Maria Casadevall em Garota da Moto: ‘Pude mostrar minha indignação, porque, às vezes, temos vontade de socar tudo’


A atriz vive motogirl corajosa e justiceira no filme de ação ‘Garota da Moto’, que estreia nesta quinta-feira (23), e fala do privilégio e da responsabilidade das escolhas que vem fazendo na carreira, e também da importância deste papel no cinema em sua trajetória: “Ela é uma mulher comum, que está exercendo um trabalho altamente precarizado, mãe solo que batalha para sustentar o filho com dignidade e passa por uma série de violências. Tanto físicas, como também simbólicas, psicológicas. Então a escolha por esse papel foi o meu desejo de falar sobre as diferentes formas de violências que atravessam nossos corpos. Acho que a personagem me deu muita liberdade para isso. E também de trazer para a cena a minha indignação, porque, às vezes, nós temos vontade de sair socando tudo, mas aí usamos da nossa fantástica capacidade intelectual para lidar com de outras maneiras. Mas pude trazer a minha fúria para a personagem”

Maria Casadevall protagonista no longa ‘Garota da Moto’

*Por Brunna Condini

Maria Casadevall tem escolhido fazer ao longo da sua trajetória personagens que exaltam a potência da mulher. No longa ‘Garota da Moto’, que estreia nesta quinta-feira (23) nos cinemas, assim o será. A versão em filme é um spin-off da série já exibida pelo SBT e nele a atriz dá vida à motogirl Joana, uma mulher potente que faz tudo para proteger o filho e não se omite ao presenciar injustiças. É girl power na veia, com direito a muita ação nas cenas dirigidas por Luis Pinheiro.

“O filme tem cenas de ação que podem atrair muito público adolescente, mas as mulheres também vão se reconhecer nesta personagem. Ela está exercendo um trabalho altamente precarizado, mãe solo que batalha para sustentar o filho com dignidade e passa por uma série de violências. Tanto físicas, como também simbólicas, psicológicas. Então a escolha por esse papel, foi o meu desejo de falar sobre as diferentes formas de violências que atravessam nossos corpos”, analisa, acrescentando: “Acho que a Joana me deu muita liberdade para isso. E também pude mostrar a minha indignação, porque, às vezes, nós temos vontade de sair socando tudo, mas aí usamos da nossa fantástica capacidade intelectual para lidar de outras maneiras. Mas pude trazer a minha fúria para a personagem”.

E faz questão de frisar: “Claro que me inspirei nas heroínas clássicas, como a ‘Mulher Maravilha’, mas gosto mais da inspiração da Uma Thurman em ‘Kill Bill’, por exemplo, que não tem essa hiperssexualização do corpo e é uma mulher comum. Você não diz que ela luta, mas a vida foi trazendo as demandas e a colocou na situação. O desafio de viver a Joana foi justamente por não ter muita intimidade com o universo de ação e de HQs. Voltei a assistir o ‘Rocky Balboa’, ver as heroínas clássicas, mas fugindo dos estereótipos dessa feminilidade um pouco padrão. Tanto que neste filme, eu tive a ideia de já me apresentar com o cabelo raspado (Maria deu esta entrevista, via Zoom, já com o cabelo curto e louro para um novo projeto)”.

Maria Casadevall e a namorada, Larissa Mares na première de ‘Garota da Moto’, em São Paulo (Foto: Agnews)

“O filme tem cenas de ação que podem atrair muito público adolescente, mas as mulheres também vão se reconhecer nesta personagem. Ela está exercendo um trabalho altamente precarizado, mãe solo que batalha para sustentar o filho com dignidade e passa por uma série de violências. Tanto físicas, como também simbólicas, psicológicas. Então a escolha por esse papel, foi o meu desejo de falar sobre as diferentes formas de violências que atravessam nossos corpos”, analisa, acrescentando: “Acho que a Joana me deu muita liberdade para isso. E também pude mostrar a minha indignação, porque, às vezes, nós temos vontade de sair socando tudo, mas aí usamos da nossa fantástica capacidade intelectual para lidar de outras maneiras. Mas pude trazer a minha fúria para a personagem”.

