*Por Brunna Condini
Nany People está em ‘Quem Vai Ficar com Mário?’, de Hsu Chien, nos cinemas. No longa, a atriz vive uma personagem tão devotada aos palcos quanto ela: uma diva, matriarca de uma trupe de teatro, que ajuda um de seus integrantes a aceitar a própria sexualidade. “A Lana de Holanda é uma personagem que é a ‘equação estrogênica’ dessa trupe. Ela tem a maturidade de uma mulher, uma trans, que carrega as histórias da vida como aprendizados, então consegue pontuar as equações muito bem e tenta mediar o talento daquele grupo que vive mambembando pelo Brasil, fazendo teatro musical”, conta Nany.
“Ela tem essa gentileza, amabilidade, essa feminilidade no jeito de falar, toda diva, hollywoodiana, meio Sophia Loren. Também tem uma delicadeza nas atitudes que eu gostaria de ter. Na história há um momento no qual Lana conhece o pai do Mário, um homofóbico por natureza, que se apaixona por ela, aí começa um affair, que pode ser que vingue”, diz, fazendo mistério sobre o desfecho da personagem. E acrescenta: “Me identifico com a Lana de Holanda na garra e no prazer que ela tem em fazer o que faz. Ela é devotada ao palco. Gostaria de aprender a ter o recato e a gentileza em agir que ela tem, sou mais abrupta, fui mais no corpo a corpo da vida. Ela é sutil e sabe conquistar”.
Com mais de 40 anos dos seus 55 de vida dedicados aos palcos, Nany afirma que se orgulha de só ter feito o que acredita em sua trajetória. “Não aceitei trabalhos que não viessem ao meu encontro. Agora mesmo, na pandemia, precisando de grana, fui convidada para fazer show em cassino clandestino e não aceitei”, revela. “Quando saí do programa da Hebe Camargo (1929-2012), me chamaram para fazer um tipo de programa, em uma certa emissora e eu neguei, não tinha a ver comigo. Trabalhei com Goulart de Andrade (1933- 2016), com Amaury Jr. e pensei: é uma história e vão pintar outros trabalhos. Aí veio ‘A Praça é Nossa’ e me projetou como humorista. Foi maravilhoso. Nunca fiz nada que não acredito e me orgulho de ter conseguido viver do meu trabalho até aqui”.
Nany vai estar em mais dois filmes este ano e também na próxima novela das 19h, ‘Quanto mais vida melhor‘. “Faço uma participação especial. A personagem é uma porteira de um motel. Em um primeiro momento, tinha sido chamada para fazer a Morte, mas a novela mudou o tom e acabei não pegando o papel, foi para uma outra atriz. Aí, o mundo girou, e me perguntaram se eu topava fazer essa porteira, muito divertida, que está em um lugar estratégico na trama, já que os personagens da novela passam por esse motel”, revela Nany, sobre a novela que já voltou a ser gravada e gira em torno de quatro protagonistas que morrem e ganham uma segunda chance de vida. Os protagonistas serão vividos por Mateus Solano, Giovanna Antonelli, Vladimir Brichta e Valentina Herszage.
Orgulho de ser quem é
O longa ‘Quem Vai Ficar com Mário?’, mostra o Mário do título, vivido por Daniel Rocha, através da jornada de aceitação, ao revelar para a família que é gay. Nany diz que se descobriu transexual aos 22 anos. “O mais difícil no processo todo foi decidir o que eu queria fazer da vida. Queria ser uma trans, mas sem cair naquele redemoinho de expectativas de uma trans, que vira cabelereira, maquiadora, que eu não desejava ser. E vocação para ser profissional do sexo, não tinha, queria ser artista. Quando vi a Rogéria, pensei: é possível ser o que quero. Então, quando descobri que o ser que eu era se chamava ser transexual, para mim, foi solução. O mais difícil foi conseguir me impor no mercado de trabalho e fazer a história acontecer. Tiveram momentos que ninguém me chamava para trabalhar e eu montei meu próprio espetáculo, assim pude mostrar para as pessoas que eu era uma atriz de verdade”.
Você se tornou referência e abriu caminhos, com a bandeira da diversidade. Como vê as conquistas da comunidade LFBTQIA+? “A gente descobre que é referência com o passar do tempo, porque quando estamos fazendo o nosso trabalho, estamos só sobrevivendo, tentando fazer a nossa energia acontecer, o nosso dínamo acontecer. Com o tempo, a gente parte para essa história de entender que se tornou referência. Acho que sou, antes de mais nada, uma sobrevivente. Das artes, do métier, nós vivemos no país que mais mata por LGBTfobia, por transfobia sobretudo”, avalia. “Acho que as conquistas da comunidade LGBTQIA+ foram incríveis e muitas. Uma pessoa, que como eu, está prestes a completar 56 anos, pode dizer que antes não era nem permitido. Dizer que éramos trans, então as lutas conquistaram muitos espaços. O que precisa ser mais difundido e mais bem equacionado é a punição quanto aos crimes de homofobia e transfobia, porque a impunidade é a grande mola mestra para que nosso país seja o que mais mata no mundo. A média de vida de uma trans no Brasil não passa de 35 anos”.
E destaca que sua história foi diferente: “Reconheço que sou privilegiada devido à minha formação familiar, à mãe que tive, avante ao seu tempo, que me blindou muito para a vida, algo que muitas trans não tiveram: a família como ponto de apoio. Minha mãe não só me blindou, como me empoderou e fez com que a família toda me respeitasse e apoiasse. Tenho dois irmãos mais velhos e somos muito unidos. Quando ganhei liberdade dentro de casa, o resto do mundo virou meu quintal”.
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