* Por Carlos Lima Costa
Sempre lembrada por sua irreverência no humorístico Zorra Total e no programa Amor & Sexo, Mariana Santos retornou à TV. Na comédia romântica Cara e Coragem, ela surge como Rebeca, “uma personagem muito rica, que passeia pelo humor e pelo drama”, como ela mesma diz. Após depressão pós-parto, ela não aguentou ser mãe e em meio a isso, se apaixonou por Danilo (Ricardo Pereira), melhor amigo do marido, Moa (Marcelo Serrado) e foi embora, retornando sete anos depois querendo a guarda do filho. Na vida real, Mariana não tem filho e pontua que nenhuma mulher deve ser mãe por imposição de uma sociedade conservadora em pleno 2022.
“Sempre fui muito contra tudo isso. Nunca me deixei levar por nenhum tipo de pressão em relação a mim, à estética, nem por papéis que a mulher deve, entre aspas, cumprir. A gente escuta muito: ‘Quando é que você vai ter filho?’ É como se fossemos estranhas por optar em não ser mãe, como se a gente fosse menor por isso”, desabafa.
Pedagoga, Mariana, que custeou seus cursos de teatro, trabalhando como professora, explica que ela é, inclusive, uma pessoa muito maternal com a família, os pais, as irmãs, em suas relações. “Mas como mulher, nunca me coloquei essa pressão de ter filhos. Desde muito nova, sempre trabalhei para poder fazer o meu teatro, pagar as minhas contas, ajudar em casa e nunca coloquei filho como prioridade, sempre fui deixando para depois. Tanto que eu fui casar muito mais tarde (em 2016, com o produtor teatral Rodrigo Velloni). A vida foi colocando outros caminhos e tudo bem também. Na verdade, nunca tentei engravidar, o relógio biológico nunca chamou. Talvez ainda chame e eu não possa mais gerar, mas aí posso pensar em uma adoção”, enfatiza e conta mais detalhes da personagem que está interpretando em sua terceira novela.
“Rebeca retorna certa de que pode ser mãe, que está recuperada, como se nada tivesse acontecido. Vai ter muita mágoa e tristeza na relação dela com o ex, que se transforma em raiva em certos momentos na luta por essa guarda. Ela vai fazer tudo errado, vai meter os pés pelas mãos. Para alguns assuntos ela é muito superficial e em outros é muito profunda, então, fica nesse vai e vem de sentimentos, indo de uma grande coerência em certas ações para a incoerência em outras”, reflete.
Para Mariana, sempre existem pontos em comum com qualquer personagem. “É porque a gente erra e acerta, amadurece mais para algumas questões e não amadurece para outras. Todos temos essa busca por ser uma pessoa melhor. A busca da Rebeca é entender quem ela é, quais são seus sentimentos reais, essa maternidade que ela quer construir verdadeiramente. Mas ela não tem material dentro dela para entender o que é a guarda de um filho, criar um filho. Eu não sou mãe. Mas muitas vão se identificar”, acrescenta.
Algo em comum com a trama é que Mariana vivenciou a separação dos pais. Mas deixa claro que esse passado não influenciou na decisão de nunca ter pensado em engravidar. Em casos como o de Rebeca, ela aponta que independentemente das rusgas, os casais separados devem focar na felicidade do filho. “Tem muitos casos de pais que se separam e a criança sofre, porque fica uma briga ali pela guarda ou pelas mágoas que ficam da relação. Quer dizer, acabam punindo o próprio filho. Se a criança tem idade para entender que as coisas não vão bem, tudo bem, pode se falar: ‘Não estou bem, separei do seu pai, mas o amor aqui é o mesmo, a gente te ama’. Mas é muito difícil pra criança. Eu nunca vi uma briga dos meus pais, por exemplo. Hoje em dia eles são muito amigos, mas lembro que tinha problemas de pensão. Criança percebe a mãe ou o pai triste, sente tudo e absorve, é uma esponja. Certamente cria um vazio, pequenas lacunas a serem preenchidas ao longo do tempo. Uma terapia pode ajudar. Eu tinha sete anos e a separação foi muito educada ao modo como o meu pai contou. Me levou para tomar um sorvete, fez até uma metáfora da florzinha que murcha. Mas a atmosfera e a dinâmica da casa mudam quando o pai vai embora. A separação me marcou, lembro dele saindo, minha mãe colocando as coisas dele em uma sacola de compras”, enfatiza.
