Na festa de entrega do troféu Redentor, no Festival do Rio, “Sangue Azul” é coroado e o cinema se afirma como plataforma social


Porto Maravilha foi o palco escolhido para a premiação que fechou o evento na noite desta quarta-feira (8/10)

*Por João Ker

Como de praxe, o Porto Maravilha foi o palco escolhido para a entrega dos prêmios da 15ª edição do Festival do Rio, que chegou ao fim na noite desta quarta-feira (8/10). Depois de 15 dias com exibição de 350 filmes a preços populares, o júri das mostras Première Brasil e Novos Rumos teve a difícil tarefa de escolher – ajudados em algumas categorias pelo voto popular – os melhores títulos apresentados. Em cerimônia apresentada por Deborah Secco e  Leandro Hassum, convidados puderam celebrar o cinema brasileiro e internacional, com a coroação do longa-metragem “Sangue Azul”, de Lírio Ferreira, o grande vencedor da noite.

A entrega dos troféus se deu de forma um tanto serena por parte do público, salvas algumas exceções e surpresas, como a confusão na hora de introduzir apresentadores e clipes dos finalistas, em uma noite que começou com a manjada brincadeira de tirar selfies no palco, protagonizada por Deborah – com um vestido preto nada básico e decote beeeeem generoso – e Leandro. Entre os que se destacaram em meio a discursos politicamente corretos, Othon Bastos, que recebeu um prêmio-homenagem pela sua carreira, foi quem mais chamou atenção. Primeiro, por ser aplaudido de pé pelos convidados que, blasês, pouco demonstravam animação acima da média além dos aplausos polidos; segundo, por ter a coragem de chamar a atenção do próprio Festival que o homenageava, lembrando com um puxão de orelha “discreto” a falta de homenagens aos 50 anos de carreira de Glauber Rocha, diretor pioneiro no Brasil e um dos grandes nomes do Cinema Novo, responsável por “Deus e o diabo na terra do sol” (1964), filme do qual o próprio Othon participou. O comentário veio logo após o vídeo-tributo a Hugo Carvana, que foi assistido por uma Malu Mader boquiaberta, extasiada com a performance do amigo em “Vai trabalhar, vagabundo!” (1973).

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Fotos: Zeca Santos

Outros pontos altos da noite foram a entrega do prêmio de ‘Melhor  Ator Coadjuvante’ para Rômulo Rocha (“Sangue Azul”), que subiu ao palco dando cambalhotas – parecia Roberto Benigni no Oscar quando recebeu o prêmio por “A vida é bela” (La vita è bella, 1997), no final dos anos noventa -, e o de ‘Melhor Atriz Coadjuvante’ para Fernanda Rocha (“O último cine drive-in”), que ganhou gritinhos de “lindaaa” ao pegar o troféu. O discurso de Lírio Ferreira – que venceu ‘Melhor Diretor’ e ‘Melhor Longa-Metragem de Ficção’ – também arrancou alguns suspiros da plateia, com o recifense se autodeclarando “um eterno vagabundo” graças à influência de Carvana e dizendo, com a voz mais calma e levemente emocionada, estar com saudades da filha. Mas a novidade que parece ter empolgado o público, inclusive Sandra Corveloni, foi a declaração da organizadora do Festival, Walquiria Barbosa, sobre o plano de construir uma boulevard e um telão público para a edição de 2015 do Festival.

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Fotos: Zeca Santos

No balanço geral, os convidados tiveram a impressão de que esses 15 dias de evento resultaram em saldo mais do que positivo. Bianca Comparato que, ao lado de Felipe Bragança e Cavi Borges, foi uma das juradas da mostra “Novos Rumos”, comenta a sua experiência no Festival do Rio: “O “Novos Rumos” esse ano foi bastante especial porque saiu de um lugar da segunda divisão e passou para um posição de destaque como plataforma de experimentação, voltando para diretores com qualquer nível de experiência, e não apenas como uma ação abaixo da Première Brasil. Foi algo que eu gostei bastante e acho que a curadoria foi muito feliz, porque havia filmes de muita qualidade. Dos outros títulos, eu gostei bastante do “Cássia”, um documentário muito forte sobre a Cássia Eller, de “Party Girl” e também do “Mommy”“. Ao lado, Christiane Torloni, que estava apressadíssima, toda diva e adereçada com um leque nas mãos, comentou: “Assino embaixo de tudo o que ela disse”.

