Marieta Severo homenageada no Brazilian Film Festival, nos EUA: ‘O ser humano não vive sem a ficção’


Atualmente no ar em reprise de ‘Verdades Secretas’, e gravando a próxima novela das 21h da Globo, ‘Um Lugar ao Sol‘, de Lícia Manzo, a atriz foi a grande homenageada na 25ª Edição do Inffinito Brazilian Film Festival, realizado em Nova York, Miami e de forma virtual também, com uma mostra especial de seis filmes estrelados por ela. Foram exibidos ‘Vendo ou Alugo’ (2013), ‘Carlota Joaquina, Princesa do Brasil’ (1995), ‘A Dona da História’ (2004), ‘Cazuza, o Tempo não Para’ (2004), ‘Com Licença eu vou à Luta’ (1986) e, o mais recente, ‘Noites de Alface’ (2021)

Depois de vivenciar um drama familiar com o AVC sofrido pelo marido e diretor teatral, Aderbal Freire-Filho, e ainda ter contraído a Covid-19, no ano passado, chegando a ser internada por oito dias, Marieta Severo é mulher de garra, segue em frente e nos encanta com a sua arte. Com uma lindíssima carreira profissional, a atriz é a homenageada da 25ª Edição do Inffinito Brazilian Film Festival, o maior festival de cinema brasileiro realizado no exterior pela produtora Inffinito, das sócias Adriana Dutra, Cláudia Dutra e Viviane Spinelli. Marieta ganhou uma mostra especial com a exibição de seis filmes estrelados por ela: Vendo ou Alugo (2013), Carlota Joaquina, Princesa do Brasil (1995), A Dona da História (2004), Cazuza, o Tempo não Para (2004), Com Licença eu vou à Luta (1986) e Noites de Alface (2021).

Atualmente, Marieta grava a próxima novela das 21h, da Globo, ‘Um Lugar ao Sol’, de Lícia Manzo; pode ser vista na reprise de ‘Verdades Secretas’, na qual interpreta Fanny, a dona de agência de modelos que controla um book rosa para programas sexuais de suas modelos; e, no cinema, está em ‘Noites de Alface’, direção de Zeca Ferreira. Realizado de forma híbrida, com uma programação presencial em Nova York e Miami, e através de www.inff.online – primeira plataforma internacional de streaming dedicada exclusivamente ao audiovisual brasileiro, o festival contou com uma live no Instagram oficial da Inffinito, na qual Marieta Severo conversou com Adriana Dutra sobre a cultura no Brasil, sua vida, carreira e trajetória no cinema brasileiro. E, aqui, pinçamos alguns trechos desse encontro virtual Rio-Miami, que nos proporcionou um verdadeiro mergulho no universo da atriz:

CINEMA BRASILEIRO COMO CHANCELA 

“Sempre fui apaixonada pelo cinema brasileiro. Minhas filhas quando eram adolescentes sempre brincavam comigo: ‘mãe, esse filme é legal?’ A outra falava: ‘é ótimo. É filme brasileiro’. Me lembro quando eu tinha uns 15 ou 16 anos, estudava no Instituto de Educação para ser professora, e adorava assistir muita chanchada. Era fã da atriz Zezé Macedo (1916-1999). Anos depois, na década de 60, experimentei a sensação impactante ao assistir ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’, de Glauber Rocha. (1939-1981). Quando o filme acabou, as luzes do cinema foram acesas, as pessoas foram embora, eu não conseguia me mexer na cadeira. Aquele filme me impactou de tal forma pela maneira que se podia mostrar a realidade do Brasil com aquele delírio fantástico de imagens e atuação dos atores, que, a partir dali, eu fiquei impregnada de cinema brasileiro”.

Foto: Divulgação/TV Globo

COMO NASCE UMA ATRIZ

“Fui acompanhar minha amiga, Olga, que tinha sido chamada para um teste para o filme ‘Society em Baby Doll”. O diretor era o Luiz Carlos Maciel (1938-2017) e com atores do naipe de Nathalia Timberg, Yoná Magalhães (1935-2015), Italo Rossi, André Villon (1914-1985), Sérgio Brito (1923-2011). Uma galera maravilhosa em uma comédia de costumes muito bonitinha. E o Maciel me olhou e perguntou se eu não queria fazer o teste, mas eu disse que só estava ali para acompanhar a Olga. Resumo da história: eu ganhei um papel, Olga ficou com outro. Mas, ela optou depois por seguir a carreira de psicanalista. Eu comecei nessa sorte incrível e fui seguindo”.

