* Por Carlos Lima Costa
Andréa Beltrão vive uma fase extraordinária na profissão. Ela está concorrendo ao prêmio de Melhor Atriz no Emmy Internacional, por seu desempenho no papel título da minissérie Hebe, sobre a apresentadora Hebe Camargo (1929 – 2012), exibida recentemente na Globo, e na Globoplay, ano passado. Ela concorre com a alemã Emma Bading, a malasiana Yeo Yann Yann e com a britânica Glenda Jackson. “A indicação já é algo muito grande, já representa para mim, para a direção e para todos que participaram deste trabalho, um reconhecimento a excelência de qualidade que transborda para os envolvidos. Pessoalmente, fiquei muito feliz. A expectativa de ganhar é sempre boa. Mas ao mesmo tempo, estar ao lado da Glenda Jackson, uma entidade, quase 90 anos, alguém do tamanho da Fernanda Montenegro, nossa… já é muito estar ali. Se acontecer algo a mais, será bem recebido e celebrado. Mas não estou nervosa”, assegura. A vencedora desta categoria da 48ª edição, será anunciada em transmissão ao vivo no site da Academia Internacional de Artes e Ciências da Televisão, em 23 de novembro.
A dedicação de Andréa a esta personagem que ela coloca no patamar de seus melhores trabalhos rendeu, além da minissérie, o filme Hebe – A Estrela do Brasil, também dirigido por seu marido, Maurício Farias, lançado, em 2019. Este ano, a atriz volta a marcar presença nos cinemas com Verlust, filme que estreia no próximo dia 5 de novembro. “Sempre fui grande admiradora do Esmir Filho e fiquei muito feliz quando me convidou, porque era um diretor com quem eu tinha vontade de trabalhar. Tudo me chamou atenção. Minha personagem, a empresária musical Frederica, é uma mulher forte, poderosa, autoritária, mas cheia de questões, de dúvidas. Um tema interessante, porque vivemos uma época em que esse tipo de relação já não se encaixa bem. O roteiro é extraordinário, sensorial, preciso, trata de questões que me interessam como inadequação, sentimentos secretos”, explica ela, que protagoniza a produção ao lado de Marina Lima, na pele da cantora pop Lenny.
Este trabalho marca um reencontro na telona. As duas estiveram juntas no longa-metragem Garota Dourada, em 1984. “Sempre adorei o trabalho dela, seus discos fizeram parte da minha trilha sonora, um tempo muito bom. Então, quando nos encontramos no Uruguai para rodar o filme foi bem bacana”, explica Andréa.
Na trama, os personagens são presos a um jogo de aparências. Chegou a presenciar este tipo de atitude no meio artístico? “Eu já vi isso, você viu, não sei dizer quem não viu esse tipo de comportamento”, diz. E prossegue comentando sobre a história que mostra cinco pessoas que se encontram isoladas em uma ilha deserta a espera da festa de Ano Novo. De repente, uma criatura do mar encalha na praia e muda tudo. “O filme mostra como o surgimento dessa criatura desloca em cada pessoa, sobre as discussões que vão acontecer entre duas mulheres que já foram casadas, um casal de homem e mulher, uma filha que quer ir embora, um escritor provocador. Então, é um filme que fala muito sobre o sentimento de perda e a nossa incrível capacidade de desejar”, acrescenta Andréa.
Verlust participa da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2020, que está acontecendo online para todo o Brasil. “Este é um fórum importantíssimo de discussão, de encontro cinematográfico, são 198 filmes de 71 países e isto é muito grande e está disponível a um toque da gente”, frisa.
Ano que vem, o público poderá matar a saudade de Andréa nas novelas. A mais recente que participou foi As Filhas da Mãe, cujo último capítulo foi exibido em janeiro de 2002. Nestas quase duas décadas, ela desenvolveu outros trabalhos na TV, como os seriados A Grande Família e Tapas & Beijos, onde respectivamente atuou durante oito e cinco anos. “Não foi uma questão de preferência, jamais, foi uma consequência de bons personagens que apareceram. Novela para mim é um grande trabalho, está no mesmo lugar de um seriado ou de uma minissérie. Tudo depende de ter uma boa história com um bom pessoal para passar o dia inteiro junto durante meses a fio. O formato, se é novela, minissérie ou seriado, não importa. Eu tento estar em um lugar onde aquele conteúdo me toca de alguma maneira”, explica.
Em Um Lugar Ao Sol, ela interpretará Rebeca. “É uma mulher de mais ou menos 50 anos, que tem bom casamento estabelecido, mas acaba se apaixonando por um rapaz muito jovem e essa paixão vai virar a cabeça dela de cima para baixo”, conta. O elenco da trama que substituirá Amor de Mãe, em 2021, conta com Marieta Severo, sua amiga e sócia nos Teatros Poeira e Poeirinha. “Nossas personagens são de núcleos diferentes, mas certamente vamos nos encontrar em algum momento na gravação. A gente vai se ver de longe, porque tem que ter essa distância de dois metros”, diz, lembrando dos protocolos necessários nesta época de pandemia de Covid-19.
Além de sócia e comadre – Marieta é madrinha de Francisco, primogênito de seus três filhos -, ela ocupa um lugar especial na vida de Andréa. “Marieta é minha grande amiga há 30 e poucos anos, minha comadre, sócia, parceira, minha tudo. Ela é central na minha vida. A gente se fala sobre tudo. Estamos sempre juntas, mesmo que, às vezes, à distância, uma trabalhando longe da outra. O Poeira nos uniu de maneira definitiva. Quando a conheci, a minha vida mudou radicalmente, porque a presença dela me trouxe conhecimento, um aprendizado imenso sobre tudo, vida, amor, profissão, humanidade. Ela é uma mulher imensa de quem estou sempre ao lado absorvendo tudo que ela diz e faz. Tenho alegria de ter um lugar na vida dela. Isso é muito grande pra mim, me dá uma felicidade incrível”, pontua. As duas se conheceram na peça A Estrela do Lar.
