*Por Brunna Condini
A atriz, diretora e cantora portuguesa Maria de Medeiros, atriz do filme ‘Pulp Fiction: Tempo de Violência’, de Quentin Tarantino, lançou no Festival do Rio, o longa “Aos Nossos Filhos”. O filme, estrelado por Marieta Severo (que está fora do Brasil), nasceu do espetáculo homônimo que a atriz e produtora Laura Castro escreveu inspirada pela sua própria experiência de vida. Laura foi casada com a atriz e também produtora cultural Marta Nóbrega por 16 anos, com quem teve três filhos: Rosa, 9 anos, gerada por Marta; José, 7, gerado por Laura; e Clarissa, 10, adotada pelas duas, e com quem fundou a Cria Produções. O texto nasceu dessa vivência e Laura chamou Maria de Medeiros para protagonizá-lo no teatro. “Ficamos em cartaz por três anos, rodamos o Brasil e também fomos para Portugal”, conta Maria. “Depois desses anos de peça com Laura, propus o filme, para desenvolver certos assuntos e personagens, que na peça, eram só mencionados”.
O longa, uma co-produção Brasil-França, com roteiro assinado por Laura e Maria de Medeiros, conta a história de duas mulheres, que sonham em ter um filho juntas: Tânia, vivida por Laura, uma mulher que pretende ser juíza, e Vanessa, interpretada por Marta Nóbrega, executiva em uma grande agência de publicidade. O desejo de Tânia de ter uma criança através da barriga da companheira, desperta em sua mãe Vera, uma mulher corajosa e defensora das liberdades, que coordena uma ONG que cuida de crianças soropositivas, uma avalanche de questões. E apesar de suas profundas divergências, mãe e filha, acreditam ainda nas virtudes do diálogo e nas conquistas da democracia, enquanto um cerco militarizado está se fechando em torno delas. A história delas é uma radiografia dos últimos meses de uma época, antes da recente eleição presidencial no Brasil.
“Quando começamos a escrever o roteiro, há quatro anos, era um contexto otimista, de muita liberdade no país. As pessoas formavam as famílias que quisessem, mais livremente. Na época, olhando de fora, víamos muito bem o Brasil neste contexto, era uma alegria”, lembra a cineasta. “Mas a situação foi ficando complicada, os tempos foram obscurecendo. Então, nestes anos, o filme deixou de ser uma comédia solar, para se tornar uma coisa mais complexa”.
A diretora portuguesa reforça seu amor e seu olhar para nosso país. “Moro em Paris, mas acompanho de perto o Brasil, hoje até mais do que Portugal, até porque lá agora está tudo bem e não tenho com o que me preocupar”, diz, referindo-se ao momento político. “A escrita deste filme foi construída acompanhando uma percepção da realidade brasileira. O filme nasceu da peça, que nasceu da experiência da Laura tendo três crianças com sua companheira: isso é político. Somos seres políticos e nossas decisões são políticas. A peça é política por ter esse confronto das duas gerações. Acho que a arte não tem obrigações, mas é um meio para exprimir nossas inquietações, nossa realidade. O cinema pode ser essa forma de reflexão. Mas o filme, é acima de tudo, sobre a transmissão. O que pretendemos transmitir aos nossos filhos? Pensar sobre isso, é uma das coisas mais belas”.
Maria fala também da opção de não protagonizar a produção. “O teatro permite a composição de uma personagem longínqua, mas no cinema era necessário uma pessoa realmente contemporânea dessa personagem. Laura tinha escrito a peça pensando em Marieta Severo. Então, decidimos também escrever o filme pensando em Marieta Severo. E foi uma grande alegria que ela aceitasse a personagem, ao mesmo tempo divertida e trágica”, completa, sobre o filme que entra em circuito nacional em abril.
Em sua estreia no cinema e com quase 20 anos de trajetória no teatro, Laura Castro, que também é ativista feminista e na causa das famílias LGBTs, destaca a importância do contexto da história, que tem no elenco ainda José de Abreu, Cláudio Lins, Antonio Pitanga, Ricardo Pereira, Aldri Anunciação, Júlia Bernat, Karen Coelho, Pablo Sanábio, entre outros. “O filme é o Brasil de agora, com nossas complexidades. De maneira indireta, tratamos também a questão política. Essas duas mulheres estão pressionadas pelo entorno. A filha é mais conservadora por um lado, a mãe mais libertária. A Tânia quer ser juíza no Brasil, em um momento que a justiça está esquisita. A Vera, a mãe, tem a ONG, dentro de uma comunidade, com essa violência pesada nas comunidades entrando porta adentro ou helicóptero acima”, analisa.
“Fazer uma arte que resiste é o que me salvou na época das eleições para presidente. O filme traz essa memória do que foi a ditadura, por exemplo. Me perguntaram lá atrás, se ainda precisava trazer essa memória hoje, mas estamos vendo que precisa, né? Infelizmente. Falamos das famílias LGBTs. E bradamos contra a violência nas comunidades, da polícia arbitraria”, afirma.
E tem também a questão dos pacientes soropositivos, de quem estão tentando tirar os remédios fundamentais, então é um governo assassino em todos os âmbitos. Esse filme tem muitas causas dentro dessas vidas que a gente trata ali. Não são só bandeiras, é a nossa vida”, completa a atriz que também é roteirista e co-diretora da série Arquis, na HBO e já escreve seu próximo roteiro em parceria com Cristina Flores, sua atual mulher: “A Bruna Linzmeyer está neste projeto, o filme se chama “Bu” e será dirigido por Juliana Antunes”.
Artigos relacionados