*Com Bell Magalhães
A modelo Mayara Russi dá o start em sua carreira de atriz em ‘Verdades Secretas 2’, com estreia programada para ainda este ano no Globoplay. Ela interpretará Vitória, uma modelo plus size de sucesso na trama de Walcyr Carrasco — uma realidade que é conhecida pela intérprete. “Na trama, Vitória é uma das modelos mais influentes da agência, a que mais trabalha, o que vai atrair a atenção e inveja de muitos. Acredito que possa rolar uma certa revolta de alguém da agência pelo fato de a Vitória nunca ficar sem trabalho, mesmo sendo uma pessoa fora do padrão da ditadura da magreza”.
A representatividade também foi algo que chamou a atenção da modelo. Ativista do movimento ‘Corpo Livre’, que preza pela aceitação e representatividade de corpo, ficou ainda mais realizada pela importância que Vitória terá para mulheres gordas: “Fiquei muito feliz que o papel foi pensado para uma atriz gorda maior, com barriga e coxas grossas, e não meninas curvilíneas para se passarem por uma quebra de padrão. É muito importante. Vitória vai colocar muito o corpo para jogo usando cropped, calças justas, looks oversized”, revela, acrescentando: “Eu lutei muito para conquistar esse papel por representar uma mulher gorda que tem vida, se relaciona e trabalha, como qualquer uma”.
Sobre a personagem, a modelo diz ainda que o papel é permeado por um duplo simbolismo: “A Vitória tem dois pesos diferentes para mim. Primeiro, por ser a minha estreia na atuação em TV. Segundo, para mostrar que este ano eu iria passar por algumas turbulências, mas que a vitória viria de qualquer forma”.
Um dos desafios recentes da atriz foi a hospitalização da mãe, Rozana, após contrair Covid-19, no qual ficou 18 dias entubada após o diagnóstico. Mesmo após os momentos mais sérios da doença, Mayara fala dos obstáculos que ainda precisam ser transpostos em família: “Graças a Deus minha mãe está curada, mas ainda hospitalizada e a recuperação é bem lenta. Ela perdeu o controle parcial da parte motora e ainda não consegue ficar em pé. Então, vai precisar de muita fisioterapia e paciência. O período foi de muita turbulência para nós, mas somos unidos e isso facilita tudo nesse momento”, disse a atriz que falava do quarto do hospital onde a mãe está internada.
Antes da internação da mãae, Mayara precisou lidar com outros desafios impostos pela pandemia. Mãe de Rafael, de 13 anos, e Sofia, de 7, a modelo disse que mudou a dinâmica da própria vida para poder cumprir com as responsabilidades dos filhos, que estão em idade escolar. “Descobri que deixar de trabalhar é mais difícil do que trabalhar. Ficamos mais sensíveis com tantas perdas e luto. Não foi fácil nos adaptarmos a aulas online, e quem mais sentiu foi a minha filha menor. Ela não queria ficar sentada e chorava. Foi bem difícil”, desabafa.
Para contornar as dificuldades, a modelo diz que encontrou espaços na própria agenda para poder passar um tempo e criar laços mais fortes com os filhos: “Eu separava três dias da semana para trabalhar e ficava o resto dos dias com meus filhos. Deu muito certo, nos aproximamos muito e nosso vínculo ficou ainda mais forte. Agora que vou ter que ir ao Rio (a modelo mora em São Paulo) para gravar”.
Mercado Plus Size, autoestima e preconceito
Modelo desde os 15 anos, Mayara diz que sempre foi alvo de preconceito por não ser uma ‘gorda padrão’. Apesar do termo ser controverso, é o sinônimo do corpo gordo aceito na sociedade — sem barriga, celulites, com pouca ou nenhuma barriga e cintura fina. “Eu sempre enfrentei preconceito porque eu nunca fui uma gorda menor, que usa do tamanho 46 ao 52. Se eu não fosse tão persistente e tivesse criado a identidade da ‘Mayara Russi’, talvez eu não teria chegado onde cheguei. O meu papel e de outras que estavam no mercado na mesma época foi muito importante para uma evolução”, afirma.
