*por Vítor Antunes
A formação do SBT, desde seu embrião até se consolidar como uma das maiores redes de televisão do Brasil, é uma história repleta de reviravoltas e de uma capacidade inigualável de Sílvio Santos (1930-2024) em transformar adversidades em oportunidades. Esta é mais uma das reportagens sobre a morte de Silvio Santos, falecido no último sábado, e que é, sem a menor dúvida, o maior comunicador do país. Sílvio Santos conseguiu a concessão da Tupi, falida em 1980, implementando na TVS uma estratégia de programação que reforçou sua relação com o governo, como o programa “O Dia do Presidente“. Essa aliança foi crucial para o SBT desbancar concorrentes poderosos como o Grupo Abril e o Jornal do Brasil, que também disputavam o espólio e as concessões da Pioneira. Além disso, seu olhar empresarial e a sorte permitiram que, a partir dos “restos” de outras duas emissoras, a Excelsior e a Continental, o SBT pudesse sobreviver em seus primeiros anos.
Sílvio Santos iniciou sua incursão na televisão com a posse do canal 11 do Rio de Janeiro, que mais tarde se tornaria uma peça-chave na criação da rede. Na época, o conglomerado ainda era composto por várias emissoras locais, reunidas sob a bandeira da TVS. Curiosamente, muito se especulava que a sigla TVS fosse uma abreviação de “TV Silvio Santos”, mas, na verdade, significava “TV Studios“, refletindo a visão empresarial de Sílvio de transformar a produção de TV em um negócio robusto e sustentável. Veja como o SBT surgiu a partir do que sobrou de outras emissoras.
DAS CINZAS DAS TVS CONTINENTAL E TUPI
Em 1976, Silvio Santos participou de um leilão da massa falida da TV Continental, onde adquiriu o antigo sistema de transmissão da emissora, conhecida por sua obsolescência e por transmitir em preto e branco. No livro “Noites Tropicais”, Nelson Motta comenta que a iluminação na TV Continental era tão inadequada que todos os apresentadores pareciam “ser mulatos”. Silvio Santos enfrentou muitas críticas por adquirir os equipamentos e transmissores da Continental. Entretanto, por uma feliz coincidência — mais um golpe de sorte na trajetória do comunicador — a emissora já estava em processo de transição para transmissões em cores. Em São Paulo, o Grupo Silvio Santos operava os Estúdios Silvio Santos, um complexo de 4.000 m² que pertencia à extinta TV Excelsior, localizado no bairro da Vila Guilherme, além do Teatro Manuel de Nóbrega, onde Silvio realizava seus programas.
Após sair da Globo, em 1976, Silvio Santos levou seu programa para a Tupi, apesar de a emissora não integrar o SBT em seus primeiros anos, composto pelo canal 11 do Rio de Janeiro, a Record de São Paulo (canal 7) e a TV de Porto Alegre (canal 5). Essa exibição na Tupi se deu por conta da relação amistosa entre Silvio Santos e a emissora, que, atolada em dívidas, logo perderia o canal 4 de São Paulo, que posteriormente seria adquirido por Silvio, tornando-se a sede do SBT. Quando a TVS iniciou suas operações em 19 de agosto de 1981, utilizou os estúdios do Sumaré, que anteriormente pertenciam à Rede Tupi. Naquele mesmo ano, o SBT foi oficialmente formado a partir das concessões do espólio da Rede Tupi nas cidades de São Paulo (TV Tupi São Paulo), Porto Alegre (TV Piratini) e Belém (TV Marajoara), além das outras duas emissoras que Silvio já controlava, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul.
