Marieta Severo estreia filme: “Ele exalta a necessidade da ficção na vida em um Brasil que vem asfixiando a cultura”


A atriz, que também vai estar na TV na próxima novela das 21h, estrela “Noites de Alface” ao lado de Everaldo Pontes, fala do momento para o cinema nacional, dos personagens que amadurecem com ela e do poder da arte em mostrar afeto em um momento sem contato físico: “O abraço traz o contato, o calor, a emoção e o cinema faz isso. Inclusive salvou a gente nestes tempos de pandemia, de não contato físico. Tivemos muito contatos calorosos através da imagem. Temos na arte esse peito que aquece, esta coisa que te toca. Podemos ser tocados de outras maneiras”

*Por Brunna Condini

De cabelos brancos e com a mesma disposição sempre para divulgar os seus trabalhos, Marieta Severo conversou sobre o longa ‘Noites de Alface’, que chega aos cinemas dia 24. Ela é a estrela do filme ao lado de Everaldo Pontes, trama baseada no livro homônimo de Vanessa Bárbara, e que foi rodado em Paquetá, no Rio de Janeiro, contando a história de Ada (Marieta) e Otto (Everaldo), que vivem em uma pacata vila e se veem diante de um mistério: o sumiço repentino do carteiro Aidan (Pedro Monteiro). Enquanto devora livros de suspense, Otto vasculha suas lembranças para tentar encontrar alguma pista e espia pela janela a rotina dos vizinhos.

Marieta Severo e Everaldo Pontes em 'Noites de Alface' que estreia em 24 de junho (Divulgação)

Marieta Severo e Everaldo Pontes em ‘Noites de Alface’ que estreia em 24 de junho (Divulgação)

A atriz exalta a delicadeza da narrativa escolhida pelo diretor Zeca Ferreira e o poder da ficção para a existência humana. “Revi o filme ontem e estou em estado de encantamento. Tem essa poesia e essa necessidade da ficção na vida das pessoas. Os seres não aguentam, sucumbem sem a ficção, é vital. A Ada faz esse elo no filme. É luz. Cada vez que ela aparece tem luz, ela traz cor. A personagem faz essa ponte com o mundo para o Oto. O enigma todo do filme vai sendo construído de uma forma lírica, bonita. A imagem tem esse poder de inserir o espectador dentro disso”, diz Marieta.

"Neste momento, esse filme que coloca a necessidade da ficção na vida das pessoas, entra em um terreno de Brasil absolutamente avesso e contrário, onde todos os valores são de asfixiar a imaginação, a cultura" (Divulgação)

“O filme enfatiza a necessidade da ficção na vida das pessoas e entra em um terreno de Brasil absolutamente avesso e contrário, onde todos os valores são de asfixiar a imaginação, a cultura” (Divulgação)

Sobre a produção, filmada em 2018, em outro momento do país, a atriz pontua: “É engraçado como a vida é. Esse filme é suave, delicado. Aparentemente não acontece nada nas vidas desses personagens. Mas, ao mesmo tempo, na medida que você entra na ficção deles, tem uma riqueza de acontecimentos. É isso que a imaginação faz pelo ser humano. E, neste momento, o filme, que coloca a necessidade da ficção na vida das pessoas, Entra como uma pequena chama de luz neste momento de tanta escuridão, de tanta asfixia. Acho que pode ser um respiro bonito no meio disso tudo”.

Marieta também comenta o fato de ser uma personagem em território diferente das que já fez: “Ela traz essa questão de cuidar, de olhar para o outro com facilidade. Faz as coisas sem peso. Mas a questão da necessidade na vida das pessoas, me levou para o filme. O ser humano não sobrevive sem arte e cultura”. Como é estrear um filme nestes tempos sem verbas e apoio público? “Dá uma sensação de vitória. Mas também dá uma apreensão, porque você quer a plateia, essa comunhão das pessoas. É para ser assim e, neste momento, é difícil. Mas, as histórias seguem acontecendo, independente da nossa realidade. Vamos chamar os vacinados para assistir no cinema”.

A atriz também está na próxima novela das 21h, ‘Um Lugar ao Sol‘, de Lícia Manzo, como Noca, em um núcleo que aborda temas relacionados à terceira idade. “Estou no cinema e na TV no momento, fazendo personagens da minha idade, mas bem diferentes. A Noca, da próxima novela, é ativa e toma as rédeas da vida na mão, mas vive só. Ela é mais atuante fora do âmbito doméstico. Já a Ada, vive mais em função da vida doméstica, mas está em paz em uma vida de pequenos acontecimentos”, define.

"Estou no cinema e na TV no momento, fazendo personagens da minha idade, mas bem diferentes" (Reprodução)

“Estou no cinema e na TV no momento, fazendo personagens da minha idade, mas bem diferentes” (Reprodução)

Em um momento sem abraços, qual é a sensação de estar em um filme que fala tanto de afeto? “O abraço traz o contato, o calor, a emoção e o cinema faz isso. Inclusive salvou a gente nestes tempos de pandemia, de não contato físico. Tivemos muito contatos calorosos através da imagem. Temos na arte esse peito que aquece, esta coisa que te toca. Podemos ser tocados de outras maneiras”, analisa. “Filmamos há dois anos, mas a ficção tem essa capacidade de se antecipar, lê o que talvez não esteja acontecendo, ainda venha. Então é interessante esse filme que fala da perda, da necessidade da ficção na vida, ter sido feito antes da pandemia, e deste temor político que estamos vivendo agora. A arte tem essa capacidade”.

No filme, o personagem observa a vida alheia, e você, tem esse hábito? “Quando eu era pequena, tinha uma fantasia que queria ser uma mosca para entrar na vida dos outros. Ficava olhando a vida dos vizinhos, eram uma família grande e observava eles juntos. Claro que não fico olhando aqui meus vizinhos pela janela (risos), mas a necessidade de observação é nossa, humana. Às vezes, minhas filhas dizem: ‘Mãe, estão vendo que você está olhando’. Mas é mais forte que eu. Vivemos de observar, captar, sentir, conhecer o ser humano. Dos subtextos, isso é material de trabalho. Temos que ser uma mosquinha mesmo, querendo entrar na casa dos outros”. E completa: “Adoro observar. Faço isso muito com repórter em televisão. Sou viciada em notícias. Sei quando engasga, o tom, agora também tem os fundos das casas das pessoas, fico fazendo essas leituras o tempo todo”.