*Por Brunna Condini
Após mais de uma década sem participar de uma novela, Natália Lage ganhou de presente de Lícia Manzo, autora de ‘Um Lugar ao Sol‘, Gabriela, personagem que tem naturalizado o amor entre duas mulheres. Na trama das 21h, a médica interpretada por Natália vive em clima de romance com Ilana (Mariana Lima), que terá direito a uma declaração de amor em cenas previstas para irem ao ar no capítulo de 5 de março. “Tive a preocupação de não estereotipá-la e isso tem a ver com a minha visão de mundo. Não queria que a personagem viesse reforçar preconceitos sobre a população LGBTQIA+. Acho que deu certo, porque as pessoas estão torcendo muito para elas ficarem juntas. E isso em um momento no Brasil bem delicado, onde todas as conquistas dos grupos minoritários, em nome da representatividade, foram deslegitimadas por um presidente homofóbico, racista. Não quero levantar essa bandeira, ser a pessoa que fala mal do Bolsonaro, mas isso não é novidade para ninguém. Não estou falando de escolha pela direita ou pela esquerda, mas de valores morais para um país andar para frente, questões básicas de direitos humanos. Quando você vai quebrando esses valores, e têm seguidores, apoiadores, isso pode custar a vida de pessoas. Tenho muitos amigos homossexuais e acompanho o assunto”.
A atriz observa ainda: “Tive mais questões com o vocabulário médico do que com a relação, a sexualidade delas. Precisamos naturalizar o amor. As pessoas precisam ser respeitadas. Gabriela é apenas uma pessoa que está vivendo uma história de amor, precisamos entender que a diversidade é demasiadamente humana. Então, dar voz à personagem assim é artisticamente importante, politicamente importante. E ela é uma pessoa muito legal, tem uma postura bacana”.
Apesar de acreditar na importância de certos temas estarem na dramaturgia, por conta do seu alcance, Natália sonha com o dia que preconceitos contra grupos ou pessoas não precisem ser discutidos. “O Brasil é imenso e está reacionário. Precisamos nos unir, sem espírito bélico. Mas infelizmente, existe uma tendência grande violenta de quem não entende e não respeita a diversidade humana. Existem muitas famílias LGBTQIA+ mais saudáveis do que as tais ‘tradicionais famílias brasileiras’. Como atriz, meu exercício diário é de tentar me colocar no lugar do outro, então consciente ou inconscientemente, trazemos isso para a vida, o que ajuda a se relacionar melhor, ter empatia”.
Do tamanho que faz bem
São 43 anos de vida e 34 dedicados ao ofício de interpretar. A atriz cresceu nos sets, diante do público, mas não romantiza isso, e tão pouco problematiza. “O melhor de começar ainda criança é que você ganha horas de voo. Cria uma memória corporal, emotiva, a oportunidade de ter trabalhado com gente muito boa. Se torna conhecida do mercado e descobre o que deseja fazer desde cedo”, avalia. “O ponto negativo é a superexposição para uma criança, para uma adolescente. Apesar dos meus pais sempre terem sido muito cuidadosos. Quando criança não sentia isso, mas, adolescente, pensava se estava perdendo algo, aquelas coisas muito reflexivas da idade”, completa ela, que estreou diante das câmeras em grande estilo, no seriado ‘Tarcísio & Glória‘ (1988).
E acrescenta: “Sempre fui reservada, não gosto de falar sobre a minha vida pessoal, por exemplo. Mas tem frase mais cafona que “não falo da minha vida pessoal”? (risos). É que sou simples, um gosto pessoal pela discrição, pela profundidade. Tem a ver com tudo que vejo, pessoas que admiro, isso me faz me colocar publicamente de uma forma que seja relevante. Muito tempo me cobrei de não ser essa pessoa da mídia, mais exposta, para ser vista, reconhecida. Mas, hoje, olhando em retrospecto, acho que estou em um lugar bom de tamanho, reconhecimento. Que também é importante para ser chamada para trabalhos. Mas tudo isso é um cálculo delicado. Saber quem você é, ter um norte, te ajuda a ir e voltar”.
Natália seguiu na carreira, algo que muitos atores mirins não conseguem. No entanto, não se rendeu ao ‘universo paralelo’ das celebridades, como muitos atores, principalmente na TV, acabam fazendo. “A profissão é dura. É difícil se manter. Não cair neste caminho de superexposição, de se tornar celebridade, tem um preço. Mas, as escolhas de vida são assim. Há pontos positivos e negativos. Não fico remoendo nada e também não tenho arrependimentos. Estou no lugar onde estou, satisfeita com o meu tamanho. Além disso, ainda há muito pela frente”.
Dedicação e liberdade
Nos últimos anos, a atriz tem estado no teatro, no cinema, nas séries e seriados – esteve em ‘A Grande Família’ e ‘Tapas e Beijos’ durante várias temporadas – estuda e se provoca como artista, explorando possibilidades, como sua versão pintora. A próxima mostra de Natália será dia 19 de março, no Espaço Cultural Correios, em Niterói, cidade onde nasceu. “Venho pintando desde o início da pandemia e essa é a segunda vez que vou expor. A pintura é uma descoberta. Me liberta, me faz brincar. Ali não me cobro tanto, como sempre me cobrei”, diz.
Ela também estará em três filmes, que serão lançados ainda este ano, e observa a transformação de mercado para o ator. “Vejo mudanças estruturais com a chegada dos streamings. Algumas novelas também tentam se aproximar da linguagem das séries. Acho que isso é bom porque abre possibilidades de trabalho. Você não fica no monopólio de uma grande TV no país. Além disso, a internet possibilitou a chegada de muitos pontos de vista”, pontua.
“E neste universo mais amplo existem muitos perfis profissionais na área hoje. Têm atores comprometidos, têm os influencers, que lembram os modelos que viravam atores. Acho que há espaço para todo mundo. Todos têm direito de se mostrar e expressar artisticamente. Todo mundo pode cantar, atuar, escrever, se vai ser bom ou ruim, o tempo vai dizer. Temos que julgar menos”.
Como se manteve tão verdadeira à sua natureza nestes anos todos? “Minha cabeça é fruto da minha espiritualidade, que traz empatia para a minha vida. Também faço terapia, que é uma busca pessoal para entender o que estou fazendo aqui. Se todo mundo se fizesse mais essa pergunta e buscasse menos cumprir tarefas, seria ótimo. Ver qual é a sua. Que, na verdade, é uma busca eterna. Qual é o seu caminho? Dói, mas isso move. E é a vontade de sair daqui melhor do que cheguei”, divide.
“Quero emocionar as pessoas com o meu trabalho e ser melhor para mim e para as pessoas que me conhecem. É uma busca espiritual de domínio próprio. Não sonho com prêmios, personagens, não quero ficar na história. Se ficar, beleza, mas não muda nada para mim. Quero as pessoas, as relações, isso a gente leva. A fama, o dinheiro, são gostosuras da vida. Mas são coisas que vêm e passam. A vida é muito breve e temos que estar muito conscientes disso”.
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