Em uma época em que o Tribunal de Contas da União determinou que o Ministério da Cultura deva restringir a “a análise de solicitações de incentivos fiscais que se apresentem lucrativos e autossustentáveis” e solicitou também que deixe de selecionar projetos que demonstrem “capacidade de atrair suficientes investimentos privados independentemente dos benefícios fiscais daquela lei”, o ator, dramaturgo e diretor Miguel Falabella que estreia sábado, no Rio, “Mulheres à beira de um ataque” – confira aqui – atesta: o futuro é triste para o teatro. “O musical brasileiro ainda engatinha, mas se acabar o incentivo, tudo vai desaparecer. Aí só a geração dos netos de vocês vão ver musical outra vez. Está tudo tão confuso. Temos que brigar pelo nosso. Não o meu, porque minha vida talvez não mude, mas a de muitos atores e técnicos que não têm outro ganha pão mudará. Uma peça musical emprega quase 100 pessoas. Sem a lei, estão tirando empregos de milhares”, lamentou ele, que, além disso, tem outra preocupação tão grande quanto: “É triste, porque demoramos tanto tempo para adquirir know-how. Não faz muito tempo que os produtores compravam os cenários no exterior e hoje já produzimos os nossos. O nível de tudo aprimorou. Depois de termos alcançado várias conquistas – de canto, dança, tudo! – fico preocupado de os projetos pararem. É um retrocesso. Até melhorar, até retomar tudo, olha o tempo que vai ser. É depressivo, porque parece que nunca chegamos a lugar nenhum. Agora para tudo, sabe-se lá quando se recomeça outra vez”, disse.
O problema, de acordo com Miguel, não é do teatro em si, mas do país: “Claro que o teatro sentirá os efeitos da crise de forma avassaladora, mas temos que continuar dentro das possibilidades a fazer espetáculos de excelência. Mas, acredito que não teremos muitas possibilidades. Se a Lei Rouanet acabar, o teatro musical desaparacerá de qualquer jeito. Nenhum espetáculo se paga. Só ver o preço de um centímetro no jornal, de um anúncio na televisão. Estou falando só de divulgação, nem falo de ensaios, produção, orquestra, tudo mais que demanda uma montagem”, explicou ele, que, mesmo em tempos de crise, trouxe o sucesso “Mulheres à beira de um ataque de nervos” de São Paulo para o Rio de Janeiro. “Mas isso só aconteceu porque a captação desse musical já é anterior à crise. Esse ano, eu não tenho nenhum projeto. Sempre tenho muitos”, destacou. E não é desânimo, ele garantiu. “Eu vou tentar fazer, continuar me adequando como cidadão e artista. Todos nós estamos vendo o que vai acontecer. Está todo mundo assustado, com medo, é incerteza geral em toda parte”, analisou.
Ainda assim, o teatro continua aclamado, com eventos criados recentemente para premiar especificamente os atores do palco. E ai? Isso também acabará, Miguel? “Ninguém come prêmio, né… ninguém nem tem roupa para ir ao prêmio, é uma coisa triste. Prêmio no Brasil é uma chinelinha, dedo amarrado. Imagina, black tie… O que o americano faz que é fabuloso. Encharca de mística. Pode ser uma bosta: homenagear o pipoqueiro da esquina, mas vai todo mundo lindo no ‘red carpet’. Aqui não tem isso”, criticou. Mesmo com tantos obstáculos, Miguel não acredita que o teatro vai acabar. “Jamais morrerá, porque sempre vai ter um maluco que vai se aventurar. Mas vai atravessar um momento muito difícil”, opinou.
Ainda que diga que não tem projetos, Miguel é conhecido por não ficar parado e já tem duas séries encaminhadas. Enquanto a primeira já tem até nome e elenco, “Brasil a bordo”, a segunda ainda está no papel – e ele quer Adriana Esteves para viver um papel que foi escrito para Marília Pêra. Modesto, Miguel brincou: “Eu fico inventando projeto para dar assunto. Tem o ‘Brasil a bordo’, sem data de gravação nem exibição, Vou entregar o texto e fazer minha parte. O elenco sou eu, Arlete Salles, Ney Latorraca, Luís Gustavo, Dani Calabresa, entre e outros. É uma família dona de uma companhia aérea que está quebrada e o juiz deixa que aqueles homens operem para pagar dívidas trabalhistas. Realmente quero a Adriana, mas ainda nem teve conversa nesse sentido, não sei nada”, revelou.
Enquanto o projeto caminha, a exibição de “Pé na cova” é motivo de orgulho: “Lindo. Eu acho que ficará na história da TV brasileira. Foi um programa popular, poético, filosófico, humano e absolutamente verdadeiro, que chegou no coração das pessoas. Acho que foi um acerto. E olha que sofri boicote, bullying, a babá foi muito cortada no começo, porque achavam um absurdo ter uma mulher desdentada, louca, gritando ‘piranha’. Mas isso é o Brasil, queridos. O Brasil é uma velha desdentada, louca, gritando ‘piranha’. Desculpa, mas é só andar na rua e ver. Eu gosto muito do “Pé na cova”, acho que deixou a marca dele”, comemorou.
Resistente no humor em uma época que o politicamente correto às vezes cria barreiras para a comédia, Miguel é categórico: “A comédia não admite esse tipo de classificação. É burro quem a coloca dentro do politicamente correto. Coisa de gente ignorante. Chris Rock arrebentou no Oscar, foi absolutamente politicamente incorreto. Além disso, observamos todo movimento que o Will Smith estava fazendo. Isso é inteligente. O cara vai, esculhamba, tem uma discussão saudável, não vira uma caça as bruxas. Não tenho mais saúde para esse Paquistão. Para mim, isso não acaba com o meu humor, porque eu não me permito. É uma censura horrorosa. O que eu passei em ‘Sexo e as negas’ (série que foi fortemente acusada de racismo e estereótipos) é indescritível. Só nesse fim de mundo. Vivemos em um país ignorante e triste”, disse. Ainda assim, para Miguel, tudo “vale a pena”. “Até porque não sabemos fazer outra coisa, escolhemos isso. Meu pai dizia: ‘Você é um homem tão inteligente meu filho, vai fazer isso por qual motivo?’. E olha que sou privilegiado. Se tem alguém privilegiado sou eu. Mas não me preocupo por mim, mas pela garotada. Esse país vai para onde culturalmente? É muito triste”, lamentou.
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