Resgatando memórias, ela até escreveu uma peça, Só de Amor, monólogo com o qual estreou como autora, em 2019. “Ela traz todas as questões que ficam na infância. Muitos problemas da vida adulta começam, na infância. Às vezes, a gente nem percebe, mas carregamos traumas, vazios, inseguranças. Meus pais foram muito amorosos, mas são questões que marcam, memórias que você não esquece”, explica ela, que desde cedo desejava ser atriz.
Para realizar o sonho, buscou a pedagogia pela necessidade de ganhar dinheiro. “Eu tive vários outros trabalhos. Fui garçonete, recepcionista de festas de 15 anos, bodas de casamento, fiz animação de festa infantil. O caminho foi natural. Lembro que pequenininha, eu brincava de teatro sozinha e de dar aula. Foi muita vocação mesmo. Fui fazer magistério para ter um emprego de meio período. Comecei como auxiliar de professora, aí depois ganhei turma, trabalhava o dia inteiro, para poder pagar meus cursos de teatro, ajudar a minha mãe. Sempre precisei trabalhar desde novinha, porque não vim de família rica. Nada foi fácil”, lembra.
A televisão surgiu na sua vida naturalmente, quando ela já estava com quase 30 anos e o humor sempre foi muito natural. “Sempre gostei de escutar as pessoas rindo do que eu estava falando. Na sala de aula achavam o meu jeito de falar engraçado e tudo começou na escola. Tinha uma professora muito legal, a tia Sonia, que dava aula de teatro e aí depois segui com ela na companhia de teatro e não parei mais”, recorda Mariana, que antes de Cara e Coragem, brilhou nas novelas Pega Pega e Malhação – Toda Forma de Amor.
Mas a irreverência que o público se acostumou a ver em cena não é uma reprodução de como conduz a vida pessoal. “Sou muito reservada, introspectiva. Gosto de ficar sozinha, poucos amigos, saio pouco. Mas quando estou ali trabalhando é como se viesse aquela pessoa divertida, aí vem realmente essa irreverência que é natural, essa pessoa mesmo que eu não entendo. Seria um alter ego? Não sei. Nós somos várias versões de nós mesmos. A versão Mariana que aparece quando estou num palco de teatro ou quando estou num lugar que me proporciona me sentir a vontade, como eu me sentia no Amor & Sexo, é essa pessoa”, frisa.
E quem a vê nesses trabalhos não imagina a turbulência emocional que ela já vivenciou. “No teatro, tenho ansiedade positiva, que é o frio na barriga, o nervoso antes de entrar em cena. Mas já tive crises de pânico e de ansiedade que impossibilitam de fazer certas coisas. Tratei na terapia. É importante falar sobre isso para as pessoas entenderem que é normal. Diversos gatilhos provocavam isso. Lugares com muita gente ou fechados, dentro de um carro em um viaduto que você não vê o fim, túnel me dá muito gatilho. Passei muito tempo sem gostar de elevador, ficava nervosa sozinha lá dentro. Tive uma fase bem ruim. Morava no terceiro andar e fiquei anos subindo de escada. Eu ia trabalhando isso na terapia, porque eu ficava com medo de sair de casa. Isso ia me restringindo a vida. Mas inerte eu nunca pude ficar porque precisava trabalhar. O teatro me salvou, porque me dava prazer ficar no palco. Para isso, precisava pegar metrô ou ônibus lotado. Tinha altas crises de ansiedade, mas ia, o teatro me motivava a sair de casa”, recorda.