Em 1979, a TVS adquiriu o antigo Cine Fluminense, localizado em frente ao Campo de São Cristóvão, no Rio. Após passar por diversas reformas, o local foi adaptado para funcionar como estúdio de televisão e inaugurado em 1982, abrigando também a TV Record do Rio de Janeiro, que operava no canal 9, no início dos anos 1990, cederia lugar à CNT Rio. Um galpão na Rua General Padilha, também em São Cristóvão, foi inicialmente utilizado pela TVS até o final da década de 1980, quando passou a ser de uso exclusivo do canal 9, onde hoje funciona a CNT carioca. Os estúdios do SBT no Campo de São Cristóvão permaneceram ativos até 2021, quando a emissora se mudou para um novo edifício no Centro, deixando para trás São Cristóvão, local que foi considerado o berço da rede de Silvio Santos.
Foi durante o governo de João Figueiredo, o último general do regime militar, que Silvio Santos obteve a concessão de parte dos canais da TV Tupi, incluindo o de São Paulo, o que permitiu a transformação da TVS no SBT. Em 2017, durante um de seus programas dominicais, Silvio expressou sua gratidão a Figueiredo: “Sou muito grato a ele. Se não fosse ele, eu estaria vendendo caneta na praça da Sé”.
A relação entre Silvio Santos e o governo militar foi marcada por uma estreita proximidade com todos os presidentes que passaram pelo Palácio do Planalto desde a ditadura de Médici, iniciada em 1969. Silvio nunca escondeu seu propósito de manter boas relações com o governo para assegurar o crescimento de seu império televisivo. Entre 1981 e 1997, ele exibiu aos domingos o quadro “A Semana do Presidente”, que apresentava a agenda dos diversos mandatários, de João Figueiredo a Fernando Henrique Cardoso.
Eu sou concessionário, um ‘office boy’ de luxo do governo. Faço aqui o que posso para ajudar o país e respeito o presidente, qualquer que seja o regime – Sílvio Santos
DAS CINZAS DA TV EXCELSIOR
No dia 10 de agosto de 1967, a TV Excelsior inaugurou seus estúdios situados na Rua Dona Santa Veloso, número 575, no bairro de Vila Guilherme, São Paulo. Contudo, àquela altura, a emissora já enfrentava significativas dificuldades financeiras, acumulando dívidas com distribuidoras de filmes, instituições bancárias e até mesmo com seus próprios funcionários. Com o encerramento definitivo de suas atividades em 1970, os estúdios, que ocupavam uma área de 11.000 m², permaneceram fechados até 1972, quando, por meio da intervenção da Caixa Econômica Federal, foram alugados pelo Grupo Folha para a então produtora TV Studios.
Foi exatamente na Rua Dona Santa Veloso, 575, que programas sem auditório, destinados a plateias mais restritas, foram gravados. Nesse local, surgiram produções como Casa da Angélica, A Praça é Nossa e Fantasia, além de abrigar os estúdios e a redação de jornalismo da TVS (TV Studios Silvio Santos). Antes da chegada da TVS, o local servia como depósito do jornal Folha da Manhã e havia sido a sede da extinta TV Excelsior.
Anos depois, o Programa Silvio Santos deixou os estúdios da Vila Guilherme e passou a ser produzido em uma nova sede, adquirida pelo SBT: o Teatro Silvio Santos, localizado na Avenida Ataliba Leonel, no Carandiru – antigo Cine Sol. Nessa nova localização, foram gravados programas icônicos como Topa Tudo por Dinheiro, Em Nome do Amor e Show de Calouros. Atualmente, o prédio na Avenida Ataliba Leonel funciona como um bufê e casa de festas, enquanto o antigo estúdio na Rua Dona Santa Veloso foi transformado em uma igreja evangélica.
O legado de Sílvio Santos no cenário televisivo brasileiro é indiscutível. Sua habilidade em transformar desafios em oportunidades, aliada a uma estratégia política bem calculada, permitiu que o SBT não apenas sobrevivesse, mas se tornasse uma das maiores emissoras do país, a partir das cinzas de outras, como a TV Tupi e a TV Excelsior. A história do SBT é, em última análise, a história de um homem que soube como ninguém navegar pelas águas turbulentas da política e dos negócios, sempre com um olhar afiado para o futuro e uma determinação inabalável.
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