"Ela lê o adversário, até para subverter essa questão da força física. Quais são os outros atributos que ela utiliza para sair vitoriosa destas batalhas? Isso tudo com credibilidade. Dentro e fora das lutas" (Divulgação)

“Ela lê o adversário, até para subverter essa questão da força física. Quais são os outros atributos que ela utiliza para sair vitoriosa destas batalhas? Isso tudo com credibilidade. Dentro e fora das lutas” (Divulgação)

Ela também fala das (impressionantes) cenas de ação do filme – que apesar da preparação rigorosa, renderam para a atriz um joelho machucado – com golpes que foram pensados como possíveis para uma mulher executar de acordo com técnicas brasileiras, como o jitsu, por exemplo. “Tenho uma disponibilidade física e corporal, porque o meu corpo é a minha ferramenta de trabalho, então  cuido muito. Mas entrar neste universo da luta foi desafiador e fiquei segura por que estava cercada de profissionais incríveis e ter um dublê. E como o próprio Duda (Nagle), que também está no filme diz, ‘conseguimos trazer a dramaticidade para dentro da cena’. Fomos atrás das fragilidades desta mulher e o que usa além da força física. Ela lê o adversário até para subverter essa questão da força. Quais são os outros atributos que ela utiliza para sair vitoriosa destas batalhas? Isso tudo com credibilidade. Dentro e fora das lutas”.

Maria com o diretor Luis Pinheiro em cena de ação: "Fomos atrás das fragilidades desta mulher e o que ela usa além da força física" (Divulgação)

Maria com o diretor Luis Pinheiro em cena de ação: “Fomos atrás das fragilidades desta mulher e o que ela usa além da força física” (Divulgação)

Compromisso com a arte e o coletivo

Aos 34 anos é evidente que os conceitos de consciência e escolhas nunca estiveram tão presentes na vida de Maria. “É um privilégio e acho que é também um compromisso ético que as escolhas sejam condizentes com seus valores, suas visões de mundo. E assim tem sido nestes últimos trabalhos. Na verdade, tento fazer isso desde o começo da carreira, mas esse privilégio só veio nos últimos anos”, diz.

“Me identifico muito com a ética da personagem. Tem uma fala no filme que adoro e mostra isso quando ela diz que não consegue ver uma injustiça, identificar que pode fazer algo e não fazer. É uma provocação para nós, no lugar da metáfora. O que fazemos diante deste momento histórico, político, sanitário, que estamos vivendo? Fechamos os olhos diante dos absurdos ou lançamos mão das ferramentas que temos ao nosso alcance? Seja o engajamento político, seja ajuda direta. Como nos colocamos , quais são as escolhas que fazemos como pessoas privilegiadas e como isso impacta no coletivo de maneira geral?”, questiona.

"Uma das coisas que mais me identifico com essa personagem, é a questão ética. Tem uma fala no filme que adoro e mostra isso, quando ela diz que não consegue ver uma injustiça, identificar que pode fazer algo e não fazer" (Foto: Pupin+Deleu)

“Me identifico muito com a questão ética da personagem. Tem uma fala no filme que adoro e mostra isso, quando ela diz que não consegue ver uma injustiça, identificar que pode fazer algo e não fazer” (Foto: Pupin+Deleu)

Abertamente engajada nas questões em que acredita, a atriz recentemente transformou o seu perfil pessoal no Instagram no Espaça Coletiva, abrindo sua conta na rede social para que outras mulheres pudessem compartilhar suas criações e iniciativas: “Tive a ideia em parceria com a artista Larissa Nunes enquanto produzíamos, durante o início da pandemia, de forma remota, a divulgação de uma série em que trabalhamos juntas. Com a realidade do isolamento, o espaço virtual ganhou ainda mais relevância do que já tinha e as redes se tornaram o único espaço viável para comunicação, encontros e, sobretudo, para o trabalho, inclusive, de muitas mulheres artistas e autônomas. A partir dessa percepção e de antigas reflexões minhas sobre como ocupar aquele espaço, decidi transformá-lo, e seu potencial de visibilidade, em um lugar permanentemente coletivo”.

"A criação está aí para salvar a gente um pouco dessa realidade, mas também, sempre provocando, fortalecendo a resistência, como acredito que é o intuito da arte" (Foto: Pupin+Deleu)

“A criação está aí para salvar a gente um pouco dessa realidade, mas também, sempre provocando, fortalecendo a resistência, como acredito que é o intuito da arte” (Foto: Pupin+Deleu)

Maria exalta ainda, o fato de que esse tipo de filme também ajuda a construir um mundo mais feminino. “A Joana acaba se tornando um arquétipo e várias atrizes, criadoras podem acessar isso e construir a partir do que já existe. Mas é um filme para público de todas as idades. Têm as metáforas com o mundo de hoje, as analogias, com as lutas diárias, as injustiças. Afinal de contas, a Joana acaba desmascarando um esquema de trabalho escravo. Então, não é só entretenimento. Tem crítica social, um desejo de pelo menos provocar alguma reflexão desse momento que atravessamos no país de instabilidade total. Acho que a cidade de São Paulo retratada pelo diretor é também um pouco desse momento distópico que atravessamos no Brasil. Estamos vendo tudo meio que com essa lente mesmo, mas a criação está aí para salvar a gente um pouco dessa realidade, mas sempre provocando, fortalecendo a resistência, como acredito que seja o intuito da arte”.