No mesmo ano, 1965, Marieta tinha um papel na peça ‘As Feiticeiras de Salém’, de Arthur Miller (1915-2005), com direção de João Bethencourt (1924-2006) e a protagonista, Eva Wilma (1933-2021), a indicou para um papel na novela O Sheik de Agadir, de Glória Magadan, (1920-2001), na recém-inaugurada TV Globo.

Marieta em ‘O Sheik de Agadir’ (Foto: Divulgação)

MARCO DA RETOMADA DO CINEMA BRASILEIRO NOS ANOS 90

Lançado em 1995, ‘Carlota Joaquina, Princesa do Brazil’ marca a retomada do cinema nacional, que estava estagnado desde a extinção da Embrafilme e de outros órgãos do setor cultural pelo governo Collor em 1990. O longa-metragem produzido pela diretora Carla Camurati com baixo orçamento alcançou rapidamente a marca de um milhão de espectadores nas salas de exibição. O filme trata com bom humor um momento histórico importante do Brasil-Colônia com Marco Nanini, no papel de Dom João VI, e Marieta, como Carlota Joaquina.

“Tenho um carinho muito especial pela Carlota, não só pelo meu personagem, mas pelo espaço, do significado que o filme passou a ter. Sempre que se referem à retomada do cinema brasileiro, “Carlota Joaquina” é exemplo e eu tenho muito orgulho disso”.

DINÂMICA DE ATUAÇÃO

“O teatro tem algo absolutamente precioso e que está sendo incorporada à televisão e também ao cinema. Trata-se do tempo de preparação. No teatro você ensaia dois, três meses, então mergulha naquele trabalho, amadurecendo, deixando envolver por completo você. Tanto que hoje em dia existe uma preparação maior para televisão e o mesmo para o cinema. O teatro sempre me proporcionou isso. Por outro lado, a televisão também propicia algo impressionante: a intimidade com a câmera muito grande que eu sei que eu tenho. Eu já não preciso pensar nela. É como se estivesse dentro de mim”.

Marieta Severo e Andréa Beltrão à frente do Teatro Poeira, em Botafogo (Foto: Divulgação)

A PAIXÃO PELAS VILÃS

“Eu fiquei 14 anos fazendo aquela santa da ‘Nenê’, de ‘A Grande Família’, que tinha amor por todo mundo, mas é muito bom interpretar as vilãs, deixar escapar esse lado mais maldito que os seres humanos possuem. Mas, comigo não tem essa história de sair do palco do teatro, do set de filmagem ou da gravação de TV levando a personagem pra casa de jeito nenhum! Eu não acredito muito nessa incorporação, de ficar tomada pela personagem. Acabou a cena de maior vilania ou do maior sofrimento, sigo minha vida. Eu estou no set, ali é sagrado, estou cutucando tudo que eu posso dentro de mim. Posso estar sofrendo, mas estou vivendo a personagem. Mas, imagina a agonia de chegar em casa há tantos anos, ter que cuidar de três filhas, e ficar nessa paranóia”.

Marieta Severo na pele da vilã Sophia de ‘O outro lado do paraíso’ (Foto: Divulgação/TV Globo)

A EXPERTISE DE ANOS DE ESTUDO

Em 1986, a atriz viveu Eunice no filme ‘Com licença eu vou à luta’, dirigido por Lui Farias, baseado no livro da jornalista Eliane Maciel. Em Nilópolis, Eliane (Fernanda Torres), uma jovem de 15 anos que é filha de um casal de classe média baixa, se apaixona por Otávio (Carlos Augusto Strazzer), um desquitado com 33 anos. Ao saberem do namoro Eunice (Marieta Severo) e Mílton (Reginaldo Farias), os pais de Eliane, a proíbem de ver Otávio. Porém Eliane continua o namoro e fica grávida e o caso vai parar na Justiça.

“Nós começamos a filmar pelo final, cuja cena seria em um tribunal. É aí que a preparação tem que entrar de uma maneira muito consistente. Eu sou muito estudiosa, muito Caxias, gosto dos meus caderninhos. Você tem que ter um estudo preliminar muito grande para saber exatamente em que ponto e temperatura que a personagem está naquela cena. Um longa pode ser rodado fora de uma ordem linear. E depende dessa preparação para você ter realmente segurança”.

