Mariana Nunes: “É equivocado achar que a posição pública de um artista é ‘apolítica’. É burro”


Enquanto grava a novela ‘Quanto mais vida melhor’, a atriz mostra sua versatilidade nos filmes ‘Doutor Gama’ e ‘A morte habita a noite’, que estão na Première Brasil do Festival do Rio. Nesta entrevista, Mariana fala sobre carreira, a importância da representatividade, revela que está amando e tem uma namorada, e lamenta a neutralidade de alguns artistas diante do cenário do país: “Olha, consigo respeitar aqueles que usam suas redes sociais como extensão do seu trabalho, e não como um lugar de opinião política, apesar de não concordar. Acho que existem diferentes formas de gerenciar sua carreira e de enxergá-la. Ou ainda, se enxergar como artista. Lamento muito os artistas que não se enxergam como agentes transformadores, porque é uma bela perda da oportunidade de se tornar útil para a sociedade, para o seu país. Lamento muito e fico com um pouco de ‘vergonha alheia’. Acho que quem cala consente, mas tento respeitar. Cada um faz da sua rede social a sua ‘casa’, e nela, na sua casa, você age como quer. Mas é uma pena porque isso acaba sendo uma espécie de egoísmo, limitação”

Mariana Nunes: "É equivocado achar que a posição pública de um artista é ‘apolítica’. É burro”

*Por Brunna Condini

Visceral, na vida e na arte, Mariana Nunes não foge de perguntas em uma entrevista. Pelo contrário. E suas respostas se iluminam quando fala de algo em que acredita, como o filme ‘Doutor Gama‘, que acaba de estrear em circuito nacional. No longa, ela vive Claudina Fortunata Sampaio e vibra com a representatividade da personagem. “É a primeira vez que, em uma obra de época, interpreto uma personagem não escravizada. Claudina viveu antes de 1888, já nasceu livre, se casa com Luiz Gama, um dos maiores líderes abolicionistas do Brasil, e com ele tem um filho, Benedito. Gama frequentou o curso de Direito do Largo do São Francisco como ouvinte, pois era negro e não poderia estudar como aluno. Usando seus conhecimentos como advogado, conseguiu libertar mais de 500 pessoas escravizadas antes mesmo da abolição ser oficializada”, destaca a atriz.

“Viver Claudina me causa uma alegria enorme. Não porque tenha algum problema em interpretar personagens escravizados. A questão aí, é que infelizmente os roteiros são muito limitados e acabam ‘apagando’ toda a subjetividade de personagens negros, estereotipados e escravizados”.

Mariana Nunes como Claudina Fortunata Sampaio em 'Doutor Gama', de Jeferson De, que já está em cartaz (Divulgação)

Mariana Nunes como Claudina Fortunata Sampaio em ‘Doutor Gama’, de Jeferson De, que já está em cartaz (Divulgação)

Com 26 anos de carreira, a atriz ainda aguarda para este ano a estreia de outros dois longas-metragens dos quais participou – ‘Um dia qualquer’, dirigido por Pedro Von Kruger, e ‘Pureza’, de Renato Barbieri e ‘A Morte Habita a Noite’, de Eduardo Morotó. “Na carreira de uma atriz, vivemos épocas. Têm períodos que filmamos muito e, em seguida, aguardamos os lançamentos. Agora estou vivendo a época de lançamentos. Mesmo com a toda a dificuldade, eu fico muito feliz de saber que as produções audiovisuais estão sendo retomadas. O que mais me tranquiliza é que por mais complicada que esteja a situação, não vamos parar de fazer de produzir. O cinema resiste”.
Mariana está com tudo e está prosa. Além da vida profissional produtiva e em ascensão, ela revela que o coração também vai muito bem, obrigada: “Estou namorado, mas minha namorada não curte muita exposição, é mais discreta, não gosta que eu fale da nossa relação e eu respeito”. Ela aproveita para defender a liberdade de amar: “Acho que o amor é algo que não se explica, se sente. E talvez uma das maiores conquistas seja respeitar o próprio sentimento e se sentir à vontade para vivê-lo. Sempre me senti à vontade com as minhas relações, meus sentimentos, em amar que eu quisesse amar. Acho que não é nem querer, né? É quem te pega o coração. E está tudo certo, acho que o problema está na cabeça dos outros”.
“Estou namorado, mas minha namorada não curte muita exposição, é mais discreta, não gosta que eu fale da nossa relação e eu respeito” (Foto: Fernanda Candido)

