Um homem que era famoso na área médica por ser pioneiro na fertilização in vitro no Brasil passa a ganhar as páginas de jornal pelo crime de violência sexual contra as pacientes enquanto estavam sob efeito de sedativos. A história poderia ser da ficção, mas o caso real é de Roger Abdelmassih, médico brasileiro, que desde 2009 é acusado e foi condenado a 278 anos de prisão pelo estupro de 52 mulheres. No entanto, o enredo que até hoje ganha os noticiários entre idas e vindas da prisão também será história da ficção. Em “Assédio”, nova produção da Globo, Antônio Calloni interpretará o médico que hoje está cumprindo pena em seu apartamento em São Paulo e Mariana Lima será Gloria, a primeira mulher do criminoso e responsável por mostrar outra faceta da história.
A minissérie, ainda sem data de estreia, irá marcar também o lançamento da nova plataforma da Globo, a OTT, que funcionará no formato streaming com um rico cardápio de produções nacionais. Para tanto, Mariana Lima e o elenco de “Assédio” estão vivendo esta história desde novembro, quando começaram a gravar a trama de Maria Camargo. “Nesta minissérie, nós temos muitos elementos que vêm da realidade, mas também não esquecemos que é um produto da ficção. Porém, mudando uma coisa aqui e outra ali, estamos sendo bem fieis à realidade daquela família”, contou Mariana que considerou um desafio dar vida à Glória, primeira mulher e mãe dos filhos de Roger Abdelmassih. “Ela é de uma família rica bem tradicional e tem uma relação passional com esse homem. No começo, ela não sabe que ele é um estuprador em série e começa a descobrir e vai adoecendo com tudo isso”, disse sobre a mulher que teve câncer e morreu tempos depois.
Tudo isso faz, de acordo com Mariana Lima, com que este trabalho seja muito delicado para ela como contadora de história. De acordo com a atriz, nos bastidores, toda a produção da minissérie está tendo muito cuidado para contar sobre um caso que chocou o país, mas, ao mesmo tempo, fala da vida de pessoas reais e que estão vivas. “Todos esses personagens existiram ou existem ainda. Nós sabemos que é um produto de ficção e que não temos obrigação de sermos fiel, mas isso não faz com que fique fácil falar de um estuprador em série por tudo o que isto implica”, apontou a atriz que destacou um tempero a mais em seu caso. “Estar do lado familiar de um personagem assim é ainda mais delicado. Afinal, qualquer criminoso tem um lado paternal e amoroso. Então, mexer em um lugar como este está sendo um desafio enorme e me dando muito trabalho”, confessou a atriz que não teve nenhum contato com os personagens reais da história e nem buscou conhecer a família.
Mas, mesmo nesta outra experiência sobre um caso conhecido, Mariana não poupou as palavras ao lembrar da sensação de quando leu a notícia do médico estuprador. “Foi uma profunda indignação, repulsa e revolta saber o que esse cara fazia. E tudo isso ficou ainda pior quando o Gilmar Mendes soltou o Roger para cumprir a pena em casa. Isso reforça que no Brasil as pessoas culpadas de crimes hediondos só ficam pouco tempo na cadeia e depois até fogem do país, como neste caso”, disse a atriz.
E este é um papel que continua um posicionamento artístico na carreira de Mariana Lima. Antes da personagem da série “Assédio”, ela brilhou como a professora torturada Natalia, em “Os Dias Eram Assim”. Na supersérie anterior, a atriz interpretou uma das vitimas da Ditadura militar brasileira. “Eu acredito que nada nessa vida é por acaso. Não é que eu procure apenas por trabalhos que tenham um posicionamento ou uma voz por trás, como nestes dois casos. Eu também faço comédias, personagens leves e não me sinto condenada a apenas uma carga dramática. Mas, talvez, eu tenha uma tendência a trabalhos mais posicionados”, reconheceu a atriz que, fora das telas, tem essa postura.
Em tempos de caos na política e nas relações, Mariana acredita que ficar em cima do muro não seja uma opção. Para a atriz, é importante que lutemos pelo que acreditamos – mesmo que de forma pública. “Está cada vez mais evidente que se a gente não se posicionar, vamos virar marcha de manobra. Hoje, redes sociais como o Facebook e o Instagram são instrumentos de manobra de opiniões vazias. Por isso, esse é o momento de a gente se engajar e dizer o que pensamos. O mundo está uma loucura. O Brasil virou um estado fascista onde ninguém mais respeita as regras e a democracia”, apontou.
E Mariana seguiu. “Como eu defendo o nosso regime democrático, a desigualdade no país é algo que me tira do sério. Embora a gente tenha tido algumas conquistas nos últimos dez anos, ainda vivemos em um país fascista, preconceituoso e hipócrita. Aqui, a bebida é permitida para adolescentes e a maconha é proibida. Como resultados, temos bandidos e policiais se matando nas favelas todos os dias. Isso tudo afeta muito o meu dia a dia e não tem como ignorar. Eu preciso me posicionar e dizer o que penso”, argumentou a atriz que completou dizendo que defende uma reforma política. “Nós temos que fazer uma mudança profunda, ter novos partidos, agremiações e pessoas. Mesmo que isso demore, precisa acontecer. Nós temos um Congresso viciado e o pensamento democrático não pode ser esquecido”, disse.
Porém, todos esses argumentos de Mariana Lima não ficam no campo das ideias. Além da teoria, a atriz pôs em prática parte do que acredita em um projeto de artes na Maré, comunidade do Rio de Janeiro. Lá, Mariana, Enrique Diaz e Renato Linhares ministram um treinamento para atores da área. “Esse trabalho passa longe de qualquer ideia de assistencialismo. Nas periferias das grandes cidades temos muita gente talentosa e para mim funciona como uma troca. Todas as minhas idas para a Maré resultam em muito conhecimento e renovação de pontos de vista e perspectivas. Faz muito bem para qualquer pessoa ter essa experiência. A gente sai de uma bolha, cruza a cidade e descobre novos conceitos”, contou Mariana que, no fim, resumiu o projeto como uma “renovação no olhar”.
Por falar nisso, é este frescor e esta dedicação à arte que equacionam tempos de mudança e melhoras para a atriz. Embora reconheça que não pode mudar o país sozinha, Mariana Lima comemorou estar fazendo a sua parte para um futuro mais pensante e plural. “A gente precisa ter políticas de Estado que incentivem e proporcionem mudanças na sociedade. Tem muito artista se dedicando a muita coisa na raça, pelo amor. Para eu fazer um projeto como este na Maré, estamos fazendo todos os esforços para conseguir pagar algum dinheiro aos alunos e professores porque eles têm custo de transporte, por exemplo. Até o ano passado, ninguém que passou pela iniciativa ganhou qualquer coisa além de experiência e mais paixão pelas artes. Mas eu não posso fazer nada sozinha, a gente precisa que o Estado venha com a gente e queira melhorar a situação”, disse.
E assim ela vai seguindo. Se realizando como artista e cidadã, Mariana Lima vive hoje um momento especial na vida. Com um trabalho atrás do outro, a atriz comemorou a fase e definiu como desafiadora e produtiva. Além de “Assédio”, Mariana estreia três longas este ano e um monólogo chamado “Cérebro/Coração”. “Eu estou fazendo trabalhos com pessoas que admiro muito e personagens que têm me desafiado bastante também. Estou feliz de estar com tantas possibilidades e exercendo a minha profissão. É um momento de muita dedicação, trabalho, crescimento e maturidade. Neste sentido, me sinto uma pessoa realizada”, completou a atriz Mariana Lima.
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