Esse tipo de vivência não faz parte totalmente do passado. “Você vai amadurecendo e aprende a administrar, mas ainda tenho uns gatilhos de vez em quando. Avião, por exemplo. Eu moro em São Paulo, trabalho no Rio. Também viajo com espetáculos, então, tenho que entrar em avião toda hora. Quanto mais vai fazendo aquilo, mas vai acostumando com aquela sensação. É a tal da terapia comportamental. Você precisa viver, então, não pode se deixar dominar pelo medo ou pela ansiedade”, ressalta. E cai na gargalhada ao lembrar da inúmeras situações vividas nas aeronaves.
“Eu pedia para segurar a mão das pessoas na hora de decolar e aterrissar. Até que uma vez um cara me deu uma mão tão meia boca, tão mole que eu falei: ‘Não preciso disso não, vou desapegar dessas pessoas, de alguns artifícios’. Agradeço a esse cara que me deu essa mão frouxa”, diverte-se. E acrescenta fazendo uma comparação: “É engraçado! No meu trabalho, eu me exponho tanto, fico sozinha no palco e não tenho medo, me sinto a vontade. Coisa doida é a nossa cabeça”, analisa.
Aos que passam pelo mesmo problema, ela aconselha: “Conversem, falem sobre isso, não achem que é um tabu, nem que você está sozinho. Muita gente tem vergonha de falar que está ansioso, que está com medo de algo. É difícil, porque o pânico é um medo irreal. Quem já teve, já passou por altos episódios de crise de ansiedade, fortíssima, entende. Então, quando você fala sobre isso, você se trata, se liberta e ajuda, aproxima outras pessoas que também sentem, se identificam com isso e podem conversar mais abertamente sobre isso, você desmistifica, porque a saúde mental ainda é muito tabu”, lembra Mariana, que vai completar 46 anos, em agosto.
“Como passa rápido a vida! Temos que aproveitar cada momento. Não parei para pensar na passagem do tempo, na proximidade dos 50 anos. Eu estou só vivendo, meus pais estão vivos, a gente começa a inverter as preocupações, vai entendendo a finitude das coisas, quais são os momentos de paz que você tem que ter na vida e vai acalmando o coração. Nunca tive ansiedade com o tempo. Olha que loucura. Converso muito com a minha terapeuta sobre isso. Nunca tive essa pressa para fazer nada, sempre respeitei os meus momentos de ócio e todo mundo vai envelhecer se tiver sorte e manter a saúde. Meu pai é cardíaco, então, fico preocupada, faço exercício físico, me cuido, mas não sou paranoica com nada. Quero é ter saúde para trabalhar até velhinha”, observa.
E fala sobre sua visão na questão estética. “Mulher é muito criticada, parece que não pode envelhecer. Esse etarismo é um absurdo. Toda carga é para a mulher. O cara está com a barriguinha de chope está feliz, a mulher não pode nada. Tomara que isso mude. Acho que muitas mulheres estão quebrando esses padrões chatíssimos de ter que estar com tudo em cima. A gente tem que saber envelhecer. Quer fazer um botox, um ultrasom pulsante no rosto para melhorar a qualidade da pele, tudo bem. Agora, ser paranoica é diferente. Mudar teu formato de rosto para agradar um padrão que agora é um padrão de filtro, não dá. As escolhas são individuais, mas a chave de tudo é o equilíbrio”, ensina ela, que amorosamente vive em harmonia total desde o final de 2014, quando começou a namorar Rodrigo Velloni, a quem conheceu em 2012, quando foi dirigida por Jô Soares, na peça Atreva-se, produzida por Rodrigo. “Ele é maravilhoso, muito companheiro, o amor da minha vida”, diz.
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