Este ano, iriam comemorar os 15 anos do Teatro Poeira, mas a pandemia atrapalhou os planos. “O mais importante é o que está acontecendo no nosso país, no mundo todo. Isso que é avassalador, sabe, algo que a gente não controla, com isolamento, máscara, tudo que o teatro não pede. Nós, Marieta, Aderbal (Freire-Filho) e eu estamos em compasso de espera, pacientes, observando tudo. Nos reunimos muitas vezes pelo zoom e amadurecemos as possibilidades, mas por enquanto estamos aguardando”, explica.
E relembra como surgiu a sociedade. “Nunca tive o sonho de ter um teatro. Um dia, conversando com Marieta, me encantei com esse sonho dela, e em menos de um ano abrimos o teatro. A minha avaliação desses 15 anos é a melhor possível. Passaram por lá inúmeras produções com perfil provocador, de grande qualidade, vanguarda, levando reflexão sobre assuntos contemporâneos. Fora isso, tivemos oficinas com diretores, autores, atores, atrizes brasileiros e internacionais. Nesses 15 anos, conseguimos realizar um trabalho de muito conteúdo. É uma satisfação imensa, o sentimento de ter feito algo que a gente acredita de verdade e que teve recepção interessante do público e da nossa classe”, festeja Andréa. “A vontade de reabrir é imensa, mas tem que ser feito com responsabilidade. A gente imagina que isso aconteça em algum momento do ano que vem”, reflete.
Andréa, então, revela como vem lidando com a quarentena desde o mês de março. “Todos nós temos dificuldade, não é um momento fácil você ter a liberdade de ir e vir tolhida. Não é possível fazer o que se quer, o que dá vontade. Isso não é nada agradável, gera desconforto, ansiedade, tristeza e solidão. Não é fácil para ninguém. Eu estou com a minha família e a gente segue absolutamente obediente, respeitando rigorosamente o distanciamento. A gente só sai quando é imprescindível, como uma ida ao médico. Agora, após a liberação do esporte na água, tenho ido nadar de manhã bem cedo, é superseguro. Dentro do mar, mantenho uma distância imensa. Nado e volto para casa correndo. Meus filhos estão em casa, estudando online. Dois moraram fora, mas voltaram pela pandemia e estão aqui, estamos levando como todo mundo”, explica, se referindo a Francisco, 25 anos, Rosa, 23, e José, 20.
Do que mais sente falta? “Da nossa liberdade, da liberdade de poder decidir o que vou fazer, se vou ao teatro, ao cinema, depois jantar em algum lugar, comer um sanduiche, ficar na praia o dia inteiro, viajar para um campo, dessas pequenas coisas.”
No último dia 25, seu marido, o diretor Maurício Farias completou 60 anos. Já Andréa celebrou 57 em setembro. Tudo de forma quieta. “Sou animada, gosto de fazer festa, de dançar até de manhã, mas não sempre. Tem ano que prefiro ficar sozinha em casa só com os meus e é muito bom também. Uma festa imensa não caberia agora de jeito nenhum. Só mesmo quando tudo isso passar e a vacina aparecer de maneira salvadora na nossa vida. Não há a menor possibilidade, zero prazer em aglomeração agora. Infelizmente, porque é tão bom poder abraçar as pessoas. Nossa, que saudade disso”, frisa.
Uma nova geração de artista surge na família. Pedro, o caçula, que já tem aulas no Tablado, passou no vestibular da UNIRIO e vai cursar a faculdade assim que as aulas forem retomadas. “Ele escolheu esse caminho, quer ser ator. É uma estrada imensa pela frente, pode ser ator, diretor. Cursando uma faculdade como a UNIRIO, muitas portas podem se abrir, muitas possibilidades. Este é um momento interessante da vida jovem”, analisa e reconhece que “a maternidade foi uma transformação total” em sua vida. Apesar de sua experiência, prefere não ficar dando conselhos? “Ele necessita achar o caminho dele, pois não é minha continuação, então, preciso ter respeito e cuidado para não invadir a vida dele, as escolhas que ele faz. Quando me pede alguma opinião, eu dou prontamente, e com cuidado, porque é a minha opinião. E para ele pode ser tudo diferente e é bom que seja. Às vezes, a gente conversa, mas ele é muito maduro e está realmente se embrenhando pelas escolhas dele. Fico feliz e satisfeita por ele seguir a onda dele”, ressalta.
Quando o assunto é política, Andréa explica que faz questão de participar das eleições, como a que acontecerá em novembro. “O voto de cada um é a maneira que temos de transformar o que não está bom, o que a gente considera inoperante, injusto, mentiroso. É a nossa maneira de lutar contra isso. Pra mim é sempre uma data importantíssima. Muitas vezes é angustiante ver o que é decidido. É melhor que seja assim ainda, sempre, que a gente tenha o direito de escolher. Por mais que muitas vezes acabe vencendo a pessoa que a gente não escolheria jamais, é preciso reconhecer e tentar seguir argumentando, na conversa, tentar como a Hebe Camargo fazia, recebendo no sofá e conversando, perguntando e conversando, conversando e ouvindo. O único caminho é o do voto e do diálogo. Sem voto e sem diálogo realmente para o mundo que eu quero descer”, finaliza Andréa.
Artigos relacionados