*Por Brunna Condini
A primeira direção de série de Maria Flor tem o feminino reinando à frente e atrás das câmeras. A atriz lança ‘No Ano Que Vem’, no Canal Brasil, que tem Julia Lemmertz e Jeniffer Dias como protagonistas e equipe 90% feminina, só com fotógrafo e técnico de som homens. A produção fala do encontro de duas mulheres e de como essa amizade as potencializou. A artista conta que dos temas abordados na série, a sororidade e o etarismo são os que mais a atravessam. “Porque vejo minhas amigas mais velhas sofrendo muito preconceito. Eu mesma, que fiz 40 anos, apesar de ser uma idade ainda bem jovem, já sinto: “Ah, você já tem 40, é mãe, é hora de ficar quieta”. Isso fica no ar, tem um estigma. A juventude é super valorizada em nosso país, no meio artístico então, mais ainda. É como se envelhecer fosse um grande problema, algo proibido. Então, tentamos ao máximo retardar esse processo, seja com procedimentos estéticos, seja com hormônios, malhação. Claro que podemos nos cuidar, escolher fazer todas essas coisas, mas é perceptível que não é tranquilo envelhecer. Essa é uma questão que já penso muito, em como lidar, absorver isso daqui para frente”. E reflete:
Na minha profissão a exclusão se faz presente de muitas formas. O corpo que não é perfeito dentro de um padrão, que já teve um filho, tem celulites, mais flacidez, por exemplo, qual é o lugar dele? E o rosto que tem rugas? – Maria Flor
Falando sobre ‘No Ano Que Vem’, que acompanha a história de duas mulheres em crise, Maria destaca que suas personagens também são afetadas por estigmas. “Embora as personagens da Julia e da Jennifer estejam em momentos de vida diferentes. A personagem da Jennifer, por conta de uma maternidade perdida e da necessidade de dar sentido à sua existência. Já a da Júlia, se separa depois de um casamento longo e quer viver tudo o que não se permitiu antes. Então, entra em aplicativos de paquera e sente que tem uma censura ao contrário, como se aos 60 anos não pudesse estar ali. Ela vai sentindo como se não pudesse mais se apaixonar, fazer sexo, experimentar os prazeres porque está com 60”, conta a atriz, que apesar de estar mergulhando fundo como criadora, deixa escapar a possibilidade de voltar à TV em breve, como atriz. “Devo fazer uma novela ainda esse ano, já tenho uma conversa em andamento. Continuarei sendo atriz, mas acho que serei uma atriz ainda melhor depois da direção. Em 2021 eu estava escalada para ‘Um Lugar ao Sol‘, na Globo, mas existia uma lei que por conta da Covid afastava grávidas do presencial (ela seria a manicure Stephany que ficou com a atriz Renata Gaspar), e eu acabei descobrindo a gestação do meu filho, Vicente, que acabou de completar 2 anos”.
“O que mais me interessa nesse trabalho é a relação dessas duas protagonistas. Me interesso muito pela relação das mulheres, seja de amizade, seja de amor. E na série existe o encontro dessas duas muito diferentes, que têm idades, backgrounds, vidas, histórias muito distintas e se encontram por acaso. Isso as transforma e é exatamente o ponto que me interessa de falar”. E frisa: “Ter uma equipe essencialmente feminina foi uma condição. Uma equipe de mulheres é mais calma, mais organizada e tem mais cuidado com o outro. As equipes femininas têm um acolhimento maior em tudo”, aponta Maria Flor.
Ela também vai dirigir seu primeiro longa-metragem de ficção, baseado no seu primeiro livro ‘Já Não Me Sinto Só‘ (2020), que narra uma jornada sobre o amor e o autoconhecimento, e será estrelado por Manu Gavassi, Renato Goés e Andréa Beltrão. “Lancei esse livro no meio da pandemia e foi super bem. Já escrevi pensando em transformá-lo em roteiro. E conversando com o Quico Meirelles, um dos sócios da O2 Filmes sobre esse desejo, ele embarcou comigo no projeto. Ainda estamos em processo de captação, mas faremos um filme lindo. Deve ser filmado em 2025″.
Maria Flor fala da motivação artística que tem a colocado atrás das câmeras:
Gosto muito de ser atriz. Acho que é uma profissão muito criativa, bonita. Tem a criação das cenas, tudo isso me fascina muito. Mas também tem esse lugar de ser o objeto, se ser olhado. Tem um pouco essa coisa de “bota o ator no sol, tira o ator do sol”. Como se os atores não fizessem parte do set, fossem à parte. Porque como os atores são determinantes para o que está sendo produzido, precisam estar muito bem, o que favorece um espaço de calma e criação. Mas por outro lado, é como se fossem só objetos que podem ser movidos pra lá e pra cá e isso me incomoda muito. É claro que têm trabalhos que você consegue romper com isso, mas no audiovisual, como atriz, me sinto muito objeto daquelas pessoas e com uma necessidade grande de ser olhada por elas. Então como diretora fiquei com muita vontade de desconstruir isso e de abrir espaço para que atores se sintam sujeitos num set também. A direção vem muito desse desejo de ser mais sujeito da criação – Maria Flor
“Sou concentrada, preparada, estudo bastante e tenho uma tendência a saber o que quero. Mas ainda posso ser apressada, ansiosa no set. Quero poupar os atores de repetir muito e as vezes corro com a resolução dos planos. Estou aprendendo e ajustando”, analisa, sobre o tipo de diretora que vem se tornando.
“Mas o que me motiva em dirigir é o trabalho com os atores, parto do que eu já faço. Tenho muito prazer em pensar as cenas, os planos, enquadramentos, enfim, esse como contar a história é algo instigante para mim. O mais desafiador é a parte de levantar toda a produção. A direção também é uma função de resolver problemas. E modéstia à parte, acho que sou boa resolvendo problemas”. E revela: “Vou dirigir e atuar em outro projeto meu que se chama ‘Creche’, que é um pouco baseado na minha experiência de levar o meu filho para a creche. É uma série de comédia sob a perspectiva dos funcionários do lugar. Faço uma educadora. Muitos caminhos estão me levando para a direção. Dirigir veio para ficar na minha vida”.
Realizando
A série ‘No Ano Que Vem’, trabalho da vez de Maria como diretora, é um projeto da Fina Flor Filmes, onde ela é sócia da roteirista Marcia Leite, que é sua mãe. No elenco, além de Julia Lemmertz e Jeniffer Dias, estão Georgiana Góes, Isio Ghelman, João Oliveira, Drayson Menezzes e Bernardo Marinho. O roteiro é de Marcia e o projeto da dupla é antigo. “Ele começou a ser pensado em 2016. Ganhamos o patrocínio para desenvolvê-lo pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Fizemos isso e o apresentamos para o Canal Brasil, que entrou com verba também através da Ancine para produzir. Bom, no final de 2018 conseguimos a aprovação do canal e entramos com recurso na Ancine para liberação da verba para produção. Só que em 2019 veio o Bolsonaro, tudo paralisou, o dinheiro não foi liberado e várias produtoras entraram com recurso jurídico para liberação. Com isso, a verba foi liberada em 2020, mas veio a pandemia. Pouco tempo depois também engravidei, Vicente nasceu e filmamos em 2023. É um projeto com um caminho longo. Estamos trabalhando, burilando há muito tempo. É uma realização”.
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