“Estou namorado, mas minha namorada não curte muita exposição, é mais discreta, não gosta que eu fale da nossa relação e eu respeito” (Foto: Fernanda Candido)

Novela

A atriz também se prepara para voltar à TV. No elenco de ‘Quanto mais vida, melhor’, a próxima novela das 19h da TV Globo, prevista para estrear em novembro, ela estará na pele da cardiologista Joana, uma mulher independente e braço direito do vaidoso Guilherme (Mateus Solano), dono da Clínica Monteiro Bragança, por quem ela sente uma paixão platônica. Ela viverá seu primeiro papel de destaque em uma novela. “Nunca tinha tido uma vivência tão intensa fazendo novela, então está sendo um pouco frustrante já entregar a novela já toda pronta, porque não vou ter o ‘prazerzinho’ de fazer enquanto ela está no ar, e acompanhar em tempo real a reação do público”, observa.

“Queria muito viver essa experiência para ter a chance de mudar rumos, intenções e tonalidades da minha personagem. Mas tudo bem, ainda assim está sendo muito maravilhosa a experiência. Gravar tem sido uma vida de protocolos. Temos que fazer regularmente o teste da Covid, graças a Deus não tive. Estou bem, mas tenho que ficar muito atenta a qualquer sinal de resfriado, avisar à produção, o esquema acaba sendo modificado a partir de qualquer suspeita. Além estar de máscara o tempo todo e os profissionais também. É um problema pra maquiagem, por exemplo. Na verdade, tudo tem que se adaptar. Acaba exigindo um tempinho a mais antes do ‘ação’ para dar os retoques finais. Mas acho que temos nos saído bem”.

“Nunca tinha tido uma vivência tão intensa fazendo novela, então está sendo um pouco frustrante já entregar a novela já toda pronta, porque não vou ter o 'prazerzinho' de fazer enquanto ela está no ar" (Foto: Fernanda Candido)

“Nunca tinha tido uma vivência tão intensa fazendo novela, então está sendo um pouco frustrante já entregar a novela já toda pronta, porque não vou ter o ‘prazerzinho’ de fazer enquanto ela está no ar” (Foto: Fernanda Candido)

“Nosso país tem uma memória curta, burra e racista”

Ainda sobre o celebrado ‘Doutor Gama‘, de Jeferson De, a atriz analisa o porquê da história do importante abolicionista só ter tido ênfase agora. “Acho que não contaram a história do Luiz Gama antes, porque o nosso país tem uma memória curta, burra e racista. E o racismo é uma estrutura que tem uma auto manutenção muito sofisticada. Para o racismo é importante que essa estrutura se mantenha. Então, revelar uma história fantástica como a dele, é um ponto contra o racismo: mostrar que desde sempre existiram pessoas negras que se manifestaram e que atuaram na luta abolicionista. E também podem não ter contado a história dele antes, porque as pessoas não querem que o mundo mude. Quem está no poder não quer. Contar a história do Luiz Gama é contar que o mundo está mudando, antes mesmo da gente perceber ou ter conhecimento”.

