Na TV, Débora Olivieri estará em ‘Cilada’ e, no cinema, revisita história familiar através de personagem com câncer


Com mais de 30 anos de carreira, a atriz é um dos grandes nomes do teatro, do cinema e da televisão. Nos Anos 1990 revelou-se para o público nacional – e infanto-juvenil – através da novela “Chiquititas”, e em 1999, no sucesso arrebatador “Terra Nostra”. Hoje a atriz está de volta em dois filmes e em duas séries. Pode ser vista em “Bodas de Ouro”, curta-metragem dirigido por Liza Gomes, e acaba de rodar “Relicário”, um longa-metragem. Além destes estará em “Cilada”, de Bruno Mazzeo, que voltará na TV por assinatura, e em “Matches”, também na TV a cabo. Filha do ator Felipe Wagner (1930-2013) e sobrinha da atriz Ida Gomes (1923-2009), a atriz revisita a própria história de forma tocante, desfazendo a mítica compreensão de que se é mais fácil ter familiares famosos quando se opta por ser artista. No caso dela, não foi assim: “Nasci atriz antes de ter convívio com meus familiares atores. (…) Não tive facilidades, atalhos”

*por Vítor Antunes

Ainda que seja uma atriz de imagem forte, com carreira solidificada tanto na TV como no teatro e no cinema, Débora Olivieri também ocupa um espaço significativo, e afetivo, na memória das crianças dos Anos 1990. Ela dava viva à Dona Carmem, “a bruxa fedida“, de “Chiquititas” (1996).  Decidida a trazer outras camadas para a carreira, a atriz segue em trabalhos versáteis. Seus próximos projetos serão “Cilada”, de Bruno Mazzeo,que volta ao ar –  e no qual Débora faz a sogra de Bruno – e “Matches”, também uma comédia. Outro é “Bodas de Ouro“, baseado numa história real sobre a luta de um homem contra o câncer. “É difícil fazer um personagem assim. É muito forte. A diretora e roteirista, Liza Gomes, lança mão de histórias da mãe dela para escrever o roteiro do filme. E é uma história bem escrita, redonda. Colocar esse drama familiar, tirando-o do coração para tela ficou muito lindo e bem feito. Tanto o pai de Liza como a mãe de Débora conviveram com o câncer. “Minha mãe também teve a doença. É como se essa história também fosse minha. Levei para a personagem o que eu vivi aos 16 anos e tenho essa caixinha [de emoções]. Fui buscar, mesmo com 66 anos, essa memória que estava ali, em banho-maria e foi uma ebulição de sentimentos. Era como se eu revivesse aquilo”.

Para este ano, 2024, Débora grava um outro filme, “Relicário”, dirigido por Guto Pasko, no qual será protagonista. “É um filme de mistério no qual eu faço um papel de destaque. Ele conta também com a Rosana Stavis, grande atriz. Guto é um diretor preciso, um cara super exigente mas que sabe o que quer”. Porém, para Débora, uma das dificuldades foi deixar em casa o marido, Ruud Dankers. O moço, que é holandês, vive na ponte aérea Holanda-Brasil e enquanto a atriz estava gravando o longa no Sul, ele estava no Rio. “Fiquei chateada em deixá-lo no Rio, mas ele tem a vida dele lá também e tudo certo”. Os dois conheceram-se, há dez anos, no Tinder. Desde então, a distância não mais foi um impedimento.

Conta-nos ela que a morte de sua mãe quando ela ainda era muito jovem, aos 16 anos, fez reacender – ou acender? – questões familiares sérias. Ela, que é filha do ator Felipe Wagner (1930-2013), não teve muito contato com o pai por uma fase importante da vida. Quando  estava com 4 anos, ele separou-se da mãe dela e foi morar em Israel, casando-se lá. Somente depois do falecimento da ex-esposa, o ator voltou ao Brasil. “Só fui conhecer minha irmã quando ela estava com 9  anos. Meu pai reapareceu depois que minha mãe morreu, momento em que ele também optou por retomar a carreira, fazendo novelas como “Irmãos Coragem” (1970). Pouco depois disso tentei morar com ele, mas nada deu certo. Ele não me deu a força que eu precisava. Conseguimos nos reaproximar efetivamente em 1999, época em que eu estava fazendo “Terra Nostra“.

Nasci atriz antes de ter convívio com meus familiares atores. Fui galgando com dificuldade na carreira. Foi difícil mas me sinto gratificada, e graças a mim. Não tive facilidades, atalhos. Devo isso não só ao meu talento mas à minha vocação. É muito gratificante tudo o que estou colhendo – Débora Olivieri

RESPOSTA AO TEMPO 

Ainda sobre a família, Débora conta ter tido mais aproximação com sua tia, a também atriz Ida Gomes (1923-2009). “Tinha orgulho da minha tia, que era uma das Irmãs Cajazeiras de “O Bem Amado“, de quem me aproximei mais. Ela passou a ser a mãe que eu não tive. Inclusive o falecimento de Ida foi muito doloroso, não me conformava. Éramos unha e carne, falavamo-nos direto, eu cuidava dela, e com ela efetivamente a minha relação era mais forte”.

