Esqueçam qualquer tipo de correlação intelectual que remeta a Franz Kafka ou a Clarice Lispector. A ideia central da peça “Eu e Ela”, que reestreou nesse fim de semana, no Teatro Vanucci, no Shopping da Gávea, no Rio, é bem mais simples: trata-se de um divertido e angustiante encontro entre uma mulher de meia idade e o inseto odiado por dez entre dez mulheres. Sozinha em seu apartamento, Bárbara, interpretada por Cláudia Mauro, aguarda notícias do marido, enquanto monitora por telefone os passos da filha adolescente e resolve questões de trabalho por email. Até que surge uma barata na cena, que a encurrala em seu apartamento e vai deixando a situação tão insustentável e histérica, que acaba trazendo à tona o fracasso de seu casamento, a insatisfação com o emprego e consigo mesma.
“Essa história, mais do que uma comédia rasgada, é uma crônica sobre a solidão feminina. A relação das mulheres com a barata sempre me chamou atenção. É mais do que nojo e medo, é quase um fetiche ao contrário. A peça não é cabeçuda, é prosaica. O simbolismo brota da banalidade. O teatro é o mais poderoso para você arbitrar aquela situação limite e aprisionar toda a plateia naquela situação”, contou Guilherme Fiuza, que faz sua estreia como autor de teatro com o espetáculo que ainda tem outro nome badalado na ficha técnica.
Trata-se de Ernesto Picollo, ou Neco para os – nem tão – íntimos, que ainda convidou Stella Brajterman e Andre Dale para se desdobrarem em papeis divertidos como o porteiro Seu Zé, os policiais acionados para acabar com o inseto e até interpretando a própria barata. “Conheço a Clô desde a adolescência, mas incrivelmente nunca trabalhamos juntos. Esse é um desejo antigo que estamos realizando agora. Desde a primeira leitura vi que ela tinha o tom certo para a personagem. Vai da comédia ao drama rapidamente”, contou Ernesto sobre a escolha de Claudia Mauro para viver a protagonista.
Aos 45 anos, casada e mãe de um casal de gêmeos de quatro anos, Cláudia Mauro praticamente emendou um trabalho atrás do outro em 2014. Integrou o elenco da novela “Em Família”, da TV Globo, participou do espetáculo “Randevu do avesso” e inicia 2015 com grande expectativa com a sua protagonista. “Tive uma identificação muito rápida com a personagem e com o texto do Guilherme – que é genial! Confio nele e gosto de tudo o que ele escreve. Me sinto muito à vontade em cena. E trabalhar com o Neco é maravilhoso. É um diretor muito criativo, sensível, cuidadoso e com muito bom humor, uma pessoa que gosta de rir! Um diretor que sabe se comunicar muito bem com o público, que faz o texto chegar da melhor maneira possível. Era tudo o que eu queria e precisava nesse momento da minha vida. Me sinto preparada pra isso”, explicou Claudia, que, em papo exclusivo, conversou com a gente sobre baratas, claro, preconceito, críticas e como ser mãe em tempos sombrios e violentos no Rio de Janeiro. Vem!
HT: Como o texto chegou até você e qual foi a primeira coisa que vc pensou quando terminou de ler?
CM: O Guilherme pensou em mim. O Neco (Ernesto Piccolo, diretor) me ligou e pensei: ‘Guilherme e Neco juntos, estou dentro. Nem preciso ler o texto’. Mas quando terminei de ler, liguei para o Guilherme e disse: ‘A Barbara (personagem) sou eu!’. Adorei o texto. O Guilherme entra no universo feminino com muita delicadeza. Para falar das mulheres, ele substituiu o homem pela barata!
HT: Antes da peça, qual tinha sido sua experiência mais próxima com uma barata?
CM: Tive algumas experiências desagradáveis com barata (risos). Mas teve uma que foi horrível. Eu estava em Montanitas, no Equador, uma casinha alugada na beira da praia, éramos três casais. Eu estava dormindo. Senti aquela coisa subindo na minha perna, tomei um susto, dei um berro, acordei todo mundo da casa. A barata voou e desapareceu. Fiquei horas no banho! Depois, não consegui mais dormir.
Amanheceu e eu na paranoia. Terrível!
HT: A peça fala, também, da solidão feminina. Você já vivenciou alguma crise como a da sua personagem?
CM: Acho que todas nós, mulheres, ja passamos por um momentinho qualquer de solidão. Tenho muitos amigos e sou meio ‘terapeuta’ de todos. Na hora de falar dos meus problemas, não me sinto tão à vontade. Assumo o papel daquela que resolve tudo. Fico na minha. Nesses momentos me sinto sozinha, mesmo com tantos amigos em volta. A solidão é interna. Você pode estar cercada de pessoas e se sentir sozinha ou pode estar absolutamente só e se sentir plena, preenchida. A solidão feminina é um ‘clássico’ (risos). Acho q é um pouco biológico também. A mulher é ciclíca, sanguinea, colérica e tem a natureza cuidadora. É mais vulnerável a esse sentimento. Mas na minha atual fase, não tenho nem espaço para me sentir sozinha ou para pensar nisso. Tenho muitos amigos, sou casada há 21 anos, tenho uma parceria maravilhosa com o Paulo Cesar (Grande) e, agora, dois filhos ainda com quatro anos que me solicitam muito e me dão um retorno de carinho e amor inigualável!
