*por Luísa Giraldo
Aos 24 anos, a atriz Nila é uma das potências pertences à Geração Z para a ampliação do debate acerca da inclusão de corpos, gêneros e sexualidades não cis em filmes e séries brasileiras. Estamos no mês da Visibilidade Trans e é importante abordar o papel de Nila como a versão jovem de Camila, durante o processo de transição da personagem na adaptação da coleção de livros sucesso de Bruna Vieira, “De Volta Aos 15“, feita pela Netflix. Nila foi alçada à condição de fenômeno da comunidade LGBTQIA+ na juventude. Em conversa exclusiva com o site Heloisa Tolipan, Nila fala sobre a trajetória de autodescoberta como pessoa não-binária, os desafios de interpretar personagens trans no audiovisual e aprofunda as reflexões sobre a personagem Camila.
A artista se coloca como uma pessoa trans não binaria e ressalta que o papel como Camila, na série produzia pela Netflix, a ajudou a compreender o próprio caminho e gênero. “Sinto que tenho um processo de trabalho que inevitavelmente influência muito na minha vida. Então, sinto que fazer a Camila me ajudou a entender muito mais rápido certas coisas sobre a minha transição. É muito doido porque é agora que a gente está fazendo a Camila ainda em transição. A terceira temporada vai se passar em 2009, três anos depois, então muitas coisas ali já foram entendidas e já aconteceram. Pouco antes de começar a trabalhar com essa personagem, essas questões de gênero voltaram muito fortemente para mim, porque estou em uma nova pesquisa em relação a isso. Fico me questionando o que não me faz uma mulher e o que me faz uma pessoa não-binária, e vice-versa. Categoricamente, sou uma pessoa binária, mas globalmente sou trans”, declara.
Em consonância, Nila entende que a série abordou o tema da autodescoberta e da experimentação de forma muito sensível. Segundo a atriz, o público recebeu muito bem o produto audiovisual, sobretudo a primeira temporada, em que Camila é apresentada em suas duas versões: durante a adolescência, pouco antes do início do processo de descoberta com o nome morto, César, e na fase adulta, já como Camila.
“A Camila é apresentada no primeiro episódio de uma forma que acho inovadora e surpreendente: o fato de não grifar que ela é uma mulher trans [como aconteceu com o personagem Michael]. A Camila com 30 anos aparece no final do primeiro episódio quando a Anita está acordando. É muito importante o que acontece, porque a protagonista fica pensando ‘eu conheço ela, mas qual é o nome dela?’, mas não chama ela em nenhum momento pelo nome morto. É muito educativo e inteligente da parte da dramaturgia. Me incomoda que boa parte das pessoas acha difícil as narrativas LGBQIA+, sobre negritude e outras temáticas sociais e internaliza que não vai entendê-las”, critica Nila, que opta por usar pronomes femininos.
Ainda na temática, a atriz identifica que a abordagem do processo de autodescoberta e transição na segunda temporada de “De Volta Aos 15” foi pensada com muito cuidado. Quando a equipe de produção informou à artista acerca da trajetória da personagem, Nila pediu que muitos conceitos do senso comum fossem revistos. A ideia dela era trabalhar o contexto da forma mais natural possível durante a adolescência da personagem.
Ela recorda do processo de construção das cenas. “Disse que a gente precisava ter muito cuidado com a abordagem desse tema, já que qual outra produção do Brasil aborda a transição na adolescência? A gente sabe que não tem nenhum, até mesmo em escala mundial. Então, era o primeiro contato muito íntimo da sociedade com o assunto. Acho que foi muito bem executado, que a história foi bem conduzida. As equipes de direção e roteiro me ouviram muito porque havia coisas que eu olhava e falava: ‘olha, não dá para a gente não ter com uma personagem trans que está passando pela puberdade’. Um exemplo é como estaria a cabeça do Cézar, que está se entendendo enquanto mulher, com o fato de terem pelos crescendo em todo canto do corpo dela. Ou, como ela estaria lidando com a mudança de voz”, relata, com emoção.
A partir das trocas entre Nila e a equipe por trás das câmeras, foi incluída uma das cenas favoritas da atriz. Ela descreve como “muito simples, mas linda e com um figurino perfeito”. No início do quarto episódio, a personagem está em casa experimentando uma saia amarela no espelho, até que o pai dela entra e Camila, até então Cézar, esconde a peça com um cachecol. Para a artista, trata-se do momento em que a série reservou para “falar sobre a intimidade do corpo da personagem com ela mesma”.
Gênero e sexualidade de Nila como um todo
Intérprete da amada “Camila” em “De Volta Aos 15”, a atriz Nila afirma que sempre encarou a vida e a descoberta de gênero com naturalidade. Afinal, ela entende que seria “inevitável” se “imaginar fingindo ser alguém para conseguir trabalhos”, a partir de comportamentos como ficar no armário e se relacionar com pessoas em segredo.
Deveria saber como [porque trabalho com a atuação], mas não me imaginado existindo dessa forma. Amo muito meu trabalho, amo ser atriz, gosto muito do audiovisual e quero, até mesmo, trabalhar em outras frentes, mas acho que ser atriz é a grande coisa da minha vida. Não tem como ser verdadeira em cena se não sou verdadeira na vida — Nila
“Desde o início, tive a ideia de ser quem sou muito falta porque não queria ter a minha liberdade restringida por outras pessoas. Sempre me coloquei assim, desde o meu primeiro trabalho em ‘Malhação’, no qual já falava sobre ser uma pessoa não binária. Ainda usava o meu nome de registro, mas me entendi como não binaria aos 16 anos. Mas foi em 2020 que entendi que pessoas não binárias também seriam trans. São passeios complexos dentro do gênero, mas nunca foi uma opção para não me colocar da forma que sou”, observa.
Tocada pelas reflexões sobre a não-binariedade, a artista confessa se sentir em um “lugar muito solitário” pela responsabilidade de “anunciar” pautas e debates sobre o assunto ao público.
Malhação
Nila entrou no elenco da novela “Malhação: Vidas Brasileiras” aos 18 anos e não deixa de salientar a importância do trabalho para a carreira. Ficou a cargo dela, com Giovanni Dopico, que dava vida ao jovem Santiago, o primeiro beijo gay da novela teen em um contexto político extremo: na semana das eleições de 2018.
Apesar de estar ciente da importância do trabalho, a artista recorda das inúmeras ondas de hate que recebeu do público com o papel de Michael. “Era surreal a quantidade de ofensas que recebi em todas as redes sociais. Eram muito pesadas. Por outro lado, com em ‘De Volta Aos 15’, foi tranquilo de um jeito que me deixou até mal acostumada. Porque acredito que essas pessoas muito preconceituosas que tem que ter acesso a esse tipo de assunto. É muito interessante como sinto que meu público se expandiu desde a Camila, por ser uma série que cobre uma faixa etária muito extensa: de nove a 33 anos”.
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