Outro jurado que também afirma ter gostado da experiência foi o diretor Karim Aïnouz que, ao lado de um eufórico Lírio Ferreira, ressaltou: “Foi muito bacana fazer parte deste júri porque você acaba descobrindo muita coisa interessante que ainda não tinha visto. E havia filmes com uma p**a personalidade, bacanérrimos”. Já Lírio Ferreira, mantendo o bom-humor, declarou: “Acho que, pô, poderiam ter dado um prêmio também à arte, ao som e à música. Mas o que eu gostei mesmo foi de mergulhar no Arpoador hoje mais cedo”, soltou, às gargalhadas. Mais tarde a animação de Lírio iria render no palco do Porto Maravilha alguns selinhos de comemoração, inclusive no próprio Karim, provando que todos no cinema brasileiro são puro amor.

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Fotos: Zeca Santos

Bruna Linzmeyer, que está passando por intensa maratona de preparação para o seu novo longa-metragem “Frente fria que a chuva traz” (de Neville d’Almeida), observa o papel importante do Festival na hora de divulgar títulos alternativos que não são comumente exibidos nos cinemas convencionais: “Eu especificamente fico pensando sobre o filme com o qual eu estou concorrendo aqui na mostra Novos Rumos, o “Seewatchlook: O que você vê quando olha o que enxerga”, uma mistura de ficção com documentário que, independente da minha participação, desperta o meu interesse por si só. São coisas que não entram no circuito, não ficam em cartaz e você tem que aproveitar festivais como esse para poder assistir. Isso é sempre interessante, esse “novo olhar” ou “novo caminho””.

Caco Ciocler comentou não poder assistir a muitos filmes por causa das gravações para “Boogie Oogie”, mas que seu único temor não se concretizou: “O fato de o evento ter saído do Cine Odeon – que era um lugar tão emblemático – poderia até ter se configurado como uma quedinha na aura do Festival, mas o resultado foi legal e a qualidade se manteve”.

E até a cubana Laura Ramos, um dos destaques de “Sangue Azul”, era só elogios ao evento: “É um Festival bom porque ficou muito grande. Mas, por outro lado, eu gosto das confraternizações nas quais as pessoas se conhecem mais e poder passar mais tempo juntas. Algo mais íntimo. Porém, é uma alegria estar aqui. Adorei “Casa Grande”, “LoveFilmFestival” e “O Sal da Terra”, um ótimo longa sobre um fotógrafo que eu amo [Sebastião Salgado]”.

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Fotos: Zeca Santos

Após a entrega dos troféus, os apresentadores Deborah Secco e Leandro Hassum comentam um pouco sobre os resultados: “Acho que não importa para quem vai o prêmio, o incentivo do Festival é fazer com o que o cinema se movimente e aconteça. A função principal é essa: nós nos assistirmos, nos prestigiarmos e mostrarmos que, juntos, conseguimos fazer com que o cinema nacional cresça e seja cada vez mais capaz”, diz ela. Já Leandro elogia a entrega do prêmio de ‘Melhor Atriz Coadjuvante’: “Durante o Festival, assisti poucos filmes, mas fiquei bastante feliz com a vitória da Nanda Rocha. É uma menina que eu vi começar, muito talentosa e que tem uma trajetória brilhante pela frente”.

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Malu Mader, uma das juradas da mostra Première Brasil, comentou sobre a importância do cinema, além do mero entretenimento. Para tanto, ela observa temas recorrentes entre os diversos títulos: “Algo muito legal essa coisa de perceber o inconsciente coletivo. Há uma comunicação intrínseca entre os filmes, uma questão, inclusive, se mostrou constante em várias produções: a violência da polícia. Isso não aparece só em documentários como “Estopim” e “À Queima Roupa”, mas também no curta-metragem “Mater Dolorosa” e em “Trash”, que encerrou o Festival. A ausência paterna, por sua vez, está nos filmes “Ausência” e “Porque temos esperança”. E a corrupção, que permeia a nossa sociedade e não é só um assunto da política, comparece em “Prometo um dia deixar essa cidade”, “O fim e os meios” (vencedor do prêmio de Melhor Roteiro) e também em “Trash” e “Casa Grande”. Ou seja, o Brasil está de novo pedindo socorro através da arte, para que as pessoas fiquem alertas em relação a isso.