HT: Como você lida com as críticas? Elas te afetam ou te fazem mais forte?
CM: Depende de quem faz a crítica. (risos). A mim, interessa muito mais a opinião do Ney Latorraca e do Juca de Oliveira do que de qualquer crítico de jornal ou revista. A crítica é a opinião de uma pessoa. Se você não se identifica com aquela pessoa, o que interessa o pensamento dela? Venho de uma família de intelectuais, daqueles que andam na rua de chinelo, que sentam no boteco da esquina, totalmente desprovidos de preconceito. Me divirto muito com os falsos intelectuais, que ditam regras. Deixo eles acharem que estou muito preocupada com a opinião deles. A maioria dos críticos, é preconceituosa, o que é uma pena. Eles perdem muitas oportunidades. (risos). A crítica deve avaliar a “proposta/ realização”, independente do gênero. Ficamos reféns do gosto de cada crítico. Se uma pessoa não tem humor, não pode criticar uma comédia. Mas, como diz a minha personagem na peça: ‘Cheguei num momento da minha vida que nada mais me incomoda. Viva a maturidade!’
HT: Como é a Claudia Mauro na intimidade e como você acha as pessoas te veem?
CM: Sou generosa, gosto de ajudar, colaborar, cuidar… Gosto de gente. Adoro uma boa conversa. Sou tagarela, tenho muita energia, muitos amigos, sou a psicóloga de todos, adoro festas, adoro dançar, ouvir boa música, ir a um bom show, mas troco qualquer programa por uma viagem! Tenho o DNA da alegria. Agora, com filhos, acalmei um pouco. Estou mais tranquila, mais serena. Mas não abro mão de ter essa alegria dentro da minha casa. Antigamente, fazíamos muitas festas. Continuamos fazendo na versão infantil e eu confesso que adoro a casa cheia de crianças. Acho que as pessoas me vêem exatamente assim.
HT: Você tem filhos pequenos e mora no Rio. Como é abrir o jornal todo dia e se deparar com a situação da ciadade e do país?
CM: Já pensei em me mudar muitas vezes. Sou neurótica. É o que mais me preocupa e me entristece hoje em dia. Sou muito preocupada com o futuro dos meus filhos, mas a minha esperança é que essa geração seja diferente, que venha uma nova raça.
HT: Você tem uma carreira longeva e, por isso, vai experimentando trabalhar em todas as etapas da vida. Como lida com o passar dos anos no palco e na TV?
CM: Preconceito vai sempre existir. Mas é assim: Na TV, quanto mais velha, menos interesse, menos respeito, mais descartável. No teatro é ao contrário. Quanto mais velha, mais respeito, mais prestígio, mais interesse. Como sou criada no teatro, isso não me assusta. Hoje, pego o telefone e ligo pra qualquer autor e diretor de teatro que eu queira trabalhar e eles me atendem. Posso levar um projeto a qualquer um deles que tenho certeza que irão me ouvir. Posso escolher a personagem que eu quiser. O ator, tem que se produzir. Não há outra saída. Aprendi a viver apenas o “agora” e me sinto cada vez mais preparada.
HT: Quais os próximos projetos?
CM: Meu nome é projeto! (risos) Vamos para São Paulo com “Eu e Ela” em Setembro e espero que a peça ainda fique muito tempo em cartaz. Mas, paralelo a isso, escrevi uma série junto com o ator Édio Nunes, que fala sobre o tráfico de água doce. Essa série foi escrita em 2008, quando o tema era ficção. Em 2011 descobriram o tráfico de água na Amazonia. Filmamos o piloto em Janeiro de 2014. Estou correndo atrás de vender a série para algum canal a cabo. Também estou escrevendo uma ópera rock, mais uma vez em parceria com o Édio Nunes, com trilha sonora do Claudio Lins. É um argumento do meu irmão, Andre Di Mauro, e será produzido por mim e pela atriz Alice Borges, minha sócia – que irá dirigir o espetáculo. Aliás, abrimos uma produtora, a “Di Mauro Borges”, para colocar em prática nossos sonhos. E, por fim, para 2017, um musical sobre a vida da bailarina Marietta Baderna, argumento do Luiz Carlos Lacerda – o Bigode – texto do Caio de Andrade e que, provavelmente, será dirigido pelo José Possi Neto.
Serviço da peça “Eu e Ela”
Local: Teatro Vannucci
Endereço: R. Marquês de São Vicente, 52 – Gávea
Temporada: Até 21 de junho.
Horário: Quinta a sábado, 21h – Domingo, 20h30
Ingresso: Quinta e sexta-feira 70,00 (inteira) – Sábado e Domingo R$ 80,00 (Inteira)
Classificação: 14 anos
Duração: 60 min.
Gênero: Comédia
Capacidade: 400 lugares
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