*Por Brunna Condini
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. A frase emblemática de Euclides da Cunha de ‘Os Sertões’, bem que poderia estar no rol de definições do orgulho que Mayana Neiva tem de suas raízes. O autor faz referência à potência de se sobreviver às adversidades no sertão. E esta história interessa muito à atriz. Paraibana de Campina Grande, ela deseja ressignificar a imagem do Sertão para o Brasil e mostrar o potencial artístico e cultural da região.
Tanto que Mayana acaba de gravar no sertão da Paraíba, ‘José‘, documentário que conta a história do seu avô. “É um projeto muito especial para mim e que me emocionou demais. Quando voltei para o Brasil, no fim de 2017, me perguntei quais eram as minhas histórias de verdade. Queria saber realmente qual era a minha história. E ela começava pela do meu avô. Ele, que nasceu em Esperança, foi balaieiro, levava carne na cabeça para a feira de Patos. Também foi um grande fotógrafo, e mesmo sem ter sido alfabetizado, se tornou um editor de livros”, conta, acrescentando: “Foi absolutamente transformador habitar novamente essa história e documentar. Tem sido um processo profundo de honrar as minhas raízes. Nossas origens são cada vez mais importantes quando vamos amadurecendo. E essa história me define muito”.
Aos 38 anos, a atriz também exalta a força da mulher nordestina: “Eu sou o Nordeste. Você é o Nordeste passando pelo mundo: sou o Nordeste que morou em Nova York, que morou em São Paulo, que morou na América Latina… O Nordeste está em tudo o que eu faço, mesmo quando não falo. E quando revisito esse lugar de origem, em aprofundo nesse processo”.
Mayana aproveita para comentar a visibilidade imensa que a também paraibana Juliette Freire ganhou ao vencer o Big Brother Brasil 21, inclusive fazendo questão de combater a xenofobia e falando dos seus posicionamentos social, político. “É uma alegria ver uma conterrânea sendo amada, fazendo as pessoas refletirem sobre suas falas e modos de agirem. Juliette é necessária. Precisamos valorizar os representantes da nossa cultura. O Brasil é gigante e tão rico, tão plural. E é isso o que faz dele um país único’, afirma.
Contra o xenofobismo a respeito dos nordestinos que, nos últimos tempos entrou em pauta na mídia novamente após o reality, Mayana aposta no conhecimento e na cultura como forma de enfrentamento. “Arte é luta, arte é resistência, arte é educação. Acredito muito em educar quem não tem informação. Precisamos investir na educação. É isso que fará a diferença. Como artista, eu levo a minha terra para o palco, para a TV. E com muito orgulho de onde vim e de quem eu sou. E quando surge uma situação de preconceito, é preciso repreender sim. Não podemos nos calar. Para os preconceituosos, eu diria que nós estamos aqui e permaneceremos aqui. Mudem, evoluam, melhorem como seres humanos”.
Nasce uma cantora
A atriz participou recentemente da estreia do filme ‘O Silêncio da Chuva’, de Daniel Filho, do qual fazem parte também Lázaro Ramos e Claudia Abreu. O longa teve sua primeira exibição na Première Brasil do Festival do Rio, no último sábado. Além disso, ela vibra com investimento na carreira musical. E foi também o Sertão da Paraíba o local eleito para gravar os dois clipes que marcam essa nova fase. Em ‘Cordel da Mulher Paraibana‘ e ‘Enquanto a Chuva Não Vem‘, estão composições próprias de Mayana para dar a largada na sua trajetória agora também como cantora. “A música sempre esteve na minha vida. Eu sou musical. Sou movida à música. É mais um lugar que eu me expresso. Participei durante muito tempo de uma banda e, agora, eu estou trabalhando nesse novo momento. Ainda tem um caminho pela frente, mas é algo que estou me dedicando muito”, revela.
Inspirada por artistas como Chico César, Elba Ramalho, Céu, Mari Andrade e Hamilton de Holanda, entre outros, ela diz que faz parte do processo de ‘desabrochar’ como artista estar sempre criando algo novo. “A arte é o lugar que eu me expresso. É onde eu coloco meus sentimentos, minhas angústias, minhas dúvidas e minhas certezas. Estou vivendo uma fase gostosa, na qual eu estou aproveitando cada processo, cada momento. Eu amo o que eu faço e o trabalho me completa. Quero me dedicar à música. E também quero fazer mais personagens, mais filmes, novelas, séries… e ser feliz! “.
Autoconhecimento e espiritualidade
Mayana sempre buscou cuidar da saúde mental e reconhece o valor da espiritualidade em sua vida, ainda mais em tempos tão duros. “O budismo é um estudo da natureza da mente e como a gente experiencia a vida. Para mim, é um guia, um direcionamento interno, de onde tomar um refúgio, que é na clareza. E me ajuda muito a viver. Posso dizer que é uma das grandes transformações da minha vida. Encontrar a paz em algo que não muda. A gente, geralmente, encontra a paz em coisas transitórias, que vão passar. A paz mental a gente encontra dentro da gente. O budismo é a maneira de olhar para vida com muita verdade. E uma felicidade que coisas que passam não dão”, divide.
A atriz também revela que teve perdas dolorosas em decorrência da Covid-19. “Era uma pessoa muito importante para mim. E tenho pessoas próximas que perderam pais e mães. Acho que não tem uma pessoa que não tenha sido atravessada por uma perda nessa pandemia. Esse momento nos atentou para a urgência de viver a nossa essência e o que é essencial. Dizer ‘eu te amo’, de lutar pelo o que a gente quer na vida. Colocou a gente diante do nosso maior espelho. Limpar o que é excesso e deixar a essência. Teve um lado difícil demais. E teve o lado de recuperar o essencial, que foi a parte transformadora desse momento”.
Motivada pelo cenário, Mayana Neiva também realizou uma live recentemente em seu Instagram com a a médica Ana Claudia Quintana Arantes, autora dos livros ‘A morte é um dia que vale a pena viver‘ e ‘Histórias lindas de morrer‘, referência em cuidados paliativos e suporte ao luto. “Conheço a doutora Claudia há bastante tempo. Eu a observo de longe, mas foi bem especial a sensação de estar com ela na live. O fato de estarmos vivendo coletivamente a experiência da Covid, onde a morte é muito iminente para qualquer pessoa, traz esse assunto à tona. As pessoas não discutem muito sobre a morte e é um assunto que sempre me interessou. E pode acontecer com qualquer um de nós, então, é melhor estarmos preparados. Também acredito que falar, pensar nela, desperta um interesse pela própria vida e como queremos vivê-la. E isso é o mais importante para mim”.
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