E ela continua: “Outro tema sempre presente hoje em dia, tanto na TV quanto no cinema, é a a condição gay: o júri popular premiou tanto “Casa Grande” quanto “Favela Gay”, o que revela como esse assunto está na ordem do dia. Você pode ver isso não só pela premiação, mas pelos filmes selecionados e aquilo que os autores estão inserindo nos roteiros; dá para sentir o que está passando pela cabeça das pessoas. O importante é que os filmes estão falando sobre tudo isso e eu espero que as pessoas assistam aos filmes. Particularmente, amo “À Queima Roupa”, um filme que considero necessário ser visto, para que a sociedade reflita sobre isso”.

Malu Mader e Tony Bellotto (Foto: Zeca Santos)

Malu Mader e Tony Bellotto (Foto: Zeca Santos)

Essa função da indústria audiovisual também foi destacada por Dira Paes, estava estonteante como de costume. “O cinema é diversão sim, mas pode penetrar na alma das pessoas através de diversos aspectos da sociedade. Nesse sentido, uma das prerrogativa de um evento como esse é exatamente mostrar a diversidade de questões que os diretores estão tratando, aquelas que se encontram na ordem do dia”. Fernanda Rocha, que diz ter suado a camisa para interpretar uma personagem tão diferente dela mesma em “O último cine drive-in” e considerou sua premiação “uma bênção”, também entrano debate: “Essa é a função da arte. A arte é um vômito, é colocarmos para fora o que estamos sentindo. E se isso não acontecer, nada faz o menor sentido”.

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Fotos: Zeca Santos

O elenco de “Sangue Azul”, representado por Laura Ramos, Sandra Corveloni, Rômulo Braga e Caroline Abras foi um dos grandes destaques da festa que sucedeu a premiação, naturalmente mais descontraída que o evento de abertura, pelo fato de a competição já haver transcorrido. A trupe do filme vencedor estava radiante, todos figurinhas fáceis circulando pelo galpão, parando aqui e ali para receberem aqueles votos de “merecido!”. Sobre o filme – e o prêmio de ‘Melhor Ator Coadjuvante’ – Rômulo comenta: “É super especial, o Festival do Rio é mesmo uma maravilha. Receber então o prêmio de ‘Melhor Filme’ é um brinde a tudo o que vivemos naquela ilha por 30 dias”.

No longa, ele interpreta um marido que, sexualmente negligenciado pela esposa, acaba se relacionando com um homem. “Em primeiro lugar, queria deixar claro que não tenho problema nenhuma com a homossexualidade. Mas no caso do personagem, o que se passa com ele é uma necessidade humana, a sexual. Na falta de uma parceira, ele vai buscar o amor com quem está disponível a dar isso para ele. No caso, o personagem do Milhem Cortaz. A discussão está além da opção sexual, trata-se de um filme que, como o Lírio disse, fala sobre amor, da necessidade de amor”.

Caroline e Sandra também ressaltam a felicidade com o troféu obtido, após a dureza que foi rodar o projeto em Fernando de Noronha: “Esse prêmio para a vida de um filme é muito importante, porque o Festival do Rio, dentro do nosso panorama de cinema nacional, é o mais importante”, comenta Caroline. Sobre a questão de o cinema servir como plataforma de protesto e conscientização política, ela declara: “A arte está aí exatamente para questionar, provocar e fazer as pessoas pensarem e verem as coisas de outro modo. Não necessariamente com uma resposta pronta, mas pelo menos com veículo para levantar o debate”. Sobre as dificuldades técnicas do filme, Sandra diz que “foi um sonho que é até difícil de imaginar e que se concretizou, porque rodar um longa-metragem em uma ilha, sem nenhuma estrutura, como é que faz? Além de ser rodado em película, ainda tinha o circo com globo da morte e tudo. É como o Charles Chaplin disse uma vez: ‘Um sonho que se sonha sozinho é sonho. Agora um sonho sonhado em conjunto é realidade’”.

A atriz também enxerga no cinema esse grande potencial transformador ao comunicar insatisfações sociais: “Quanto mais pessoas puderem ter acesso às obras, melhor. A arte propõe um discussão e a partir dessa troca de ideias, nós podemos vislumbrar uma sociedade melhor. Todas essas mensagens que passamos através do cinema, do teatro, da dança, da pintura etc., fazem parte disso. A gente tenta fazer algo que não seja apenas entretenimento, mas que levante algumas questões e que fortaleça a arte enquanto debate, cultura e troca de ideias para uma sociedade mais plural e democrática. Pelo menos foi isso que eu pensei quando comecei a fazer teatro lá na década de 1980”.

