*Por Brunna Condini
Na estreia de “Dependentes“, ontem, quarta-feira, a primeira série de ficção adulta do Canal Futura, o ator Jorge Caetano, que vive Jonas, ex-dependente e um dos protagonistas ao lado de Luisa Thiré (Bárbara), salienta a relevância do trabalho. “O maior propósito é unir educação com a comunicação para transformar, com um modelo de produção audiovisual educativa, participativa e inclusiva. Foi bela aposta do canal investir em uma série que trata do problema das drogas, principalmente entre os jovens”, diz.
“Dependentes” fala da experiência de usuários de drogas, suas famílias e amigos, a partir de um grupo de ajuda, orientado pelo personagem de Caetano. “Ele coordena as reuniões, ao lado de sua assistente Renée, interpretada por Julia Gorman, e geralmente escuta muito mais do que fala”, comenta, acrescentando: “Quando ainda era adicto de drogas, Jonas se envolveu num episódio que culminou num terrível acidente e deixou seu companheiro, Túlio (Samuel Toledo) em estado vegetativo. A culpa o consumiu até o ponto que ele resolveu canalizar esse trauma, ajudando outras pessoas. Tive a oportunidade de conversar com o terapeuta e ator Marcelo Orofino e trocamos várias impressões sobre o tema”, revela, sobre o personagem da série rodada em preto e branco e dirigida por Marco Altberg, que reúne também atores como Alexandre Mofatti, Letícia Medina, Ana Paula Tabalipa e Helio Ribeiro, entre outros.
E o ator? Já teve essa experiência próxima? Como é a sua relação com as drogas? “Felizmente, nunca tive esse tipo de experiência, nem com membros da minha família, mas já vi amigos se recuperarem e reconstruírem suas vidas, depois de tratamentos adequados”, confidencia. “Não vou ser hipócrita de dizer que nunca experimentei, mas nunca cheguei a ter problemas sérios com isso”.
Para Jorge Caetano, Jonas também traz para a roda outra característica, que mesmo em pleno século 21, ainda causa polêmica em muitos meios, como a orientação sexual. “Isso foi o que mais me agradou e considero um presente para um ator, poder falar sobre o perigo das drogas e a questão da orientação sexual, principalmente nesse momento em que vivemos”, constata. “Durante a minha carreira interpretei vários personagens que já discutiam a questão de gênero. No musical “Outside”, fiz uma transexual, deformada por inúmeras plásticas, que me deu o prêmio APTR de melhor ator. Em “A Porta da Frente”, eu dei vida a Sacha, um “crossdresser” que, apesar de se vestir de mulher, era heterossexual”.
Ainda sobre o assunto, ele observa. “ O autor do texto, Bosco Brasil, trata da sexualidade de Jonas de forma muito sutil e natural. Infelizmente, nos dias de hoje o preconceito ainda resiste. No mundo cerca de 70 países ainda têm algum tipo de lei contra a homossexualidade. Deste número, 11 castigam com a pena de morte”, divide. Na opinião do artista, por que a sexualidade alheia ainda atrai tanta atenção? “Essa é uma pergunta que eu sempre me fiz. Quando eu era mais jovem, acreditava que num futuro próximo, a sociedade aprenderia a lidar com a diversidade. Claro que houve avanços, mas essa tendência mundial a um retorno de uma direita radical, fez sair do armário um grupo conservador que com certeza se sentia inibido de se manifestar, e agora tem sinal verde para expressar livremente sua homofobia e preconceito. A homossexualidade ainda atrai muita curiosidade e as pessoas que não conseguiram exercer a liberdade de se experimentar ou de assumir sua verdadeira natureza, por conta de séculos de repressão, lidam com isso de uma forma torta, perversa. Acho que hoje, atingi uma maturidade em relação a esse tema, que me deixa bastante confortável, mas claro que muitas questões foram difíceis de lidar, principalmente na adolescência, onde, apesar de tudo, não me privei de ter experiências variadas”.
Com uma trajetória de 30 anos, principalmente no teatro, Jorge Caetano se tornou produtor de cinema ao lado de Cavi Borges e já produziu dois filmes: “Fado Tropical” e “Reviver”. “Há dois anos, abri um espaço para essa experimentação no cinema, antigo sonho de juventude e me reuni com o Cavi e a atriz Patrícia Niedermeier, para criarmos roteiro, personagens e produzir esses dois longas, que já foram exibidos em festivais em Lisboa e Berlim esse ano”, conta. “Os dois filmes ainda são inéditos e devem ser lançados entre 2019 e o primeiro semestre de 2020 respectivamente”. O ator analisa os desafios de ser artista hoje: “Na época em que abri minha empresa e fundei um grupo de teatro, a “Cia Casa de Jorge”, havia várias opções de conseguir patrocínios através de editais. Hoje eles estão escassos e a cultura infelizmente está sofrendo com esse estrangulamento generalizado. O cenário atual é difícil, mas ao mesmo tempo pode ser um estímulo para que os artistas produzam de forma independente e possam se expressar e refletir sobre a sociedade e o momento que vivemos”.
Se o ator tivesse o superpoder de indicar alguém para cuidar da cultura em âmbito nacional, quem seria e por quê? “Indicaria Amir Haddad, que é um grande intelectual e um mestre. Como poucos, fez teatro onde o povo estava, nas ruas, nas praças, com a oportunidade de ter contato direto com os afetos e os questionamentos do grande público”.
E se pudesse mandar um recado direto para quem cuida da cultura hoje, qual seria? “A arte deve ser livre. Todos os artistas têm o direito de se manifestar independente de posicionamento político ou religião. O que faz uma grande nação é sua cultura e diversidade. Grupos de teatro que têm um trabalho contínuo de pesquisa devem receber subsídios para prosseguirem criando”.
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