*por Vítor Antunes
Ele tem uma ascendência nobre no teatro brasileiro. Filho, irmão, neto e tio de atores. E, naturalmente, foi sempre muito cobrado por esta razão. Depois de realizar muitos trabalhos na televisão, no teatro e no cinema brasileiros, há quase 10 anos Miguel Thiré está em Portugal, onde vem consolidando sua carreira e não tem pretensão de voltar ao Brasil. “Ao voltar para Lisboa, vou tirar uns dias de férias e começar a apontar uma peça para setembro em Portugal.” Aqui pelo Brasil, está assinando a direção de O Figurante, que é o primeiro monólogo de Mateus Solano. A montagem estreou no dia 19/07 e fica até o dia 01/09 no Teatro Fashion Mall, no Rio. Em Portugal, irá se lançar como professor de comédia de improviso, além de seguir tocando outros projetos teatrais na capital portuguesa.
Sobre os trabalhos que realizou aqui no Brasil, especialmente na televisão, tiveram um desempenho irregular. “Fiz alguns grandes projetos de audiovisual, como ator tanto na Globo, na Record, e na Bandeirantes, assim como alguns filmes. Alguns foram mais redondos, completos, outros com muitos problemas de produção mesmo.” Para tanto, o ator relembra Paixões Proibidas e Em Família — novelas da Band e da Globo — que não tiveram uma trajetória vitoriosa. “Elas se enrolaram no caminho e meio que implodiram em sua produção. A última novela que eu fiz foi da Globo, Em Família, na qual fui chamado pelo próprio autor. A novela desandou de uma hora para outra, tanto quanto Paixões Proibidas, que estava sendo prazerosa no início e começou tão feliz, tão forte, com muitos atores portugueses e uma produção grande, mas as emissoras que a produziram não tinham histórico de fazer novela. A impressão que eu tinha era que existia uma falta de comunicação interna que fez a novela ser jogada para um lugar ruim na grade e fez tudo virar uma grande confusão. Fiz alguns bons projetos de audiovisual, mas outros que me pareceram um desencontro astrológico.” Contudo, ele pondera: “Tenho saudade de estar num set, estudar, estar decorando e construindo e desenhando um personagem.”
PALAVRAS GRAVES
Numa de suas obras, Manoel Carlos destacou a seguinte lenda — se é que pode ser considerada assim: que antigamente, os portugueses destacavam aquilo que para eles era muito grave, muito sério, muito importante, com inicial maiúscula. Daí, o sentimento se personificava e ganhava a importância que merecia. Desta forma, Amor, Sofrimento, Dor, tudo deveria ser grafado assim, com maiúsculas. Miguel Thiré vive há anos em Portugal. Sua família é da poesia do tablado, onde a confusão entre a parentela costuma se estabelecer. “Você não é filho da Luísa [Thiré]? Não. Sou irmão. Minha mãe é a Norma”, diverte-se ele, talvez acostumado às recorrentes e doces trocas de nomes, já que, de forma não incomum, ele era tratado como Vítor, que é seu sobrinho. Ou seja, além de “Arte”, outra palavra grave seria “Família”, que de tão importante se entrelaça a ponto de se indefinir.
Não faz muito tempo, Miguel descobriu outra leitura em ser Família. É pai da pequena Laura, que tem apresentado a ele os desafios e canduras que a função paterna traz. E Laura nasceu em Portugal, mas vê ser resolvida a sua questão da dupla nacionalidade. “A menina ainda não é brasileira porque eu não consegui trazer uma documentação a tempo, mas vindo para o Brasil e tendo essa convivência, essa ginga, a cultura…”
Existe um calor do brasileiro, uma felicidade que fala e que celebra e que é muito bonitinha, muito legal. Tudo é festa para brasileiro e essa talvez seja a nossa maior contribuição cultural do mundo – Miguel Thiré
Ele aponta que “são oito anos de história em Portugal sempre. Inicialmente parecia ser uma escolha radical, mas hoje é cada vez menos difícil morar no exterior, por conta de todo o apoio digital, mas é uma grande escolha. Eu já tenho amigos em Portugal, já tenho história com eles, casei com a Gabriela e agora temos a Laura. Portugal é um mercado pequeno, são poucas as estruturas que ocupam o mercado. O português gosta de trabalhar com quem ele conhece. Demora um tempo para conseguir furar uma bolha”.
Vir ao Rio de Janeiro e voltar a Portugal é perceber que a sonoridade é outra. “Quando venho aqui no Rio, acho que volto a ser carioca, mas percebo que a melodia da fala é outra. Essa vida de estrangeiro nessa relação entre Brasil-Portugal é muito curiosa. Nós somos entendidos perfeitamente por lá e as portas estão muito abertas pela música, pela novela, por tudo isso. Certa vez, numa novela, me vi tentando falar à moda portuguesa, mas acabei por desistir e falar como o brasileiro que sou. Mais interessante sou aos olhos estrangeiros e, para mim, como ator, passou a ser importante ser sempre um brasileiro em cena.”
Filho do ator Cecil Thiré (1943-2020), Miguel toma para si uma lição que seu pai o ensinou quando, numa vez, ele tentou subir num caminhão muito maior que seu tamanho. Seu pai o aconselhou: “Suba, mas não se machuque”. O paternar tem sido esse oscilar entre subir caminhões e cair. “A frase do meu pai transmitiu para mim assim uma responsabilidade. Não que depois eu já questiono tudo isso. Eu não caí e me vi experimentando as coisas. Eu acho que tem isso de criar um filho para o mundo, de dar as suas diretrizes para encontrar os caminhos, de educar, e agora me vejo nesse lugar que antes era do meu pai. Vejo a importância disso, de deixar o que há de aprendizado para o seu filho”.
Sobre ter uma dinastia familiar e a cobrança em ser mais um da dinastia Thiré/Carrero, Miguel diz que “esta foi sempre uma pergunta muito comum ao longo da minha vida, e a resposta surgiu quando eu tinha por volta dos 20 e poucos anos, quando ficou clara na minha cabeça. Percebi que o mercado estava me cobrando com uma expectativa alta por eu ser quem eu era e fui desenvolvendo um sistema de cobrança interna muito duro, que passei a administrar [e tirar de mim o peso da expectativa]”. Conta-nos o ator que, ainda que tenham feito, há dois anos, uma leitura baseada em textos da vida da Tônia Carrero (1922-2018), há um acervo grande de coisas da atriz que num futuro devem ser novamente revisitadas. “Minha vó era uma referência, um mito, uma pessoa muito amada, um ser resplandescente”. Na ocasião, Tônia completaria 100 anos.
Na nova montagem que encena no Brasil, tem como protagonista seu amigo de longa data Mateus Solano. “Ele e eu temos uma parceria de irmandade mesmo. Quando começamos a desenvolver o projeto, minha esposa, Gabriela, estava grávida, e ele foi a Lisboa ensaiar, e assim a montagem foi sendo colocada de pé. A parceria com o Mateus é a mais longa que eu tenho na vida”. Por anos, os dois atores fizeram juntos a montagem de Selfie, em que compunham o elenco.
Por anos ele fez a peça Selfie, com Mateus Solano. Se pudesse fazer seu autorretrato do que mais vê em si, Miguel diz que veria “uma mistura muito curiosa de rigor e emoção, que alterna entre assertividade e carinho, intensidade e rudeza, choro e passionalidade. É como se um alemão e um italiano morassem ao mesmo tempo em mim”. Múltiplo, versátil. Miguel Thiré, olha para sua arte, como a uma profissão de fé. Ou, de “Fé”, com maiúscula, viva.
Artigos relacionados