalhos presenciais vem sendo retomados. Mas ele, que entre os dias 14 e 16 de abril vai dar vida a Herodes, no espetáculo da Paixão de Cristo, em Alagoinhas, Pernambuco, explica que enfrentou como todos o período difícil desses dois anos de pandemia. “Sofri com a questão de trabalho. Mas o segundo ano foi mais pesado. Dia 15, agora, vai fazer um ano que minha mãe (Zilda Ferreira) morreu de Covid, aos 83 anos. Ela não tinha tomado nem a primeira dose da vacina, não tinha chegado em Goiânia. Então, foi difícil depois que a mamãe partiu. Aí fiquei meio deprê. Depois, com o trabalho voltando, fui me agarrando nele e nos amigos que me ligavam e mandavam mensagens”, revela Nill que a homenageou tatuando a imagem dela em metade das costas, na Ink City Tattoo, onde em seguida fez outras duas tatuagens, totalizando 15 em seu corpo. Ele ressalta, que conseguiu que a mãe participasse de alguns de seus trabalhos artísticos, como na novela Vidas em Jogo, e no filme Christabel.

Há um ano, Nill perdeu a mãe para a covid e a homenageou com uma tatuagem do rosto dela em suas costas (Foto: Arquivo Pessoal)

Há um ano, Nill perdeu a mãe para a covid e a homenageou com uma tatuagem do rosto dela em suas costas (Foto: Arquivo Pessoal)

Nill contraiu a doença recentemente. “Eu só fiquei sabendo, porque estava gravando a série O Santo. Descobri quando fiz teste no retorno da nossa folga de final de ano”, conta ele, que já havia sido imunizado com duas doses da vacina. Nessa produção da Star +, ele interpreta Sérgio, que após perder a esposa no parto da filha, abandonou a menina em uma instituição. Ele a reencontra 16 anos depois e tenta resgatar essa história. Com direção de Gustavo Bonafé, a série é protagonizada por Felipe Camargo, um crítico de religiões. Nill vai estar ainda em Amar É Para os Fortes, da Amazon Prime Video, criada por Marcelo D2 e Antonia Pellegrino. E já está escalado para um novo filme da Netflix. Nos streamings, aliás, ele pode ser visto em trabalhos antigos, como nas séries Auto Posto (em breve vai ser gravada uma segunda temporada), no canal Comedy Central Brasil, Os Ausentes, da HBO, e na primeira temporada de A Divisão, do Globoplay.

Nill Marcondes e o cantor Martinho da Vila, a quem ele interpretou no teatro, na peça Martinho da Vila 8.0 – Uma Filosofia de Vida (Foto: Jan Sen)

Nill Marcondes e o cantor Martinho da Vila, a quem ele interpretou no teatro, na peça Martinho da Vila 8.0 – Uma Filosofia de Vida (Foto: Jan Sen)

Na TV aberta, Nill esteve presente em diversas novelas, como Mandacaru, Força de Um Desejo, Vidas Opostas e Balacobaco. Mas foi no teatro que viveu um de seus personagens mais gratificantes. Ele interpretou Martinho da Vila, ícone da música brasileira, em 2018, no espetáculo Martinho da Vila 8.0 – Uma Filosofia de Vida. “Quando foi chamado para dirigir, o William Vita, na hora pensou em mim. E foi incrível. Aí fui ver o quanto realmente sou parecido com o Martinho. Ele mesmo falou: ‘Você se parece mais comigo do que os meus próprios filhos’. A mãe dele também lavava roupa como a minha. Então, tudo se aproximou muito. Quando ele foi assistir, eu tremia. Ele disse: ‘Todos os atores são ótimos, mas quando Nill Marcondes entra em cena eu me vejo no palco’. Ele repetiu isso todas as vezes que lhe perguntavam sobre mim. Não há dúvida que foi um dos melhores trabalhos da minha vida”, ressalta.