O preconceito e a falta de preparo está, inclusive, dentro do mercado plus size. Ao longo da carreira, a modelo conta que viveu experiências constrangedoras e avalia que a indústria ainda não é adequada para corpos como o dela: “As empresas querem o dinheiro das pessoas gordas maiores, mas não estão dispostas a colocar uma pessoa que realmente represente o tamanho delas. Vi desde marcas que se diziam plus size e vendiam até o tamanho 52, testes nos quais só existia uma roupa para experimentar e que eram quatro ou cinco números menores que o meu, até marcas que me chamavam para fazer parceria e não tinham ideia do meu tamanho, e muito menos vendiam roupas para corpos como o meu”.
A atriz destaca a importância de uma representação ampla, mas reforça que a escolha das modelos que estampam as campanhas é o primeiro passo para uma marca se dizer, de fato, acessível para quaisquer tamanhos. “Todos os corpos merecem ser representados, mas eu não acho coerente uma empresa que diz fazer roupas do 44 até o 66 usar apenas modelos menores para estampar um catálogo. Como uma mulher gorda maior pode se ver em um corpo que não é o dela, mesmo que na teoria tenham tamanhos para ela? Não se vê. Ela não tem noção de como aquela roupa vai ficar nela, se vai gostar do caimento ou algo do tipo”, avalia.
Um tema muito falado em discussões entre pessoas com corpos não-padrão é a aceitação. Ela pode ser uma ferramenta poderosa para recobrar o amor próprio e lutar contra as amarras da sociedade, mas Mayara pondera que o termo pode ser perigoso na construção da autoestima: “Acho que ‘aceitação’ é uma palavra que coloca uma conotação de conformismo, e não devemos nos conformar com tudo. Nós nunca somos daquela maneira, nós estamos daquela maneira. Você pode trabalhar a sua autoestima para entender que aquele corpo é seu, sim, mas que tem outros pontos que fazem parte da sua identidade”.
A mídia também pode se tornar uma inimigo durante essa jornada, uma vez que ela impõe regras e deslegitima a narrativa de pessoas gordas o tempo inteiro. A modelo fala que tem que lutar para afirmar o próprio ativismo em meio à negativa que recebe das redes: “A mídia cria barreiras para nós chegarmos em um patamar em que gostamos do nosso corpo, pois sempre colocam o argumento da saúde como o principal problema de uma pessoa gorda, o que não é uma regra. Falamos que a pessoa gorda é capaz, que podemos tudo, mas a mídia fala o contrário. É um desserviço”, desabafa.
Além da mídia, alguns influenciadores digitais cumprem o papel enquanto aliados da ‘ditadura da magreza’. Recentemente, a influencer Mayra Cardi compartilhou um relato em seu Instagram no qual ela disse ter feito um jejum restrito durante sete dias, além de destacar os benefícios da prática. Com um total de 6 milhões de seguidores, Cardi se diz perita em ‘emagrecimento natural’ e ‘analista comportamental’, e dá dicas de beleza e bem-estar. Na ocasião, foi criticada por profissionais da saúde mental e física por estar promovendo apologia aos distúrbios alimentares com uma prática que não tem comprovação científica.
Mayara desaprova as falas de Mayra Cardi e enfatiza a responsabilidade que um influenciador tem e como falas desse tipo podem ser perigosas: “Nós que trabalhamos com a internet devemos entender que temos uma responsabilidade enorme com quem nos acompanha. Ela tem milhões de seguidores, imagina se alguém faz algo que ela indica e tem uma queda de glicemia, passa mal e precisa ser hospitalizada. Ela irá se responsabilizar por isso? É muito errado”, diz, acrescentando: “Eu fiz uma ‘limpa’ nas minhas redes de pessoas que promovem soluções milagrosas para problemas de saúde. Não é assim que funciona. Eu tenho uma responsabilidade muito grande com o que eu passo para os meus seguidores e acredito que qualquer um que esteja nessa posição de influenciar alguém deveria pensar o mesmo”, avalia.
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