"Acho que não contaram a história do Luiz Gama antes, porque o nosso país tem uma memória curta, burra e racista. E o racismo é uma estrutura que tem uma auto manutenção muito sofisticada" (Reprodução Instagram)

“Acho que não contaram a história do Luiz Gama antes, porque o nosso país tem uma memória curta, burra e racista. E o racismo é uma estrutura que tem uma auto manutenção muito sofisticada” (Reprodução Instagram)

E acrescenta: “Neste filme estamos mostrando subjetividades diferentes, que não estamos acostumados a ver. Conseguimos contar a história de um homem que mesmo sendo livre, foi vendido como escravo, conseguiu se libertar, formar-se como advogado e libertar outras 500 pessoas. Acho fundamental que essa parte da nossa memória esteja sempre viva. A Claudina, por exemplo, é uma mulher intelectualizada, então é uma grande alegria fazê-la porque me possibilita trabalhar em outros imaginários. Ou seja, não é porque você interpreta uma mulher preta, que você vai ser igual a todas as outras mulheres negras, de época, porque se hoje somos diversas, porque não teríamos sido no passado? Sempre fomos, mesmo a grande maioria que enfrentava a mesma condição, a realidade da escravidão. Até porque nem todos lidavam com isso da mesma forma, se fosse assim, a escravidão não teria acabado e não teríamos tido tantas batalhas abolicionistas, tantos avanços, que apesar de lentos e de não terem trazido a transformação radical da qual necessitamos, foram e são fundamentais para toda conquista que o povo negro já teve até hoje”.

“É equivocado achar que sua posição pública é ‘apolítica’. É burro”

Aos 40 anos, a brasiliense tem estado cada vez mais ligada na comunicação com o público nas redes sociais. E comenta sobre o fato de alguns artistas estarem cobrando abertamente outros, para que usem a visibilidade que conquistaram para chamar à atenção para temas relevantes. “Olha, consigo respeitar artistas que usam suas redes sociais como extensão do seu trabalho, e não como um lugar de opinião política, apesar de não concordar. Acho que existem diferentes formas de gerenciar sua carreira e de enxergá-la. Ou ainda, se enxergar como artista”, observa. “Lamento muito os artistas que não se enxergam como agentes transformadores, porque é uma bela perda da oportunidade de se tornar útil para a sociedade, para o seu país. Lamento muito e fico com um pouco de ‘vergonha alheia’. Acho que quem cala consente, mas tento respeitar. Cada um faz da sua rede social a sua ‘casa’, e nela, na sua casa, você age como quer. Mas é uma pena porque isso acaba sendo uma espécie de egoísmo, limitação. É equivocado achar que sua posição pública é ‘apolítica’. É burro”.

“A maturidade te deixa mais serena, com maior percepção dos seus próprios limites e dos do outro. E quando percebe isso, consegue trabalhar a sua generosidade. Traz também uma escuta mais aberta" (Reprodução Instagram)

“A maturidade te deixa mais serena, com maior percepção dos seus próprios limites e dos do outro. E quando percebe isso, consegue trabalhar a sua generosidade. Traz também uma escuta mais aberta” (Reprodução Instagram)

Mariana celebra os ganhos que chegam com o passar do tempo. “O que tem me feito mais feliz é a minha maturidade, que tem a ver com ter força e coragem para mudar as coisas que deseja mudar, sente necessidade. E também, ter inteligência, sabedoria, para discernir sobre as que não pode mudar. Quando você entende isso, a vida fica mais leve. Acho que leveza é uma coisa importante para alegria, para a felicidade”. E continua: “A maturidade te deixa mais serena, com maior percepção dos seus próprios limites e dos do outro. E quando percebe isso, consegue trabalhar a sua generosidade. Traz também uma escuta mais aberta. Acredito que quanto mais você consegue estar em contato o outro, honestamente, mais chances você tem de ser feliz. Acho que a felicidade tem mais a ver com calmaria, sabedoria de saber quando agir e recuar, vida é movimento, né? Quando você entende essa dinâmica fica mais fácil, você exige menos da vida e das pessoas, consequentemente é mais feliz”.