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E, no que se refere ao potencial de alavancar ideias do cinema, ninguém melhor para comentar sobre o assunto do que Ilda Santiago, uma das organizadoras do Festival do Rio. “Eu acredito profundamente nessa capacidade revolucionária da Sétima Arte. Talvez não da forma romântica como se acreditava há 50 anos, de que o cinema poderia mudar o mundo. Mas acredito que ele pode mudar as pessoas, ao menos a plateia. A experiência de ver um filme é transformadora: é possível assim olhar para você e para o outro de uma forma diferente. Acho que o Festival tem essa função, ou melhor, gostaria muito que ele tivesse essa premissa de mudar a nossa cabeça e desmontar tudo aquilo que acreditamos para construir novas crenças. Eu acredito nisso e é o motivo pelo qual eu faço o Festival”, finaliza, antes de dizer que vai dormir por 24 horas e, quando acordar, já começará a pensar na próxima edição, a qual o público, a cidade e a indústria cinematográfica nacional aguardam ansiosamente.

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Fotos: Zeca Santos

Confira abaixo a lista completa dos vencedores:

Mostra competitiva de longas-metragens de ficção:
“Ausência”, de Chico Teixeira (Prêmio especial do júri)
“Casa Grande”, de Fellipe Barbosa (Melhor longa júri popular)
“Love Film Festival”, de Manuela Dias
“O Fim De Uma Era”, de Bruno Safadi e Ricardo Pretti
“O Fim e os Meios”, de Murilo Salles (Melhor roteiro)
“O Outro Lado do Paraíso”, de André Ristum
“Último Cine Drive-in”, de Iberê Carvalho
“Obra”, de Gregório Graziosi (Melhor fotografia)
“Prometo um dia deixar essa cidade”, de Daniel Aragão Brasil
“Sangue Azul”, de Lírio Ferreira (Melhor longa de ficção e Melhor ator coadjuvante)

Mostra competitiva de longas-metragens de documentário:
“À Queima Roupa”, de Theresa Jessouroun (Melhor diretor de documentário e Melhor documentário)
“A Vida Privada dos Hipopótamos”, de Maíra Bühler  e Matias Mariani(Categoria montagem)
“Campo de Jogo”, de Eryk Rocha
“Esse Viver Ninguém me Tira”, de Caco Ciocler
Favela Gay”, de Rodrigo Felha (Melhor documentário júri popular)
“Meia Hora E As Manchetes Que Viram Manchete”, de Angelo Defanti
“My Name is Now, Elza Soares”, de Elizabete Martins Campos
“O Estopim”, de Rodrigo Mac Niven
“Porque Temos Esperança”, de Susanna Lira
“Samba & Jazz”, de Jefferson Mello

Mostra competitiva de curtas-metragens:
“Cine Paissandu: Histórias de uma Geração”, de Christian Jafas
“E o amor foi se tornando cada dia mais distante”, de Alexander de Moraes
“Mater Dolorosa”, de Tamur Aimara e Daniel Caetano
“Cloro”, de Marcelo Grabowsky
“Barqueiro”, de José Menezes e Lucas Justiniano (Júri oficial)
“Outono”, de Anna Azevedo
“O Clube”, de Allan Ribeiro
“Edifício Tatuapé Mahal”, de Carolina Markowicz e Fernanda Salloum
“Menino da Gamboa”, de Pedro Perazzo e Rodrigo Luna
“Diário de Novas Lembranças”, de João Pedro Oct
“História Natural”, de Julio Cavani
“The Yellow Generation”, de Daniel Sake
“Kyoto”, de Deborah Viegas
“Loja de Répteis”, de Pedro Severien
“Max Uber”, de Andre Amparo (Juri popular)
“Sem Título # 1: Dance of Leitfossil”, de Carlos Adriano

MOSTRA NOVOS RUMOS
Longas-metragens:

“A Revolução do Ano”, de Diogo Faggiano
“Castanha”, de Davi Pretto
“Deserto Azul”, de Eder Santos
“Hamlet”, de Cristiano Burlan
“Permanência”, de Leonardo Lacca
“Seewatchlook o que você vê quando olha o que enxerga?”, de Michel Melamed
“Tudo vai ficar da cor que você quiser”, de Letícia Simões

Curtas-metragens:
“A Deusa Branca”, de Alfeu França – (Prêmio especial do júri)
“Indícios 3 – quanto tempo a gente precisa ficar andando no mesmo lugar para dar um passo”, de Dannon Lacerda
“La Llamada”, de Gustavo Vinagre
“O Bom Comportamento”, de Eva Randolph
“O Rei”, de Larissa Figueiredo
“Tenho um dragão que mora comigo”, de Wislan Esmeraldo