Quando iniciei na carreira, em razão da questão familiar com meu pai, e de ser um dos primeiros anos de legalização da profissão de atriz, eu assinava “Débora Diniz“, numa referência à Leila Diniz (1945-1972),  já que, além de tudo,  tornei-me atriz no dia de seu aniversário.  Eu não queria ser Szafran, não só em razão dele, mas por ter de soletrar toda vez. Quando casei, assumi o sobrenome do meu ex-marido, que uso até hoje – Débora Olivieri

Débora Olivieri é uma atriz reconhecida por seu talento, consolidado por seu esforço pessoal (Foto: Reprodução/Globo)

Logo no início desta matéria falamos sobre a personagem “Carmem”, de Chiquititas. Eis aí mais um exemplo de como o tempo, ainda que distante, não apaga o fundamental, que é o afeto. Débora diz que não são poucos os adultos de mais de 35 anos que a abordam para falar da personagem. “Isso me emociona tanto! É uma novela infantil, meio farsesca, e como ela chegou forte nas pessoas!… É uma personagem malvada, uma vilã, e sob a ótica de hoje, politicamente incorretíssimo, mas era divertido, as crianças gostavam. Creio que é algo que elas fazem umas às outras, sob algum aspecto”. Eu soube que estavam fazendo testes para atores argentinos que falavam português e fiz o teste. Assinei um contrato de seis meses, ja que a personagem morreria. Acabei ficando por anos na novela”

Tanto ela como Magali Biff viviam as vilãs da novelinha infantil exibida pelo SBT e gravada na Argentina. Ela relembra a razão que a fez deixar a novela: “Fiquei na Argentina aquele tempo todo, até 1999, quando pedi as contas. O roteiro era muito igual, não mudava. Fiquei com medo de ficar para sempre Dona Carmem. Recebi um convite para fazer um teste para “Terra Nostra“, recebi a confirmação, fui aprovada e me mudei pro Rio, onde estou até hoje”.

Na nossa profissão a gente não faz para si, mas para os outros. O retorno do público é muito gratificante – Débora Olivieri

Débora Olivieri em “Chiquititas”. Dona Carmem fez sucesso entre as crianças (Foto: Reprodução)

O FRACASSO ENSINA

Dentre tantas peças de teatro escritas por Maria Clara Machado (1921-2001) – e foram muitas –  há quem se lembre de “A Bruxinha que Era Boa“, de “O Cavalinho Azul“, de “Pluft”. Há muitos outros, porém, que lembram de uma frase chave da mestra: “O fracasso dá caráter“. Essa frase norteou também a carreira de Débora. Alguns trabalhos feitos por ela foram tão divertidamente fracassados que são rememorados assim, como aprendizado e com a consciência da reconstrução. Uma novela que Débora fez, está – sem exageros – no rol das tramas mais equivocadas da história da TV brasileira. Foi “Antonio Alves, Taxista“, exibida pelo SBT. Produzida na Argentina, ficou marcada pela queixa dos atores e pelo abandono da co-protagonista, Sônia Braga. “Ela gravou 15 capítulos e saiu. Não mais voltou. Eu achei de uma coragem, por que era da vontade de todos os atores sair. A novela era muito ruim!”. Antonio Alves é uma versão de “Rolando Rivas, Taxista”, até  hoje um dos maiores sucessos da TV Argentina, “mas a nossa versão era um horror”, reitera Débora. Um dos motivos da saída de Sônia Braga deveu-se a ver, uma mãe de santo vestida com roupas pretas, o que é impraticável. Fora isso, problemas graves de tradução e adaptação do texto do espanhol para o português.

Outro projeto que não deu nada certo foi o filme “Destino” – Que, forma de tentar seduzir o público – mudou de nome chamando-se “Um Amor do Outro Lado do Mundo“. Mas o fracasso era tão contundente, que nem assim deu certo. O filme chegou a ser vaiado num festival e nunca entrou em cartaz. Na época, até mesmo Lucélia Santos, co-produtora e protagonista do longa disse: “Reconheço inúmeros problemas no roteiro e a direção podia ter costurado melhor as vulnerabilidades. Mas é o que conseguimos fazer. Agora que essa criança nasceu, eu não vou abandoná-la”. Também desta forma Débora relembra o longa, ainda que considere que o período em que o esteve gravando, na China, tenha sido incrível, a contrário do filme, que era  “horrível! Nada tinha a ver com nada. Mas a vida é assim, a gente colhe louros e espinhos. Conheci a China por “Destino” e Buenos Aires por “Antônio Alves” e, depois com “Chiquititas”, que foi um sucesso. A vida se encarrega do upgrade”, pondera. E, por não haver foto dela nas obras que sumiram no vão do tempo, Débora agradece por não haver provas documentais de que esteve nessas bombas. “É uma novela e um filme que ninguém viu, graças a Deus!”, diverte-se. Se Maria Clara Machado dizia que o fracasso dá caráter, Débora revela que, além disso, ele ensina a ver a vida, e a carreira, com leveza.