O HUMOR NO BACKSTAGE

“Quando José Wilker (1944-2014) e eu estávamos no set de ‘O Homem da Capa Preta’ (1986), direção de Sérgio Rezende, nós filmávamos de madrugada em Duque de Caxias. Eu saía do teatro meia-noite e íamos de Kombi até a Baixada Fluminense. E, de manhã, eu corria para a televisão. Em uma das cenas de ‘O homem da Capa Preta’ (Marieta interpretava a mulher de Tenório Cavalcante, vivido pelo Wilker), eu estava deitada, concentrada e o Wilker na pele de Tenório tinha que entrar no local e falar algo comigo. E o Sérgio Rezende, aquela benção de criatura maravilhosa, falou: ‘Ação! Ação, Marieta!’. Eu tinha era apagado, dormido de verdade! Acordei e foi uma gargalhada no set! Estava exausta”.

Marieta em ‘O Homem da Capa Preta’

UM DOS PAPEIS MAIS DIFÍCEIS

No filme, ‘Cazuza – O Tempo não Para’, com direção de Sandra Werneck e Walter Carvalho, e sobre a trajetória de Cazuza (1958-1990), a atriz interpretou Lucinha Araújo, mãe de Cazuza.

“Foi o filme mais difícil e com a personagem mais difícil que eu interpretei. Conheço a Lucinha, tenho a maior admiração por ela. É uma guerreira, uma mulher de qualidades excepcionais. E retratar em um filme o sofrimento da perda de um filho, que é o maior que um ser humano pode sentir, mexeu muito, muito mesmo comigo”.

Marieta Severo como Lucinha Araujo e Daniel de Oliveira, no papel de Cazuza

O FILME MAIS RECENTE

Marieta é a estrela do filme ‘Noites de Alface’, ao lado de Everaldo Pontes, trama baseada no livro homônimo de Vanessa Bárbara, contando a história de Ada (Marieta) e Otto (Everaldo), que vivem em uma pacata vila e se veem diante de um mistério: o sumiço repentino do carteiro Aidan (Pedro Monteiro). Enquanto devora livros de suspense, Otto vasculha suas lembranças para tentar encontrar alguma pista e espia pela janela a rotina dos vizinhos.

“Tem direção do Zeca Ferreira, que é sobrinho do Chico (Buarque) e meu também, claro. Ele me mandou o roteiro e fiquei apaixonada por aquela história. Eu não me guio por ‘ah, eu quero fazer essa personagem’, topei de cara fazer filme e começamos a trabalhar e foi uma época de filmagem maravilhosa, porque foi na Ilha de Paquetá, onde passei parte da minha infância. É um filme que toca em uma questão tão importante em um momento como agora: a necessidade da ficção na vida humana. O ser humano não vive sem a ficção, não adianta. Desde o homem da caverna, que desenhava nas pedras, já era uma maneira de ele escrever uma história”.

Marieta é Ada em ‘Noites de Alface’

DESMONTE DO SETOR CULTURAL

“É inacreditável. Não esperava ver dois desmontes. Uma ditadura e outra ameaça na mesma vida. Acho que é um pouco demais. A gente está vivendo um momento crítico, dificílimo do cinema brasileiro. É cruel, desumano, ignorante, porque é o nosso cinema que nos leva para o mundo. Eu fico pensando: ‘por que tantos amam os Estados Unidos? A cultura americana? O cinema americano mostrou ao mundo o modo de viver, de pensar e de estar. Aqui tentam nos impedir de mostrar nossas riquezas culturais, de ideias e de pensamentos. É desastroso, antiquado e de um conservadorismo doente”.

MENSAGEM DE ESPERANÇA

“Não desanimem, porque a força da nossa criatividade, a força da realidade do nosso país, da nossa diversidade, de tudo que temos para mostrar está aí. E a gente vai conseguir mostrar sem ter nenhuma imposição de ninguém, nem de nada e nem de nenhum órgão. Não adianta! A gente renasce. E com mais força e querendo falar mais e mais alto. Nós tivemos conquistas enormes esses anos todos e elas são nossas. As conquistas todas de costumes, de posicionamentos, de consciência democrática e social. As pessoas estão passando por milhares de dificuldades de sobrevivência, mas tudo isso vai passar, porque somos mais fortes do que tudo isso. A gente renasce sempre”.